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1962 – O FIM DE UMA ERA

1962, a década que mudaria o mundo estava apenas começando, mas alguns episódios ocorridos no ano anterior já davam pinta de que os anos seguintes fariam dela um período crucial para a humanidade, o que acabou de fato acontecendo. Lá fora, em janeiro de 1961 assumiu a presidência dos Estados Unidos o jovem senador (43 anos) democrata John F. Kennedy, o primeiro católico a presidir a nação mais poderosa do planeta, casado com uma mulher linda, Jacqueline Bouvier, com quem teve um casal de filhos. O mundo vivia o auge da chamada “Guerra Fria”, que colocava em posições antagônicas a URSS -União das Repúblicas Socialistas Soviéticas lideradas pela Russia comunista e os Estados Unidos da América, líder inconteste das nações que formavam o chamado “mundo livre”. De pronto o presidente Kennedy encontrou um assunto muito grave que exigia ação rápida: Cuba, a ilha situada a algumas centenas de milhas do território continental norte-americano, a caminho de se declarar um país socialista, sob o comando de Fidel Castro, que no Ano Novo de 1959, chefiando uma revolução popular tomou o poder, expulsando do país o ditador Fulgêncio Batista. Para complicar a relação, dias antes de transferir o cargo a John Kennedy, o Presidente Dwight “Ike” Eisenhower tinha rompido as relações diplomáticas entre os dois países. A guerra Fria era um movimento de escaramuças não apenas militares, como também diplomáticas e até mesmo científicas. Os americanos nunca engoliram o fato de os russos colocarem em órbita terrestre, em 4 de outubro de 1957, antes dos Estados Unidos, um satélite artificial denominado Sputnik. Menos de um mês depois em 3 de novembro, outro satélite russo levou ao espaço a cadelinha Laika, o primeiro ser vivo da Terra a orbitar o planeta. Foi com esse sentimento de inferioridade que o americanos apavorados, à beira mesmo de uma crise de histeria coletiva, tomaram conhecimento em 12 de abril de 1962 de que um militar russo, o cosmonauta Yuri Gagárin, tinha orbitado o planeta por 108 minutos, façanha que o tornou o primeiro homem no espaço. Neste caso, a resposta estadunidense não demorou muito: para alivio geral dos “sobrinhos do tio Sam” vinte e três dias depois, em 5 de maio, o norte-americano Alan Shepard realizou um vôo suborbital de 15 minutos que o tornou o primeiro norte-americano a viajar no espaço. Restabelecendo, pelo menos aparentemente, o equilíbrio na corrida espacial.

Os brasileiros acompanhavam apreensivos os episódios da guerra fria, que esquentava um pouco a cada dia. Em 13 de agosto de 1961, os alemães orientais, sob pressão da Rússia que ocupava quase a metade do antigo território alemão, levantaram em poucas horas o “Muro de Berlim” que dividiu a antiga capital em duas partes, a Berlim Oriental, comunista; e Berlim Ocidental. A Guerra Fria quase esquentou de uma vez por todas, levando o mundo à beira de uma guerra nuclear. Em junho Kennedy tinha ido a Berlim, onde em discurso público declarou-se berlinense, uma maneira de apoiar e levantar o moral os habitantes da cidade. O muro resistiu cada vez mais fortificado pelos 28 anos seguintes, até ser derrubado em 1989.

Entronizado Papa e sucessor de Pio XII, falecido em 1958, o cardeal Ângelo Giuseppe Roncalli escolheu ser chamado Papa João XXIII. Com ele, um lufada de fortes ventos renovadores varreu a arcaica estrutura da Igreja Católica. João XXIII Foi como se o sol penetrasse nos mais recônditos escaninhos da burocracia vaticana, levando luz onde a sombra tinha predominado por muitos séculos. Tão logo iniciado o seu pontificado, o Papa Roncalli convocou um Concílio Ecumênico, chamado vaticano II, o primeiro em vários séculos. Foi o início da modernização da Igreja Católica. Pará de Minas, cidade onde pelo menos 98% de seus habitantes professavam a fé cristã/católica, também passou pelos mesmo processo de renovação. Alguns causaram espanto aos fiéis, como a missa rezada em português com o celebrante de frente para o povo, que só então ficou sabendo que as palavras de abertura da Missa: “Dominus Vobiscum” significavam apenas “o Senhor esteja convosco”, eram apenas uma saudação. E “orater frater” nada mais era do que “orai, irmãos”. Mas o susto maior dos católicos foi quando pela primeira vez na vida viram o venerado vigário Padre Gabriel Hugo na rua, trajando um elegante “clergy man”, um terno preto muito bonito, com o colarinho branco duro se destacando em volta do pescoço. Uma pena que João XXIII morresse em 1963, apenas cinco anos depois de iniciar sua obra. Foi sucedido pelo cardeal Giovani Batista Montini, que se chamou Paulo VI e ficou no trono papal nos quinze anos seguintes, dando sequência às mudanças iniciadas pelo antecessor.

No Brasil a situação não era menos dramática, em 25 de agosto de 1961, o presidente Jânio Quadros, grande vitorioso das eleições presidenciais de 1960, renunciou ao governo menos de sete meses depois de empossado, alegando pressão de “forças ocultas” que, segundo ele, estariam o impedindo de governar. O Vice-presidente da República, João Goulart, estava no outro lado do planeta, em viagem de estado na República Popular da China. Os militares, quase todos eles os mesmos que tentaram impedir a posse de Juscelino Kubitschek em 1955, recusaram-se a permitir a posse de João Goulart. Por pouco, muito pouco, o Brasil deixou de mergulhar numa guerra civil. Jango acabou assumindo, mas para que isso acontecesse foi necessária uma mudança na forma de governo, com o regime parlamentarista sendo implantado a toque de caixa, e o mineiro Tancredo Neves indicado Chanceler ou Primeiro-Ministro e consequentemente chefe do gabinete ministerial. Pelo apresentado até aquele início de 1962, se dependesse de política, de tédio ninguém ia morrer, no mundo, no Brasil e muito menos em Pará de Minas.

Para 1962 estavam marcadas eleições, previstas para acontecer no dia 7 de outubro. Seriam eleitos novos prefeitos, vereadores, deputados estaduais e deputados federais; um terço do Senado da república seria renovado e alguns estados elegeriam também novos governadores, o que não era o caso de Minas Gerais. Os paraenses- nosso gentílico naquela época, acompanhavam apreensivos os acontecimentos nacionais e internacionais, mas se preocupavam sobretudo com o cotidiano da pequena cidade de apenas 22.277 habitantes, conforme o censo demográfico do IBGE de 1960.

O Jornal Paraense, único órgão de imprensa de Pará de Minas naqueles anos, em sua edição de número 29/30, de 27 de janeiro de 1962, trazia um noticiário bem amplo e diversificado. O jornal foi fundado em 1957 pelo jovem Pedro Moreira Mendonça, advogado recém formado e professor de português, que nas décadas seguintes foi consagrado o “Papa” em questões do idioma pátrio entre seus conterrâneos, cronista brilhante e historiador. Na mencionada edição do JP, era destaque a noticia da posse da nova Mesa Diretora da Câmara Municipal para o ano de 1962, que foi formada pelos vereadores Morel Mendonça Meireles Presidente, Fernando Queirós Xavier Vice-presidente, Paulo Mendonça Ferreira 1º Secretário, os três eram advogados. E como 2º Secretário foi eleito Walter Martins Ferreira, o “Walter Bombeiro”, operário da prefeitura municipal. Pela primeira vez na história a Câmara Municipal elegeu um 2º secretário.

A coluna social do Jornal Paraense publicou naquele dia os nomes das 10 mulheres, senhoras e senhoritas, mais elegantes da cidade. Algumas delas, de tão elegantes, permaneceram durante décadas nesta lista atualizada anualmente. Em 1961 as elegantes apontadas foram Ana Barbosa, Célia Varela Junqueira, Inês Mendes Varela, Edelwaiss Grassi de Melo Franco, Maria Amélia Sanches, Aparecida Vilela Mendonça, senhorita Hila Flávia Lobato Marinho, senhorita Maria José Grassi Ferreira de Abreu, senhorita Sylmia Praxedes, senhorita Neide Oliveira Almeida. A lista saiu em ordem alfabética e olhando-a quase sessenta anos depois, percebe-se o acerto de quem indicou s elegantes, pois as que sobrevivem em 2017, mantém os traços da antiga beleza.

O jornal também informava a presença em Brasilia do prefeito de Pará de Minas, Edward Moreira Xavier, para engrossar o coro dos prefeitos brasileiros durante a votação pelos congressistas da “Emenda Municipalista” que buscava garantir mais recursos para os municípios, todos em situação de extrema penúria financeira (parece até noticia do ano 2017).

Uma outra nota, dava conta da homenagem que a prefeitura prestou a seis de seus servidores, que tinham se aposentado recentemente. A iniciativa do preito de gratidão pelos serviços prestados foi do vereador Walter Martins Ferreira, ele mesmo servidor da prefeitura, que apresentou projeto de lei neste sentido. Os servidores homenageados foram Joaquim Inácio da Silva, Antonio Martins Ferreira, Francisco Silva, Josias Norberto Ferreira, Francisco Moreira dos Santos. Ao funcionário Francisco Lopes Flores a homenagem foi póstuma, pois o mesmo faleceu pouco tempo antes do reconhecimento público. Na ocasião, informa o JP, falaram o vereador Walter, o prefeito dr. Edward e o funcionário Daniel de Oliveira Barbosa.

O tempo passou e o Jornal Paraense só voltou a circular no dia 14 de abril, com a sua edição de número 31. Desta vez com maior quantidade de notas sobre a política municipal. Mas o destaque desta edição foi o comentário do colunista Antonio Ernesto sobre a espetacular vitória do Paraense E.C. sobre o América, vice-campeão mineiro, pelo placar de 3 a 1. Os torcedores estavam se encantando com o novo time do Paraense, que tinha um ataque demolidor, formado pelo quinteto Manoelito, Careca, Mituca, Chinesinho e Fábio. Uma semana antes o PEC tinha aplicado uma surra no Vila, da cidade de Formiga, por nove a zero. Antonio Ernesto se entusiasmou tanto que no comentário não deu a escalação dos dois times, mas este autor estava no campo naquela tarde e não se esqueceu da grande apresentação do time do Paraense.

