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UMA BELA CRÔNICA DE GERALDO MAGELA DE FARIA SOBRE O PARÁ ANTIGO (mas nem tanto)

Uma ótima crônica de Geraldo Magela de Faria sobre o Pará Antigo (mas nem tanto)

A BARBEARIA DE MEU PAI

Geraldo Magela de Faria

Naquela época, idos de 1940/50, havia três prédios amarelos e imponentes em Pará de Minas. O Ginásio São Francisco, onde tive a honra de estudar. A Escola Técnica de Comércio, que cedeu durante algum tempo um de seus cômodos para funcionar como rodoviária. E o terceiro era a Santa Casa de Misericórdia, situada no meio da Rua Direita. EUma ótima crônica de Geraldo Magela de Faria sobre o Pará Antigo (mas nem tanto)ra em frente desse hospital que ficava a barbearia.
Um escritor, ainda pouco atuante como eu, gosta de ficção. Totalmente, ou entremeada com a realidade, ou ainda se colocando em uma situação que existiu, mas não foi vivida. É nesse último caso que tento enquadrar esta crônica. Imaginar o que não se viu é interessante e, ao mesmo tempo, um desafio. Pois bem, tentemos fazê-lo.
Tive informações de que era um local bem limpo, com cadeiras confortáveis para os fregueses e lugar apropriado para guarda-chuvas. Ali estaria o Henrique, ajeitando a cadeira para alguém se assentar, usando toalhas mornas, preparando a espuma para passar no rosto antes de fazer a barba, amolando a navalha, manuseando com esmero a máquina de corte manual para cabelos. E jogando o cigarro de um canto a outro da boca, para não ocupar as mãos com o vício, e sim com o ofício. Ao fim dos trabalhos, a vaidade estampada no espelho e o ilustre cavalheiro aprovava ou pedia algum acerto e, ao fim, pagava pelo serviço, se despedia dos demais e saía renovado.
Meu pai, com certeza, não participaria das conversas sobre futebol. Política também não era do seu agrado. Voto mais que secreto do qual talvez nem alguns da família viessem a saber. Mas bem que certos estabelecimentos daquela época, quando inexistiam os institutos de pesquisa, poderiam ser sinalizadores das tendências de voto. Assim, um adepto do PSD diria, com orgulho e altivez, que “no bar do Zé Dureza e do Ary Coutinho, nas farmácias do Raimundinho e do Júlio Leitão e na barbearia do Henrique só se fala em vitória fácil de JK na eleição para o governo do Estado”. Ao que o outro, udenista fanático, responderia que “essa cria do Benedito já foi longe demais, era só esperar para ver”.
Se a conversa fosse sobre cinema aí ele poderia até mesmo falar de detalhes de algum filme, porque sua presença nos cines Vitória e Imperial era garantida às terças, quintas, aos sábados e domingos ainda que os filmes fossem reprisados. Era dia de ir ao cinema e pronto.
Mulheres que passavam na rua certamente seriam motivos de comentários com o falante olhando para todos a fim de se certificar se não havia ali algum parente da beldade. E, sobretudo, se não fossem as próprias filhas do barbeiro, Lenita e Maria Antônia.
Pessoas como a do Bruno Marinho ou Dr. Edward dariam seriedade aos assuntos, que ficariam mais acalorados se por ali aparecessem o Hugo Marinho ou o Zé Rádio, que tinha esse apelido porque dava notícia de tudo. E não faltariam “causos”, mentiras de pescador e, é claro, anedotas, principalmente quando o Zé Campos lá estivesse.
Pelos paralelepípedos desfilavam belos automóveis, todos estrangeiros, que hoje só podemos ver em encontros de carros antigos ou em filmes e novelas de época. Ou quando um deles, solitário e imponente, surge um uma manhã de domingo, enchendo-nos de admiração e de nostalgia. Mas sucesso mesmo fazia a jardineira vinda de Belo Horizonte ao parar por ali. E alguém decerto comentaria: “Esse Dercy ainda vai acabar é ficando muito rico”. E, por outro lado, se a assistência do Zé Enfermeiro saísse às pressas, se ouviria: “Pode ser para o fulano, ouvi dizer que ele não está nada bem”.
Alguns passariam pelo local, dariam