Uma nota de duas linhas na coluna de variedades indicava a possibilidade de os principais partidos políticos da cidade entrarem em acordo e indicarem um candidato único ao cargo de prefeito na eleição prevista para daí a menos de seis meses. Era uma possibilidade remota, provavelmente sugerida por algum figurão da política local. Quiçá o senador Benedito Valadares, que em 1947, quando da redemocratização do país, sugeriu na surdina, bem ao modo dele, a mesma solução, que naquela época foi aceita pela UDN e pelos demais partidos que acabaram acolhendo o nome do padre José Viegas.

Em 1962 o senador Valadares estava disputando a re-eleição ao senado e tudo o que ele desejava era uma campanha pacífica em Pará de Minas, que o liberasse para cuidar do restante do estado. Tinha dado certo uma vez, quem sabe não podia acontecer novamente. O senador não estava para brincadeiras e tão logo foi aberto o prazo de registro de candidaturas ele registrou a sua; tinha se transferido de mala e cuia para o Hotel Financial, em Belo Horizonte, de onde se ausentava apenas para comparecer ao Senado em Brasilia, por um dia ou dois da semana. Ainda ocupava a presidência nacional do PSD e não queria saber de falhas na condução da campanha em Minas Gerais. De vez em quando recebia na capital delegações de políticos de Pará de Minas ansiosos por uma manifestação de apoio do velho líder. Apoio que nunca veio, pois a hipótese da candidatura única não vingou e Valadares durante toda campanha se manteve equidistante, não declarando apoio a nenhum candidato, que no final das contas foram quatro. Fazendo jus a célebre frase atribuída a ele, Valadares “não era contra nem a favor de ninguém, antes muito pelo contrário”. Mas a alguns amigos mais próximos demonstrou a sua insatisfação com a divisão de sua base tradicional, que apresentou dois candidatos: José Vicente Marinho, ex-prefeito, pela UDN; e José Ferreira (José Alves Ferreira de Oliveira) o candidato oficial do PSD e mais poderoso industrial de Pará de Minas na época. O senador alertou os dois candidatos sobre os riscos desta divisão, pois iriam enfrentar outros dois oponentes, bem mais jovens, oriundos das camadas mais populares. Esses candidatos eram Walter Martins Ferreira, vereador pelo PTB em segundo mandato e operário da prefeitura, que vestia a camisa de representante do operariado; o outro era José Porfírio de Oliveira, comerciante do setor de atacados, em plena ascensão, presidente do Paraense E.C. e liderança emergente dos comerciantes da cidade.

O Jornal Paraense nesta edição previu também grande renovação na Câmara Municipal. A começar pelo presidente da Casa, vereador Morel Mendonça Meireles, que aprovado em concurso para a magistratura, aguardava sua nomeação ao cargo de Juiz de Direito.
Noutra nota de teor político o JP comentava o retorno ao Brasil do ex-presidente Jânio Quadros, depois de alguns meses de exílio voluntário em Londres. O JP destacou a presença no porto de Santos do estudante paraense, ardoroso janista, Geraldo Melo Franco que lá esteve na recepção ao ex-presidente. O estudante fez questão de manifestar sua satisfação ao jornal quando soube que também esteve presente o senhor Magalhães Pinto, único governador de estado a dar pessoalmente as boas vindas a Jânio.

A edição de número 32 do Jornal Paraense só circularia no dia 23 de junho.
Seis dias antes, a seleção brasileira tinha conquistado o bicampeonato mundial de futebol disputado no Chile, mas o Jornal Paraense não trouxe uma linha sequer sobre a extraordinária conquista do futebol brasileiro. Naquele tempo em Pará de Minas, a edição do jornal que estava nas mãos do leitor começava a ser montado às vezes até uma semana antes, talvez por isto a omissão do JP.
O fato é que o povo estava extasiado com a conquista da Copa Jules Rimet. Foi uma jornada meteórica que começou no dia 30 de maio, quando o Brasil bateu o México por 2 a zero. Em 2 de junho aconteceu o empate em branco contra a Tcheco-Eslováquia, jogo em que a seleção brasileira perdeu seu principal jogador por séria contusão: Pelé ficou fora dos campos pelo restante da Copa e nos três meses seguintes. O “fair-play” pode ter nascido neste jogo. Naquele tempo a regra do jogo não permitia substituição e Pelé continuou em campo apenas para para fazer figuração. Os tchecoeslovacos elegantemente ficavam longe de Pelé quando o “negão” dominava a bola, deixando-o concluir a jogada sem incomodá-lo. Todos os brasileiros tememos pelo sucesso da nossa seleção. “Sem Pelé não vai dar” repetíamos todos. Mas havia um anjo naquele time comandado pelo treinador Aymoré Moreira. Um anjo de pernas tortas, batizado Manoel Francisco dos Santos, que nos gramados e no time dele, Botafogo, atendia pelo apelido de Garrincha, Mané Garrincha. Pois os deuses do futebol resolveram incorporar de uma só vez em Garrincha, que passou a jogar por ele e por Pelé, mas com tal intensidade, que na opinião unânime de todos os entendidos em futebol espalhados pelo planeta, aquela Copa foi ganha por Garrincha. Tudo bem, para não chatear os flamenguistas, digamos que Mané foi responsável por 80% da conquista. Na sequência dos jogos, com o quase menino Amarildo, também do Botafogo, no lugar de Pelé, a seleção brasileira atropelou os quatro adversários restantes. Parecia uma “blitzkrieg” do exército alemão na segunda grande guerra. Em 6 de junho dois a um na Espanha, com dois gols de Amarildo, que neste jogo ganhou o apelido de “Possesso”. Em 10 de junho, 3 a 1 na Inglaterra, supostamente candidatíssima ao título. Dois gols e uma assistência de Garrincha. No dia 13 de junho, o adversário foi a seleção anfitriã, Chile. Os chilenos eram fregueses de caderno do Brasil. A seleção andina empurrada por 60 mil torcedores fez valer a frase feita “jogou como nunca e perdeu como sempre”. Placar final Brasil 4 a 2. Dois gols do anjo Garrincha e dois gols de Vavá em assistências daquele cujo nome entrou para a história. Que aliás, foi expulso de campo após chutar a bunda de um jogador chileno que o agrediu covardemente. Domingo, 16 de junho, foi o dia da grande final, o Brasil contra a mesma elegante seleção tcheco-eslovaca, aquela do empate sem gols na primeira fase, quando Pelé se machucou. Ao final do embate, Brasil 3 a 1. Desta vez Garrincha não marcou, Amarildo, Zito e vavá se encarregaram de balançar as redes do grande goleiro Schroif. Absolvido pela FIFA,Garrincha pode atuar e foi novamente o nome do jogo e o Brasil parou para comemorar o bicampeonato. Pará de Minas também. O povo nem queria saber se daí a cem dias haveria eleições. A rua Direita virou animada passarela da multidão em festa, com parada obrigatória na esquina da Rua Antonio Novato, onde ficava o “Bar do Ary” e seguia animada em meio às poucas dezenas de automóveis que existiam na cidade. O Brasil era o bicampeão mundial de futebol e o que restava do complexo de vira-latas que segundo o jornalista Nelson Rodrigues ainda assombrava os brasileiros estava definitivamente morto e enterrado. Graças a um anjo de pernas tortas.

Naquela edição de 23 de junho o JP publicou uma enquete eleitoral realizada alguns dias antes em vários pontos da cidade, tais como estação rodoviária, bar do Nem, Centro Literário, Praça de Esportes, Escola de Comércio e Livraria Avenida. O jornal ouviu um número entre sessenta e oitenta pessoas, que declararam sua intenção de voto para todos os cargos em disputa, sendo que para prefeito e vereador os nomes ainda não estavam indicados oficialmente.

Para senador: Benedito Valadares 31
Gabriel Passos 11
Tristão da Cunha 01
Não responderam 05

Para Deputado Federal Ovídio de Abreu 21
Padre José Sousa Nobre 09
San Thiago Dantas 05
Tancredo Neves 05
Austregésilo Mendonça 05
Pedro Aleixo 02
Gustavo Capanema 02

Para Deputado Estadual Wilson Guimarães 30
Odilon Rodrigues 14
Waldomiro Lobo 02
Não responderam 02

Para prefeito José Vicente Marinho 30
Dr. Heleno Leitão 13
Walter Martins Ferreira 08
Alano Melgaço 07

Para a Câmara Municipal os candidatos mais citados na enquete foram Paulo Mendonça Ferreira (9), Fernando Queiroz Xavier (8), Walter Martins (7), José Moreira Duarte Primo (Zé do Nato, 6), José Nilton Ferreira (4), Bernardino José (2), Ronaldo Marques (Coteco do Artur, 1 ) e Gastão Machado (1).

O Jornal Paraense trouxe ainda em página inteira, ótima entrevista feita pelo editor Pedro Moreira com o professor José Morais Batista, o lendário professor Morais, verdadeiro ícone do magistério de Pará de Minas.

Depois de outro sumiço o Jornal Paraense só voltou às bancas, digamos assim, pois na verdade só existia uma, na Loja Avenida, no dia 6 de outubro, um sábado, véspera das eleições. Foi uma edição robusta aquela de número 33, com muitas páginas, recheadas de propaganda eleitoral de muitos candidatos a quase todos os cargos. Uma beleza. Considerando que todos pagaram pela publicidade, aquela edição deve ter salvado as finanças sempre combalidas do jornal, principal motivo dos frequentes apagões.
José Porfírio em página inteira anunciou seu plano de governo, garantindo que se eleito ia doar seu salário às instituições de caridade. Prometeu construir escolas, estradas na zona rural, construir um seminário, outra Ponte Grande e uma estação rodoviária. Prometeu que ia receber o povo diretamente no gabinete, apoiar o Asilo, o Patronato e a construção da Cidade Ozanan. Prometeu incentivar o esporte na cidade e garantiu que faria um governo independente politicamente. “Governar com Justiça e Igualdade” foi o seu slogan de campanha. Em determinado folheto de campanha garantiu que “Minha candidatura é o início de uma cruzada em favor das classes obreiras” revelou que só estava candidato devido ao estímulo dos amigos. No rodapé da página a frase: José Porfírio, o benfeitor dos pobres.

José Ferreira e Juca Marinho em anúncios de meia página apresentaram programas de governo bem conservadores, como se cumprissem a obrigação de informar ao povo o pretendiam fazer, se eleitos fossem.

O nome de Walter não apareceu nesta edição do Jornal Paraense, provavelmente por falta de dinheiro para pagar a publicidade.

Assim a campanha transcorreu sem a presença da imprensa. Comentou-se na época que o Jornal Paraense não teria circulado por ser o seu diretor-presidente genro do candidato José Vicente Marinho e por isto decidiu manter a neutralidade do jornal, embora pessoalmente tenha apoiado o sogro com entusiasmo. Alguns candidatos mandaram imprimir boletins com suas propostas que eram distribuídos depois das missas, no campo de futebol, durante o “footing” e no comércio.

A eleição de 1962 foi a última em que eleitores dos distritos de Florestal (3.764 habitantes), Igaratinga (3.283 habitantes) e São José da Varginha (2.621 habitantes), votaram em Pará de Minas. Os três distritos foram emancipados ainda em 1962 e tiveram interventores nomeados pelo governo estadual logo no início de 1963. Ao município de Pará de Minas restou um único distrito, o de Carioca, com 1.246 almas, conforme o censo de 1960.

Foi uma campanha eletrizante e plebiscitária. Os eleitores deviam votar no passado representado pelos candidatos sexagenários José Ferreira e Juca Marinho; ou no futuro encarnado pelos jovens José Porfírio e Walter Martins, mal entrados nos trinta anos. Os ventos da mudança trazidos pelos anos 1960 sopravam forte a favor das novidades também em Pará de Minas.

Quando o automóvel de aluguel (ninguém falava táxi) subiu o Morro do Neto, atual Rua João do Neto e adentrou a Rua Direita, com dois possantes alto-falantes no teto, tocando a muitos decibéis a música que liderava as paradas de sucesso naqueles dias “Leva eu, sodade”, cantada pelo grupo de Nilo Amaro e seus Cantores de Ébano, o povo descobriu que o candidato José Porfírio não estava para brincadeiras. As pessoas cantavam nas ruas o refrão preguento da canção, até um pouco melancólica, que diz:
“Ô leva eu,
Eu também quero ir,
Quando chego na ladeira,
Tenho medo de cair.
Leva eu
Minha sodade”.

Entre uma estrofe e outra o locutor Zico Melo Franco soltava a sua potente voz para anunciar o nome do candidato José Porfírio, o candidato amigo dos pobres, como estampavam os impressos da campanha.
José Porfírio descendia de famílias tradicionais, Melo e Oliveira, sem tradição política. Antes de ter seu próprio negócio foi por muitos anos caixeiro no armazém do senhor José Mendonça, que ficava no coração da cidade, bem na esquina da Rua Direita com Rua do Rosário. Como caixeiro José Porfírio atendia a clientela no balcão e cuidava das entregas em domicílio, que eram feita numa pequena carroça puxada por um burro. Circulava por toda a cidade fazendo entregas; sempre cortês e educado com a freguesia. Tinha o respeito e a admiração de todos os que o conheciam, pois foi um adolescente responsável e trabalhador. Não teve muito tempo para estudar, a exemplo de outros colegas que trabalhavam com ele no armazém. Mas sabia ler muito bem, embora mais tarde fosse se vangloriar de nunca ter lido um único livro, mas tinha ótima caligrafia e era muito esperto ao fazer contas. No início dos anos 1950 decidiu montar o próprio negócio, casou-se com a bonita morena Dagmar, filha do casal Tõezinho Pereira e dona Zalmira, que moravam na Praça da Independência, onde mais tarde o genro ajudou o sogro a montar o próprio armazém.
Durante o período chamado de “Anos JK” -1956/1960, o Brasil e os brasileiros foram tomados por uma onda que misturava euforia e otimismo, com a construção de Brasília, de rodovias, hidrelétricas, a conquista do campeonato mundial de futebol em 1958, foi mesmo uma fase de grande crescimento.José Porfírio soube aproveitar a onda e cresceu junto, em 1962 era considerado o principal comerciante atacadista da cidade, presidente do Paraense, o responsável pela profissionalização do clube que agora disputava com brilhantismo os campeonatos da Federação Mineira. Católico praticante, por muitas décadas participou da “Hora de Guarda dos homens” que ainda hoje é realizada uma vez por semana entre dez e onze horas da noite na Igreja-Matriz.
Pode-se dizer que José Porfírio “era o cara”, usando uma expressão famosa no início dos anos 2000. Ou então era “uma brasa, mora”, nas palavras do cantor Roberto Carlos, que começava naqueles anos 1960 a sua fulgurante carreira artística, que o trouxe até mesmo ao palco do Cinema Vitória.
José Porfírio não fazia comícios, já naquele tempo tinha horror a microfones, fobia que sempre o acompanhou e aumentou a partir de 1979 quando entrou no ar a primeira estação de rádio de Pará de Minas, a rádio Santa Cruz. Costumava evitar sempre que possível o astuto repórter Amilton Maciel, iniciante na carreira, já mostrando a argúcia nas perguntas e a língua ferina que fariam dele o grande repórter que se tornou nas décadas seguintes.
Em vez de comícios preferia visitar os eleitores em casa, como fazia nos tempos de caixeiro do sô Zé Mendonça.

Juca Marinho e José Ferreira eram as duas faces da mesma moeda. Juca foi prefeito entre 1951 a 1955; José Ferreira era o vice-prefeito em exercício. Mas não tinha o apoio do prefeito dr. Edward Moreira Xavier. O prefeito recusou-se a apoiar a candidatura de seu vice devido a um fato ocorrido no início do mandato, em 1959. Com as finanças da prefeitura em pandarecos, dr. Edward pediu socorro a um dos bancos com agência na cidade. Por se tratar de quantia elevada, alguns milhões de cruzeiros, moeda da época, o gerente do banco disse que aquele valor podia ser emprestado apenas se fosse avalizado pelo cidadão José Alves Ferreira de Oliveira, por acaso o vice-prefeito e um dos homens mais ricos da cidade. Dr. Edward muito animado procurou então seu vice, que de forma peremptória respondeu com um sonoro não. E que por favor o prefeito não insistisse no pedido. Dr. Edward, irado, procurou o advogado Álvaro de Abreu e Silva que prontamente assinou o “papagaio”, a nota promissória, que foi religiosamente paga no prazo.
José Ferreira tinha horror a dívidas. Na década de 1940 ele foi um forte criador de gado da raça zebu, que havia se transformado em excelente investimento. Inicialmente importado da India, um touro zebu, reprodutor, podia custar alguns milhões de cruzeiros. A desgraça dos criadores aconteceu por acaso (ou não), quando da visita do presidente Getúlio Vargas à exposição anual do zebu, em Uberaba. O dono de um touro, esplendoroso, campeão da raça, cujo nome era Ápis, igual ao deus egípcio, caiu na bobagem de perguntar a Getúlio quanto ele achava que valia aquela maravilha de quatro patas. Getúlio não se fez de rogado, olhou bem o bicho, soltou uma baforada do charuto e decretou: – vale o quanto pesar. Quatro palavras que acabaram com a farra do zebu no Brasil. Um boi avaliado em um milhão de cruzeiros, passou a custar algumas merrecas. Foi uma quebradeira geral. José Ferreira não quebrou, tinha muitos outros investimentos nas fábricas de tecidos, na Cerâmica Raquel e milhares de ações de outras empresas, porém nunca mais quis se arriscar, nem para avalizar a prefeitura gerida por um grande amigo.

Juca Marinho parecia ter obsessão pelo poder. Naquela fase pós redemocratização tinha sido interventor municipal durante alguns meses. Depois, em 1950, foi eleito prefeito por quatro anos e em 1958 concorreu contra Dr. Edward, sendo derrotado. Era a face udenista da moeda velha e gasta. José Ferreira gostava de política, era o vice-prefeito, queria ser prefeito não para levar vantagens pessoais, mas para imprimir um toque empresarial na municipalidade, até então administrada por um padre, um contabilista e um médico. talvez tivesse chegado a hora de um empreendedor, um industrial, deve ter pensado. Só que não. O povo via José Ferreira como a face pessedista daquela moeda embaçada pelo uso.

Nascido em Pará de Minas em 1930, aos dois anos de idade Walter Martins Ferreira mudou-se com a família para o lugar chamado “Marzagão” ou Marzagânia, pertencente ao município de Sabará, bem na divisa com Belo Horizonte. No lugar existia uma grande fábrica de tecidos que com frequência buscava em Pará de Minas mão de obra especializada – tecelões e fiandeiras, mecânicos e até aprendizes. Foi numa dessas investidas da fábrica sabarense que sô Augusto Martins Ferreira e dona Maria das Dores Ferreira se mudaram. Em Marzagão a família Martins Ferreira ficou por dezesseis anos, até 1948. Na volta, sô Augusto foi trabalhar por uns tempos na “fábrica escola”, como era conhecida então a cooperativa dos produtores de leite. Poucos meses depois, convidado pelo prefeito Padre José Viegas, sô Augusto foi admitido na prefeitura municipal, como bombeiro hidráulico-chefe do setor de águas.

Com 18 anos, Walter demorou um pouco mais para se empregar. Como não podia ficar atoa, foi trabalhar na construção da igreja de Nossa Senhora das Graças. Quando chegou, o desaterro da área estava começando. Walter bateu muito a picareta junto aos companheiros, no preparo do terreno onde a igreja foi erguida. Foi um trabalho árduo, a obra não era do município, mas a prefeitura ajudava como podia e permitia a legislação da época. O responsável pela obra, que garantia o pagamento dos trabalhadores, era o senhor José Odorico de Aguiar. Quando o dinheiro apurado nas quermesses não era suficiente para quitar a folha, José Odorico completava do seu próprio dinheiro. Além disso, foi ele quem doou todos os tijolos utilizados na obra, produzidos em sua olaria que ficava no bairro Azambeque.
Em 1949 aposentou-se um dos operários que trabalhavam no serviço de águas da prefeitura e Walter foi admitido para substitui-lo, tornado-se desde então servidor público, sob a orientação do pai. Na prefeitura Walter Martins trabalhou os trinta anos seguintes.
A partir da inauguração pelo prefeito Padre Viegas da primeira estação de tratamento de água (O filtro) da cidade em 1950, a capacidade de atendimento mais que dobrou. Walter Martins foi o encarregado da extensão das novas redes e das ligações domiciliares, as famosas “penas d’água”, que eram pagas anualmente pelos contribuintes. Se o adversário José Porfírio fez fama entregando as compras do fregueses do armazém onde trabalhava, Walter ficou sendo o homem da água, conhecido em toda a cidade. Em 1954 arriscou disputar uma cadeira na Câmara Municipal, pelo PTB, ficando na primeira suplência. Ocorreu que o candidato eleito, João Gualberto Teixeira, o Chiquito, ex-pracinha da FEB, foi convocado na condição de contabilista, para trabalhar no IAPI -Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Industriários, que depois seria parte integrante do que atualmente é o INSS. Para assumir o emprego federal Chiquito teve de renunciar, cedendo assim a cadeira do PTB a Walter Martins Ferreira, que exerceu todo o mandato. Em 1958 ele concorreu com sucesso a re-eleição, chegando em 1962 pronto para disputar a prefeitura, que agora conhecia como a palma de suas calejadas mãos. A exemplo de José Porfírio tinha também apenas o diploma do curso primário. Porém, ao contrário de Porfírio, lia bastante jornais e revistas e gostava de discutir política, getulista apaixonado que era.

Walter fez uma campanha muito pobre, até mesmo por que não tinha dinheiro. A prefeitura pagava pouco e atrasava o pagamento com frequência e o cargo de vereador não era remunerado, aliás, nem ajuda de custo existia naquele período. Enquanto José Ferreira e Juca Marinho fizeram alguns comícios na cidade e nos distritos; e José Porfírio gastava muito com propaganda impressa e carro de som, além de visitas a casas de amigos, Walter optou por caminhar, tendo visitado praticamente todas as residencias de Pará de Minas, façanha que ainda gosta de contar. Lembro-me dele chegando na casa de meus pais, um domingo de manhã, em plena campanha. Meu pai era amigo de sô Augusto e conhecia Walter muito bem. Politicamente tinham idéias parecidas e não foi difícil para ele garantir os votos de Dona Zinha, minha mãe, e de meu pai, José Negrito, ferreiro de profissão. Aliás, sô Augusto, pai de Walter também era ferreiro.
O candidato tinha outras manhas. Enquanto os outros três adversários iam até o interior das cinco fábricas de tecidos existentes na cidade, pedir o voto aos operários, Walter fazia diferente. Costumava subir numa escada e da janela, aos gritos, chamava os trabalhadores e dizia que tinha sido proibido pelos diretores de entrar no recinto, reclamava que era vítima da perseguição dos patrões. De cara ganhava a simpatia do operariado. Noutras ocasiões, dependendo do grau de religiosidade do eleitor, ele sacava do bolso interno do paletó uma pequena imagem de Nossa Senhora Aparecida, e dizia ao abordado que Nossa Senhora lhe daria a paga. Nunca em Pará de Minas candidato nenhum tinha usado desses métodos para pedir votos. Na verdade, ele nunca teve proibido o acesso ao interior das fábricas, mas tinha descoberto que posar de vítima rendia votos. Mesmo com José Porfírio se anunciando como candidato do povo, Walter rebatia dizendo que ele sim, era o candidato dos pobres, até porque era pobre, operário de salário mínimo, mulato e tinha apenas o diploma do grupo escolar.
Esse tipo de campanha sempre sensibilizou os brasileiros. Quarenta anos depois, em 2002, com o mesmo discurso, um operário nordestino, torneiro-mecânico, cujo único diploma também era o do grupo escolar, de origem mais humilde ainda que a de Walter, elegeu-se presidente da república, por um partido dos trabalhadores. Luiz Inácio Lula da Silva é o nome dele. Lula não subiu em escadas mas ficava nos portões da fábricas e nunca escondeu sua devoção a Nossa Senhora Aparecida.

José Porfírio tinha prosperado na vida, estava rico. José Ferreira era o mais próspero empresário da cidade, um capitão da indústria; e Juca Marinho tinha o peso da tradição familiar, um ex-prefeito com extensa folha de serviços prestados ao município. Walter soube explorar esta diferença social a seu favor, era um homem igual à maioria dos outros seus conterrâneos. E era do partido do presidente da república, o homem que oito anos antes, em 1954, como ministro do trabalho, decretou o aumento de 100% do salário mínimo. E com dois mandatos de vereador, tinha adquirido experiência política e usou todos os “handicaps” de que dispunha .

Finalmente chegou o dia das eleições. As sessões eleitorais funcionaram nas escolas Torquato de Almeida (o Grupo Velho) e no Governador Valadares (Grupo Novo). Nos distritos de Florestal, São José da Varginha e Igaratinga as urnas também ficaram nas respectivas escolas.
Com tranquilidade e sem alarde os eleitores foram às urnas. O eleitorado do município estava pela casa dos dez mil eleitores. Nada menos do que 7.278 votos foram considerados válidos.
Faziam parte da comarca eleitoral de Pará de Minas os municípios de Pequi e São Gonçalo do Pará, cujos votos eram apurados na sede da comarca. Todas as urnas eram levadas para o edifício do fórum, onde dezenas de fiscais, de todos os partidos, ficavam todo o tempo de olhos bem abertos naqueles sacos de lona que continham as cédulas.
A apuração começava na manhã de segunda-feira e costumava demorar até quatro dias. Primeiro apurava-se as eleições dos municípios vizinhos; só depois é que se abriam as urnas da sede da comarca. Na sacada do edifício do fórum, sobre a marquise, era colocado um grande quadro negro, emprestado do grupo escolar mais próximo e nele eram escritos os nomes dos candidatos a prefeito e um dos meirinhos a serviço do Juiz Eleitoral, a cada urna aberta e com a apuração concluída, ia até o quadro e escrevia os novos números à frente de cada nome. Na opinião de muitos candidatos a apuração dos votos costumava ser mais sofrida do que a campanha.

Walter Martins na condição de operário da prefeitura não pode acompanhar as apurações. Tinha muito trabalho a fazer e para complicar, a bomba que captava a água no ribeirão dos Paivas justamente naqueles dias havia dado um defeito de difícil solução, que exigiu a presença de Walter no local desde a segunda-feira. Quase no entardecer de quinta-feira, chega ao lugar o mecânico de automóveis Paulo Pereira da Fonseca, o Paulo do Faustino, amigo e cabo eleitoral de Walter, que foi logo dizendo: – olha Walter, é melhor você largar essa bomba aí e ir comigo para a cidade que você ganhou a eleição. Tem um povão danado lá praça da prefeitura esperando por você. A principio o bombeiro não acreditou naquilo, pensou que o amigo estivesse lá mais para consolá-lo pela derrota eventual. Mas diante da insistência de Paulo, deixou um auxiliar finalizando o serviço, entrou na minúscula cabine da camionete Forde 1929, que resfolegando subiu os contrafortes da velha estradinha e seguiu rumo ao Fórum.
Só então a ficha de Walter caiu, quando ele vislumbrou a grande multidão, que alertada pela buzina rouca da furreca correu em sua direção, arrancando-o de dentro da cabine, levando-o nos ombro até a escadaria do Fórum. De macacão e ainda sujo de graxa, o prefeito eleito foi cumprimentado pelo juiz Dr. Francisco Bernardo Filgueiras, pelos mesários e presidentes das mesas de apuração, pelos correligionário, pelo povo enfim.
Povo que não titubeou em carregá-lo novamente nos ombros, à frente de uma enorme multidão, que subiu a praça Delfim Moreira rumo a Rua Benedito Valadares. Parado na pequena rampa que dava acesso à Maternidade “Odete Valadares” este autor, arrepiado viu a multidão maltrapilha urrando de alegria atravessar a Rua Direita e subir a rua do Cruzeiro, rumo ao bairro Nossa Senhora das Graças, em direção a casa do prefeito eleito, uma humilde residência na rua Jafé Almeida, número 145, onde o candidato ainda vive em 2017.

As urnas apontaram a mudança radical na política de Pará de Minas, com a aposentadoria compulsória de antigos protagonistas, representantes de uma casta que se alternava no poder desde sempre. José Ferreira (PSD) terminou em quarto e último lugar com 1.208 votos; em terceiro ficou José Vicente Marinho, o Juca (UDN), que obteve 1.709 votos. José Porfírio (PSP) conquistou 1.859 sufrágios que lhe garantiram o honroso segundo lugar, mantendo acesa a chama da esperança para o pleito seguinte, em 1966. Walter Martins Ferreira (PTB), de certa forma uma surpresa, recebeu 2.502 votos, que fizeram dele o primeiro prefeito de Pará de Minas oriundo das camadas mais humildes da população. Um operário, mulato, com diploma de grupo escolar, que quebrou um tabu de mais de cem anos. Cento e três anos para sermos mais exatos, pois desde a sua emancipação político/administrativa em 1859 que Pará de Minas jamais teve um prefeito ou agente executivo saído de fato do seio, das entranhas de seu povo.

O comerciante de tecidos e armarinhos Raimundo “Dico” Mendonça (PSD) foi eleito vice-prefeito com 3.780 votos, derrotando o fazendeiro João Melo Franco (UDN), que teve 2.349 votos.

O Jornal Paraense só voltou a circular no dia 25 de dezembro, quase cinquenta dias depois das eleições. Na manchete da capa uma chamada para a noticia de que a a cidade tinha possibilidade de ser incluída na primeira faixa onde estavam aquelas comunas onde o salário mínimo era maior (efeito Walter, sem dúvida). E também uma foto dos tradicionais adversários governador Magalhães Pinto ao lado do senador Benedito Valadares, agora na mesma trincheira, tramando o fim do parlamentarismo, empenhados na campanha do plebiscito marcado para o dia 6 de janeiro, quando o povo ia dizer se preferia continuar continuar como estava ou se queria a volta ao sistema presidencialista.

Na página três, o diretor do jornal, Pedro Moreira, publicava uma entrevista com o prefeito eleito, que trouxe a manchete: “PREFEITO-OPERÁRIO QUER DAR NO BATENTE”. Na entrevista, Walter Martins conta sobre seu encontro com o presidente Jango no Rio de Janeiro, e da satisfação do presidente pela vitória do PTB em Pará de Minas. Perguntado pelo jornalista Walter respondeu que não pretendia fazer da prefeitura um trampolim para concorrer a deputado nas eleições seguintes. O novo prefeito criticou ainda os adesistas de última hora, que o combateram muito durante a campanha e que agora vinham lhe dar tapinhas nas costas, ” não gosto deste tipo de gente”, disse Walter. Sobre as despesas de sua campanha, o prefeito eleito garantiu que gastou no máximo oitenta mil cruzeiros, muito pouco, se comparado com os gastos dos outros candidatos. Disse que não comprou nenhum voto e que o dinheiro veio de muitos doadores, um pouco de cada um.

Confirmando a previsão do jornal, a Câmara Municipal teve grande renovação. Foram eleitos vereadores: o advogado Paulo Mendonça Ferreira (PSD – 623 votos); Bento José da Silva, o Tuquinho (PSD – 516 votos); Antonio Sousa (UDN – 308 votos); José -Zé do Nato- Moreira Duarte Primo (UDN – 304 votos); Rachid -Chaide- Saliba (PSD – 280 votos); Jésus Carvalho (PSD – 264 votos); José -Zezinho- Moreira xavier (PSD -206 votos); Edson Campolina Pontes (UDN -218 votos); Hugo Marinho (PSD – 204 votos); Ildeu -Deuzinho- Alves Ferreira (PSD – 208 votos); Júlio Assis (PTB – 206 votos); Nilo Lara (UDN – 185 votos); Acácio Fernandes (PTB – 168 votos).

Ninguém sabia, mas os dois primeiros colocados destas eleições, Walter e José Porfírio, tinham vindo para ficar. Se revezaram no poder nos vinte anos seguintes, disputando acirradamente os votos do eleitorado de Pará de Minas.

Benedito Valadares foi re-eleito senador na última eleição que disputou em sua vida. Aposentou-se em 1970, ao final do mandato. O velho soba patafufense morreu em 1973, ao 81 anos. Está enterrado em Pará de Minas.

Ovídio de Abreu foi re-eleito para um quinto mandato de deputado federal. Foi a última eleição que ele disputou. Morreu em 1990 aos 92 anos. está enterrado no Rio de Janeiro.

Wilson de Melo Guimarães e Odilon Rodrigues de Sousa não conseguiram a re-eleição para deputado estadual. Wilson Guimarães retornou ao magistério e à sua banca de advogado militante no foro de Pará de Minas. Odilon Rodrigues, depois da derrota ocupou vários cargos de relevância no governo estadual, ligados ao setor rural.
Ambos já faleceram.

ENTREVISTA: Walter Martins Ferreira

No dia 10 de fevereiro de 2007 o ex-prefeito Walter Martins concedeu ao autor deste livro a seguinte entrevista que segue publicada integralmente. Aos 77 anos de idade Walter esbanjava vitalidade além de continuar com ótima agilidade mental, lembrando-se muito bem de fatos ocorridos há cinquenta ou sessenta anos. A entrevista aconteceu na residencia de Walter, na rua Jafé Almeida, bairro de Nossa Senhora das Graças e durou mais cinco horas. Naquele dia, uma retro-escaveira da COPASA, estatal de serviços de saneamento, trabalhava na rua, na execução de reparos na rede de água, e o barulho em alguns momentos chegou a ser ensurdecedor. Mas fomos em frente. Uma segunda entrevista que nunca aconteceu foi cogitada, mas problemas de saúde de alguns parentes do ex-prefeito, sempre levaram ao seu adiamento. Na entrevista as iniciais LVD e WMF são do autor e do entrevistado.

LVD: Walter antes de nossa conversa, eu quero pedir que o senhor fale de suas origens.
WMF: Prezado Luiz, antes porém quero agradecer-lhe pela honrosa visita e do prazer que tenho em recebê-lo em minha casa. A minha origem é muito humilde. Eu nasci no dia 15 de abril de 1930. Meu pai e minha mãe são de Pará de Minas. Meu pai se chamava Augusto Martins Ferreira, ele nasceu em 27 de fevereiro de 1908 e faleceu em 1977, mas o dia e o mês não me recordo. Minha mãe, Maria das Dores Ferreira era filha de Francisco Pereira Diogo e de Rita Silvério de Lima. Meus avós paternos foram Francisco Martins Ferreira e Leonor Ferreira. Minha mãe faleceu em 1965, ao 66 anos. Meus avós também nasceram em Pará de Minas, o município era muito grande. Pode ser que hoje a região onde eles nasceram pertença a algum município desmembrado do Pará de Minas.

LVD: Quantos filhos tiveram sô Augusto e dona Maria das Dores:
WMF: O Raimundo (Martins Ferreira) que faleceu com 17 anos e mais a Bernadete, a Sandra, Lúcia, Maria, o Sidmar e o José.

LVD: O senhor tem um parentesco com o conhecido professor José Lino, floricultor, que lecionou na antiga EMAF (Escola Média de Agricultura de Florestal) ?
WMF: Tenho. Minha esposa, Maria Rita dos Santos Ferreira é irmã da esposa do José Lino.

LVD: Quais e quantos filhos o senhor e dona Maria tiveram?
WMF: Fernando, Ernando, Ernane e Geovane; Helaine, Eliane e Marilane.

LVD: Fale agora um pouco sobre seu pai, sô Augusto.
WMF: Meu pai era ferreiro de profissão, como seu próprio pai José Negrito e seu avô Juca David (pai e avô do autor). Meu pai foi um homem muito simples e humilde, e a profissão de ferreiro atualmente eu acho que nem existe mais. Ele fazia de tudo: colheres de ferro, ferragens de carros de boi e carroças, dobradiças, foices, essas coisas. Em pará de Minas naquele tempo quase não havia serviço para homens e as mulheres, quase todas iam trabalhar nas fábricas de tecidos. Com a falta de trabalho meu pai decidiu seguir para o lugar chamado Marzagão, que pertencia a Sabará, para trabalhar numa fábrica de tecidos que tinha lá, como encarregado. E por lá ficou por quase vinte anos, retornando só em 1948. Então ele foi trabalhar numa ferraria que tinha na Rua da Boa Vista (atualmente Rua Coronel Domingos) ali perto da Rua do Cruzeiro. Depois meu pai foi trabalhar de ferreiro no D.E.R. (Departamento de Estradas de Rodagem) onde ficou por lgum tempo. Só depois que ele foi trabalhar na prefeitura. Era o chefe do serviço de água e esgoto da cidade. Pouco depois eu também entrei na prefeitura como empregado, eu era novo ainda.

LVD: Mas e antes de o senhor ingressar na prefeitura?
WMF: Eu trabalhei no desaterro da área onde foi construída a igreja de Nossa Senhora das Graças. Era um trabalho pesado, todo o desaterro foi feito na base da picareta. Eu tinha 18 anos quando fui trabalhar lá. A cidade ainda era muito carente quanto ao trabalho para homens. O serviço era muito pouco na cidade.

LVD: Como foi a construção da igreja?
WMF: O padre José Viegas foi quem deu início à construção. Eu quero aproveitar para dar um depoimento sobre ele. Existem muitas pessoas que não falam dele, mas ele foi um dos grandes prefeitos de Pará de Minas. Foi ele quem idealizou o serviço de águas de Pará de Minas. Foi ele que construiu a primeira estrada para o povoado de Meireles, passando serra do Caracol. O primeiro carro a entrar no povoado de Meireles foi o do Padre Viegas, um fordinho. Padre Viegas construiu ainda o Asilo para meninas desamparadas, o prédio onde está (em 2017) a FAPAM. Deu início a Cidade Ozanan. Mas a principal obra dele foi mesmo o filtro. Esse mesmo filtro que fica atrás da igreja de Nossa Senhora das Graças A cidade não tinha água filtrada, as crianças principalmente estavam sempre doentes, muitas morriam, depois do filtro as coisas melhoraram. Eu acho que Padre Viegas é pouco lembrado pela quantidade de obras que fez, não havia maquinário, era tudo na base da picareta, do suor do trabalhador.

LVD: E a construção da igreja?
WMF: O encarregado da obra foi o construtor Job Viegas, que eu acho era parente do padre. O Job morava lá na Tabatinga. Eu lembro bem de quando ele caiu do andaime. Foi um trauma para todos que trabalhavam lá. O tombo foi coisa séria, mas o Job acabou por se recuperar e com a ajuda de Deus voltou e terminou a construção da igreja.

LVD: Foi grande a participação do povo na construção da igreja?
WMF: Não houve essa coisa de mutirão não. Tinha o pedreiro, os serventes. O povo fazia umas barraquinhas lá embaixo, na rua capitão João da Cruz, construídas de sapé e organizava as festas para arrecadar dinheiro para a construção não parar. As barraquinhas eram muito animadas e o povo participava mesmo, contribuindo bastante. Era grande a boa vontade de todos, principalmente do senhor José Odorico de Aguiar.

LVD: Eu ia mesmo perguntar sobre José Odorico, que é pouco lembrado. Ele foi mesmo um baluarte?
WMF: Foi sim. José Odorico foi um grande homem, um realizador. Naquele tempo Luiz, as coisas eram muito difíceis e pessoas apenas remediadas eram consideradas ricas. Essas pessoas, principalmente o José Odorico, que custearam a construção da igreja desde o desaterro. Mas o José Odorico foi quem custeou o grande e belo galpão perto da igreja, onde as barraquinhas passaram a ser realizadas. Ele bancou aquilo tudo , sozinho. O José Odorico tinha um armazém tocado pelo irmão dele, o Alcindo Aguiar, vendia fiado prá todo mundo. E era dono da olaria que ficava no Azambeque que produziu todos os tijolos usados na construção da igreja, tudo doado pelo Zé Odorico. Ele nunca deixou a construção parar por falta de material.

LVD: E quem pagava os trabalhadores?
WMF: Eu tenho a impressão que teve muito dinheiro do José Odorico ali, pois foi uma construção muito rápida, numa época de poucos recursos e nem sempre o que as barraquinhas arrecadavam era suficiente.

LVD: José Odorico também é pouco lembrado, parece que as novas gerações se esqueceram dele. O senhor não acha que esse esquecimento se deu por conta da política?

WMF: José Odorico sempre foi independente e eu tive a felicidade de contar com apoio político dele, pois tínhamos o mesmo pensamento de moralizar a coisa pública. Ele não apoiava coisas erradas, nem dizia que alguém tivesse roubado qualquer coisa. Ele só acreditava que a prefeitura era de todos e não pertencia a nenhum partido. Odorico defendia que passada a eleição as disputas tinham de ser encerradas.

LVD: O senhor se lembra qual era o partido dele?
WMF: Ele era da UDN.

LVD: Talvez por isso sua memória não é tão reverenciada como merece, numa cidade onde o PSD sempre foi mais forte…
WMF: Pode ser que sim. O PSD sempre mandou e desmandou no Pará de Minas. O dr. Benedito Valadares principalmente.

LVD: O senhor se lembra de algum episódio onde Valadares tenha imposto sua vontade?
WMF: Eu não estava lá, pois não passava de um operário da prefeitura. Mas em em 1954 os comentários foram de que houve uma reunião do PSD e as pessoas decidiram indicar o João Lage como candidato a prefeito. João Lage era sobrinho do dr. Benedito e filho do dr. José Lage e de dona Elvira Valadares. Nisto o ex-governador chegou e disse: -eu já escolhi o candidato que é o Osvaldo. Justamente um irmão mais novo do João. Aliás o João era mais conhecido da população, andava daqui prá ali, não parava, era muito popular. Dr. Osvaldo era bem mais novo, gerente da Caixa Econômica Federal, mas menos conhecido. Acabou candidato por que o tio impôs o nome dele. E o José Odorico que não era candidato a nada penava muito com esse povo do PSD.

LVD: Walter continua falando.
WMF: Eu me lembro bem de quando entrei para a prefeitura com operário. Eu tinha ordem dos chefes para ir praticamente de 15 em 15 dias na casa do Valadares, na Chácara Santa Edwirges, ali na avenida Presidente Vargas, para conferir as instalações hidráulicas. Aí, quando eu fui eleito, recebi um recado através do Cinato Eleutério, que era o zelador da chácara, para eu ir até Belo Horizonte, porque Dr. Benedito queria me conhecer. Fiquei meio enfezado e pensei, caramba, o homem já me conhece, eu não vou lá não. Mas não disse nada ao Cinato. Eu era o o prefeito eleito, o dia que ele quiser falar alguma coisa sobre o Pará de Minas, então eu vou. Passou uns tempos, volta o Cinato dizendo:- olha Walter, o senador quer que você vá até a chácara, ele quer a sua presença lá. Como ele estava no Pará, então eu fui.

LVD: O senador tinha boas noticias?
WMF: Naquela época o carro de maior sucesso era o fusquinha, que a Wolkswagen fabricava no Brasil e os irmãos advogados Paulo e Pedro Mendonça Ferreira tinham comprado dois. O de dr. Pedro era cinza claro e o bege era do dr. Paulo. Aí os dois irmãos chegaram perguntando “você vai lá no Benedito”? Tô pensando, respondi. Aí o dr. Pedro que era o Procurador da prefeitura disse: -se você for eu vou com você. Mas eu não pego na mão do dr. Benedito não, de jeito nenhum. Mas porquê Pedro? perguntei. Dr. Pedro então disse: – ah, chega lá o senador está deitado na rede coçando o saco, com a mão por dentro do pijama. Não pego na mão dele de jeito nenhum. Então eu disse, se você não vai pegar eu também não vou. Aí chegamos na chácara e o senador estava usando um pijama de seda, e o dr. Paulo todo pressuroso ôôô senador, que prazer e pegou na mão dele. Dr. Pedro chegou e de longe cumprimentou Valadares, Ó senador! E ficou longe sem oferecer a mão. Quando chegou a minha vez eu falei mas senador, o senhor já conversou comigo aqui mesmo outras vezes, quando eu vinha consertar alguma torneira, desentupir algum vaso, e os senhor sempre dando as dicas de como queria o serviço, e eu não peguei na mão dele.

LVD: Voltando ao seu ingresso na prefeitura como operário Walter…
WMF: Pois então, um funcionário de apelido Ziquinha se aposentou e eu ocupei a vaga deixada por ele. O filtro já estava pronto e eu fiquei encarregado da ampliação da rede e de ligar as penas d’água.

LVD: O senhor deve conhecer a rede de água da região central da cidade…
WMF: Conheço ela toda. Tinha uma parte na Rua Direita, quase em frente a Maternidade, na frente da loja “Casa de Amostras”, do Juca Duarte, ali a água pluvial que desce do bairro Nossa Senhora das Graças sempre voltava. Até hoje ninguém deu conta de resolver. Aquela água tinha de correr até a Praça da Estação, mas ela é estancada ali, pois o coronel Torquato construiu a mansão dele bem na rota da água que foi desviada para a rede da Rua Direita que não comporta o volume. A solução ali é fazer uma rede nova galeria muito maior. A galeria antiga foi feita de lajotas de pedra e com interceptação é preciso fazer outra galeria.

LVD: Como era esse negócio de “pena d’água?
WMF: Era a taxa cobrada anualmente pela prefeitura pelo fornecimento da água. Sempre foi cobrada uma taxa praticamente simbólica e nem todos pagavam. Não havia limite para o consumo e água sempre foi um problema em Pará de Minas. Nos períodos de seca os mananciais praticamente secam. Não é coisa de hoje.

LVD: Como foi o começo de seu mandato?
WMF: Quando eu assumi a prefeitura a folha de pagamento estava com um atraso de nove meses. Se me lembro bem, a prefeitura tinha uns cento e dez a cento e vinte servidores. Eram os funcionários do prédio, as professoras, os trabalhadores braçais que agrupados em três turmas. Tinha os trabalhadores do matadouro municipal. A prefeitura algumas vezes não tinha dinheiro para comprar um quilo de pão. estou dizendo isto para você porque é a verdade. O comércio não vendia fiado para a prefeitura. Vendia para mim, a pessoa do Walter, mas para a prefeitura não.
No começo eu só encontrei problemas, a prefeitura não tinha quase que nenhuma receita própria. mas eu não desanimei nem por um momento. Eu tinha compromisso com o povo, que é o dono da prefeitura e não queria desapontar ninguém. Como eu não persegui ninguém, tive o apoio popular de que precisava. Meu secretário por exemplo era o Geraldo Marinho, parente do ex-prefeito Juca Marinho. Por causa do parentesco ele não queria aceitar o cargo, mas eu o convenci. O Mário Leite também não era do PTB, era ligado a outro partido, mas continuou comigo.

LVD? Como foi a sua filiação ao PTB?
WMF: Eu sempre fui admirador do presidente Getúlio Vargas, fundador do PTB. Fui convidado a entrar no partido pelo senhor José Maria Guimarães, presidente do diretório em Pará de Minas. Ele foi o pai do Dedé Guimarães, do engenheiro e professor Waterlô, do Álvaro e do Benedito. O senhor José Maria convidou meu pai para se filiar ao PTB e eu fui junto. Nesse tempo eu já estava trabalhando de bombeiro na prefeitura. Muita gente pensa que eu trabalhava com a caneta, preenchendo formulários, mas não, eu trabalhava com a picareta mesmo, cavando chão para passar a rede, os canos, para ligar a água nas casas. Levava também várias chaves de cano e outras ferramentas. Ficava daqui para ali, para acolá, de forma que eu já estava bem conhecido. Quando o José Maria me convidou para ser candidato a vereador eu assustei e respondi ah o que é isso? quem sou eu? Mas o senhor Zé mMria me convenceu e eu aceitei ser candidato a vereador em 1954.

LVD; Veio a eleição e o senhor ficou na suplência?
WMF: Pois é. Eu e o Chiquito (João Gualberto Teixeira) disputamos pelo PTB. O Chiquito era contador e muito famoso na cidade, pois tinha lutado na guerra, pela FEB. Só sei que ele teve muitos mais votos do que eu. Então ele foi chamado para trabalhar no IAPI e abriu a vaga para mim, que era o suplente dele. Em 1958 eu fui re-eleito.

LVD: Como foi a sua campanha para prefeito em 1962?
WMF: Foi uma campanha miserável. Eu não tinha dinheiro, vivia do meu salário na prefeitura. Só dei conta de mandar fazer as cédulas por que alguns amigos me ajudaram. Mas os outros candidatos gastaram muito dinheiro. O Juca mandou patrolar estradas, o José Ferreira ofereceu churrasco. E eu ali no meio, a única coisa que eu podia fazer era pedir voto.

LVD: A Igreja teve alguma influência no resultado da eleição?
WMF: Não, acho que não. Padre Grevy e Padre Hugo não se envolveram. E olha que o padre Grevy era cunhado do Zé Ferreira. Os padres do Patronato também não apareceram.

LVD: Qual foi a reação dos eternos donos do poder à sua posse em 31 de janeiro de 1963?
WMF: Não houve reação, pelo menos abertamente. Sabe porquê? Eles perceberam que eu ia fazer um governo do povo para o povo. Aliás, esse foi o conselho de meu vice, Dico Mendonça, a quem sempre fui agradecido por ter ajudado muito a minha administração.

LVD: Qual foi a sua primeira atitude como prefeito?
WMF: No dia seguinte ao da posse, bem cedo, reuni com os os funcionários no pátio da prefeitura e pedi o apoio de todos pois no começo eu sabia que ia ser difícil. Eu devo ter tido uns 90% dos votos do povo da prefeitura. Então eu disse que minha primeira preocupação era acertar o pagamento atrasado de nove meses. Disse ainda que a partir daquele dia nenhum servidor ia ganhar menos do que um salário mínimo. A maioria ganhava meio salário, três quartos de salário, isto porque as prefeituras não eram obrigadas a pagar o salário mínimo. Meu secretário Geraldo Marinho quase caiu no chão de susto: -Walter você ficou doido? a prefeitura não dá conta de pagar nem meio salário e você promete pagar o salário mínimo? Acalmei o Geraldo e disse que para tudo existe uma saída.

LVD: Qual foi a solução encontrada?
WMF: Acho que logo depois do carnaval eu peguei um ônibus em Belo Horizonte e fui a Brasilia tentar uma audiência com o presidente João Goulart, que era do meu partido e pedir uma ajuda. Tinha um rapaz de Pitangui que era oficial de gabinete do presidente, quando falei com ele a razão de minha visita, ele deu uma bronca danada em mim. Disse que não era assim que funcionava, que precisava marcar audiência antes, essas coisas. Mas disse que ia ver o que dava para fazer. O fato é que eu tinha certa fama em Brasilia por ter derrotado nas eleições de Pará de Minas os grupos políticos do governador Magalhães Pinto e do senador Benedito Valadares. Já era noite quando o presidente me recebeu e fez uma festa danada. Chegou a se levantar da cadeira para me abraçar e eu notei que ele era manco. Muitas pessoas até falavam que tinha uma perna mecânica, mas isto não era verdade. Perguntou como tinha ocorrido o pleito e disse que estava muito feliz com a minha vitória e mencionou o fato de um trabalhador braçal ter derrotados os dois políticos mais fortes de Minas. Jango achava que a situação da cidade era boa e disse: – Não deve faltar nada na sua cidade né prefeito? Com a força do senador Valadares por lá deve estar tudo bem. Eu respondi que não era bem assim, pelo contrário, estava faltando quase tudo. Então o presidente me acalmou quando disse que ia mandar liberar uma verba a fundo perdido para a prefeitura. Que eu voltasse e aguardasse o socorro financeiro chegar. Então eu peguei o ônibus de volta.

LVD: Mas o socorro veio ou não?
WMF: Veio. Demorou pouco mais de um mês, mas chegou. Certo dia o gerente do Banco do Brasil, de nome Juarez, me telefonou pedindo que fosse com urgência até a agência do banco. Fiquei pensando que devia ser alguma noticia ruim. Chegando lá encontrei o gerente esbaforido: -olha Walter chegou uma verba a fundo perdido para a prefeitura, mas é muito dinheiro, o que você quer que eu faça? Respondi ao Juarez que deixasse o dinheiro quietinho por enquanto, enquanto eu reunia com a minha equipe. Voltei para a prefeitura e mandei o Geraldo Marinho providenciar os cálculos de toda a dívida da prefeitura com pessoal e fornecedores. O trabalho era todo manual. Mas no final da tarde eu tinha os valores em mãos. O dinheiro que tinha chegado deu para quitar os nove meses de atraso da gestão anterior e os dois meses do meu mandato já com o aumento. Ainda paguei todos os fornecedores da prefeitura, dando um grande alívio aos comerciantes. E fui o primeiro prefeito do Brasil a instituir o pagamento do 13º salário para o funcionalismo a partir daquele ano. No mesmo ano foi instituído o pagamento de quinquênio aos servidores. E ainda sobrou um bom dinheiro na conta da prefeitura, que me permitiu realizar algumas obras. Praticamente foi concluido o calçamento das ruas do bairro Nossa Senhora das Graças. Pude levar o calçamento da Praça da Gruta que foi toda urbanizada até a fábrica do Sítio. Mandei calçar a rua Porcúncula e a rua João Neto até a Rua Araxá. O otimismo tomou conta da cidade e da administração. Eu acho que fui muito feliz no meu primeiro mandato.

LVD: Como era a sua relação com o governador do Estado, que afinal de contas era da UDN?
WMF: Foi muito boa. Tinha lá no governo o professor Antonio Augusto Melo Cançado, nosso conterrâneo e homem da maior confiança do governador Magalhães Pinto. Tinha o Odilon Rodrigues de Souza, que vivia me dizendo para não ir ao Palácio sem falar com ele. É que ele era a principal liderança da UDN em Pará de Minas e se sentia desprestigiado. Mas o próprio governador certa vez me falou: -olha prefeito, quando você precisar falar comigo, não precisa procurar nenhum deputado, nem mesmo o Odilon. Quem sabe dos problemas do município é o prefeito; deputado gosta é de atravessar as conversas, e a função deles é fazer leis para o Estado. Então, quando eu precisava de alguma coisa eu ia direto ao Palácio, ficava esperando na porta do gabinete e sempre fui bem atendido por todos lá.

LVD: Vamos falar então dos graves problemas de Pará de Minas, da falta de energia elétrica por exemplo.
WMF: Foi terrível. Foram anos de poucas chuvas e a concessionária do serviço de eletricidade era a Companhia Industrial Paraense. A cidade estava crescendo, recebendo mais indústrias, mas a Companhia não dava conta de atender a demanda. Teve época de a energia precisar ser desligada entre meio dia e cinco horas da tarde, para dar um tempo da represa do Carioca ainda com pouco tempo de uso, enchesse um pouco o reservatório, para que as fábricas funcionassem até as dez horas da noite. Então eu fui atrás do governador.

LVD: O que ele disse?
WMF: Magalhães disse assim: -vou mandar o doutor Leopoldo Mesquita diretor da CEMIG ir lá no Pará para solucionar o problema. E ele veio mesmo, dois dias depois. E não veio sozinho; toda a cúpula da CEMIG veio com ele. Eu tinha ligado para algumas pessoas e a noticia espalhou. Quando a comitiva chegou a antiga Câmara Municipal que funcionava no mesmo prédio da prefeitura estava lotada de pessoas. Mesmo com a falta de energia frequente, ainda tinha gentes que eram contra a CEMIG, cuja linha mestra passava já perto de Itaúna, a uns trinta quilômetros de Pará de Minas. Um dos contrários à CEMIG alegou que a energia da CEMIG era muito cara. Nesta hora o diretor da empresa de nome Paulo ou Mauro, não me lembro bem, respondeu: – de fato a CEMIG não pode cobrar o preço que a prefeitura cobra. A luz da CEMIG é cara mas é clara. Só então as pessoas perceberam que se quisessem ter o conforto da eletricidade teriam de pagar por ele. O problema é que a prefeitura não tinha dinheiro suficiente para bancar as despesas sozinha, o Estado não tinha previsão orçamentária para tal investimento. O dinheiro tinha de vir do povo. Neste ponto começamos a telefonar para as pessoas e muitos atenderam na hora. Uma dessas pessoas foi o senhor José Melo Franco, o coronel Zezé do Julinho, que anunciou um aporte de quinhentos mil cruzeiros, que era uma quantia muito grande. Em seguida veio a Fábrica do Sitio – Companhia Fiação e Tecelagem Pará de Minas e capitalizou outra grande quantia. Mas ainda faltava vinte milhões de cruzeiros. Então o governador mandou o Banco Mineiro da Produção financiar o restante que seria pago pelos operários, em suaves e longas parcelas mensais. Eu acho que não ficou nem uma família sequer fora do programa financiado pelo banco, que depois mudou o nome para BEMGE e agora não existe mais. Fazendeiros, comerciantes, pequenos empresários industriais, operários. Foi um momento muito bonito de nossa história, quando a união de todos resolveu o grave problema.

LVD: Mas quase que aconteceu uma tragédia.
WMF: É verdade. Então foi construída a rede a partir de Itaúna, mas na cidade ainda usava a rede antiga da Companhia Industrial. Quando deu uma chuvinha, a rede não aguentou e o transformador desligou. Era a noite de “reveillon” e a cidade ficou no escuro. Muita gente correu para ajudar a resolver o problema: o Onofre Junqueira, Divino Guimarães, o Tuquinho, o Hugo Marinho. Quando eu vi que não íamos conseguir sem ajuda, chamei o vereador Edson Campolina e seguimos para Itaúna, passando por aquela estradinha de terra que sai lá em Azurita. Fomos atrás do diretor da Cemig na região, dr. Pinheiro. Eu disse a ele o senhor dá um jeito que o Pará está ás escuras. Onze horas da noite. Então ele chamou um eletricista que tinha se casado e estava de saída para a lua de mel, era o principal eletricista. Pois ele adiou a viagem e viemos todos para cá: dr. Pinheiros e mais umas três pessoas, com aqueles holofotes, aí como por milagre a luz foi restabelecida. Vou te contar,viu? Que luta, que aperto. Mas no fim o pessoal que pagou pela extensão da rede, o Estado colocou os postes e a CEMIG explicou que como havia sido feita a reavaliação do patrimônio, todos que contribuíram foram contemplados. Quem tinha pago dois mil, acabou recebendo três mil de volta.

LVD: 1964 chegou e com ele o golpe militar, quando seu amigo governador ajudou a derrubar o presidente seu correligionário. Como o senhor ficou nessa saia justa?
WMF: O Geraldo de Sousa que era da UDN e tinha sido vice-prefeito no mandato do dr. Osvaldo Lage, me abordou na porta da prefeitura e me perguntou com arrogância: – E agora prefeito? E agora? Eu respondi com calma: Geraldo, eu sou homem bastante para resolver meus problemas. Quem cuida lá de cima são os lá de cima. Eu vou cuidar da minha cidade. E baixei um decreto que proibia a saída de qualquer gênero alimentício da cidade. Entrar podia. sair não.
Eu queria evitar que faltasse comida para nosso povo se as coisas se agravassem.

LVD: Mas sendo o senhor do PTB, o partido presidente deposto, ninguém pediu a sua cabeça ao comando da revolução em Minas?
WMF: O Odilon Rodrigues pediu, mas não conseguiu. Eu não era, nunca fui comunista. Eu era trabalhista.

LVD: E na Câmara Municipal?
WMF: Os vereadores não se manifestaram, ficaram quietinhos na toca. Só o Acácio Fernandes fez um pronunciamento contra a revolução. Ele era do PTB. Teve alguns problemas mas não foi cassado.

LVD: O governador Magalhães Pinto perseguiu o senhor depois disto?
WMF: Não. De jeito nenhum. Mas a Presidente do Sindicato Têxtil, Expedita de Sousa, e a secretária Umbelina Melo, a Guiguinha, tiveram problemas. Aconteceu que elas pegaram o automóvel de aluguel do Bira Campos, para irem a Divinópolis conversar com o Bispo da diocese, Dom Cristiano Portela. Então alguns fofoqueiros começaram a dizer que elas estavam fugindo, mas era mentira. O Delegado de Polícia até que queria prender as duas moças, mas eu entrei no meio da questão e fui logo dizendo: doutor solte as moças que elas são inocentes. Se o senhor quer prender alguém prenda a mim , que sou prefeito e fiquei repetindo prende a mim, prende a mim. Aí o Delegado respondeu: -deixa de ser bobo Walter. esse negócio de fechar a saída cidade, você não sabe a repercussão que deu lá em cima. Você é um homem inteligente, um prefeito inteligente… Eles queriam mesmo prender a Guiguinha e a Expedita, mas não conseguiram.

LVD: Seu decreto funcionou mesmo então?
WMF: Claro que funcionou e deu certo. alguns comerciantes começaram a esconder mercadorias até debaixo da cama. mas tinha uma turma que fiscalizava tudo: o José Moreira, o Gastão Machado. No início eles ficaram contra, mas depois mudaram de opinião. Viram que eu não estava brincando.

LVD: Depois você continuou em paz com Magalhães Pinto?
WMF: Fui amigo dele até ele morrer.

LVD: Em 1965 a situação dos municípios começou a melhorar com a implantação do ICM – Imposto de Circulação de Mercadorias, depois ICMS…
WMF: Eu só aproveitei um pouco do ICM, no final do meu último ano de mandato. Mas que o ICM ajudou demais os municípios isto ajudou, e muito. Atualmente a prefeitura de Pará de Minas arrecada dinheiro demais, sô. É muito dinheiro. No meu primeiro mandato não tinha nada, mas mesmo assim eu consegui fazer muita coisa.

LVD: E os políticos da cidade. dr. Ovídio, o senador Valadares, não te ajudaram?
WMF: Eu procurei o Ovídio de Abreu, ele na maior boa vontade me disse: – vamos resolver esses problemas. E conseguiu recursos da União para que algumas obras fossem realizadas. Então nós fizemos as escolas de Sobrado, Catumba, Paivas, Caetano Preto, Penhas, Brás Correia, Limas, Aparição… E mandei um projeto de lei para a Câmara criando a “Rede Escolar Ovídio de Abreu” , que foi aprovado. O deputado Ovídio de Abreu ficou muito feliz com a homenagem.

LVD: E o Senador?
WMF: Valadares nunca se omitiu diante dos problemas da cidade. Ele colocou lá no orçamento da União, 160 milhões de cruzeiros para serem investidos na rede elétrica. Eu estou falando a verdade, não tenho motivo para omitir nada. O que eu achava curioso era a boa vontade que todos tinham comigo. “Vamos ajudar o Walter” diziam eles. Não ajudaram mais por que o Estado também até quera bem pobrezinho. Não tinha tanto dinheiro como hoje.

LVD: Agora vamos falar sobre a Ponte Grande, a obra que marcou a sua administração.
WMF: Em todas as eleições a Ponte Grande era a obra mais prometida pelos candidatos. O povo nem acreditava mais que um dia ela seria construída. E ficava aquela coisa feia e torta, atravancando a belíssima Avenida Presidente Vargas com suas duas pistas. Então nós formamos uma comissão de vereadores e a fomos Belo Horizonte pedir recursos para fazermos a ponte nova. Até o dr. Milton Campolina, dentista e irmão do vereador Edson Campolina foi junto. Ele era muito chegado no dr. Lúcio Sousa Cruz, que era de Esmeraldas e um dos mais influentes secretários do governador. Dr. Lúcio foi chamado então para uma reunião no Palácio e foi logo dizendo: – olha eu não tenho recursos para uma ponte, vai ficar do mesmo jeito. Vamos fazer o seguinte, a prefeitura entra com o cimento, a brita, a areia, o cimento e o ferro. Estava lá um engenheiro de nome Dr. Coutinho, que perguntou, como é lá, é um rio ou um ribeirão? Aí eu respondi: doutor, é um córrego o Paciência, mas quando ele perde a paciência…
Então Dr. Lúcio Sousa Cruz autorizou a construção da ponte. Mas o dr. Odilon quis fazer politicagem, por que o cheque era nominal a mim, o prefeito, e ele quis atravessar.

LVD: Qual foi o valor do cheque?
WMF: A ponte ia custar 500 mil cruzeiros na época, e o cheque era de 500 mil. Ficamos lá o dia inteiro para pegar o cheque, e o Odilon falando que ele é que tinha autorizado a liberação.O Odilon era muito entrão. A turma da UDN até quis fazer uma entrega simbólica do cheque mas eu não estava lá. Aí entregaram o cheque para o Dr. Ives Soares da Cunha, que ia construir a ponte. Então a primeira ponte foi construída. Como a prefeitura tinha entrado com a maior parte do material, sobrou dinheiro para ser feita a segunda ponte. Acontece que na rua Raimundo Menezes tinha uma pinguela centenária, muito perigosa. Eu fui a Belo Horizonte e disse ao Dr. Lúcio que era preciso fazer uma ponte no lugar da pinguela; Ele então conseguiu a ferragem e a mão de obra; a prefeitura conseguiu o restante do material e conseguimos construir a ponte da Rua Raimundo Menezes. No final das contas, era para ser construída uma ponte e nós fizemos três. Foi uma obra conjunta da prefeitura com o governo do Estado, é preciso deixar isto bem esclarecido. Eu jamais ia consentir que se fizesse uma única ponte no lugar da velha Ponte Grande, não ia adiantar nada.

LVD: Na inauguração da Ponte Grande, duas pontes, os udenistas tentaram ficar com os méritos só para eles?
WMF: Tentaram, mas o próprio governador não permitiu. Ele sabia que a participação da prefeitura tinha sido fundamental. Magalhães também não ligava muito para essas intrigas políticas não. Ele não fazia distinção partidária. Eu tinha regalias no Palácio da Liberdade, era muito bem recebido e consegui muitas benfeitorias para nossa cidade. Mas no caso da Ponte Grande todo mundo queria ser o pai da criança. Muita gente ajudou: Dr. Paulo Mendonça que era o Presidente da Câmara, o promotor Dr. Ataliba Trindade Pinheiro, o já citado Dr. Milton Campolina, dr. Rômulo Coutinho, Delegado de Polícia. Muita gente ajudou. Os vereadores todos.

LVD: Qual outra obra que marcou o seu primeiro mandato?
WMF: AH! A demolição, o desmanche do cemitério velho que ficava no centro da cidade,na Praça Galba Veloso. Foi dificil desmanchar aqueles muros centenários de pedra, com mais e um metro de largura e altura de dois metros. E o cemitério ficava acima do nível das ruas. A prefeitura tinha só um tratorzinho e um caminhãozinho para fazer todo o serviço. A terra e as pedras foram usadas no encabeçamento das duas pontes da avenida Presidente Vargas. Os restos mortais, ossos, enterrados no cemitério velho tinham sido todos levados pra o Cemitério de Santo Antonio. O cemitério velho estava desativado desde 1942 e todos os prefeitos prometiam desmanchar ele, mas não conseguiram. Eu consegui. Depois no lugar onde ele ficava foi construída uma creche. Só quem conheceu o cemitério velho sabe como foi importante a sua demolição. As pessoas hoje em dia nem acreditam que ali já existiu um cemitério.

LVD: O estádio do Rio Branco também teve a participação da prefeitura na sua construção?
WMF Sim. Aquilo lá, aquele lugar era o lixão da cidade. Era um imenso buracão. A diretoria do Rio Branco comprou o terreno do Toniquinho, mas não tinha nem por onde começar a terraplenagem, foi o tratorzinho da prefeitura que começou o serviço. Depois virou o belo estádio que agora tem o nome do Edson Campolina, o que é muito justo, pois o Edson lutou demais para construir o campo. Todos lutaram, mas o Edson sempre tomou a frente de tudo.

Neste ponto a entrevista foi encerrada, depois de mais de cinco horas de gravação e de conversas. Ficamos de marcar outra, para falarmos do segundo mandato, mas esta outra entrevista ficou apenas na intenção.

Em 2009 o filho de Walter, Fernando Martins Ferreira, escreveu e lançou o livro “Tributo Ao Walteranismo Oculto”, um documento histórico que aborda as duas passagens do pai pela prefeitura, como prefeito. Na obra, Walter Martins deixa uma emocionada mensagem de agradecimento a todos os seus colaboradores. Confiram:

“Olha meu filho, ser eleito prefeito e ver realizado o sonho dos trabalhadores foi maravilhoso, mas a missão era desafiadora, pois além de não poder decepcionar os colegas, teria que provar a todos que não acreditavam que um operário tivesse a capacidade de administrar a terra do Senador Benedito Valadares e do deputado Ovídio de Abreu.
Teria que fazer uma administração atuante, consciente, audaciosa e acima de tudo honesta, para que o operário não se envergonhasse do colega a quem tinham confiado o destino desta terra.
A prefeitura não dispunha de recursos financeiros, procurei me cercar de colaboradores jovens, competentes e honestos, independentemente de partidos. Pará de Minas estava acima disto.

Fizeram parte de meu time: Daniel de Oliveira Barbosa, Geraldo Marinho, Mário de Oliveira Leite, Antonio Felipe Neto, Afonsina Pereira dos Santos, Geraldo Magela Duarte, Dr. Pedro Mendonça, que era servidor do Estado, mas foi cedido para ocupar a assessoria Jurídica do município. Diga-se de passagem, que sem ônus para a prefeitura, pois dr. Pedro recebia apenas seu salário do Estado, jamais recebeu qualquer coisa da prefeitura. Outros prestaram relevantes serviços à cidade. Como esquecer Maria Almeida, Décio Eustáquio Felipe, do Luiz Marinho que chefiou o almoxarifado; da Maria Guilhermina Duarte, Leonor Machado, Raimundo Marciano de Araújo, José “Jovito” Duarte Mendonça, Antonio Perpétuo Batista, Antonio dos Santos, Maria Mendes Viegas, José Eustáquio Moreira e Maria Eni de Abreu.
Outros, em todas as áreas, formaram na verdade um time coeso que só pensava no progresso de Pará de Minas. Com esse espírito, conseguimos realizar uma administração exemplar”
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Luiz David

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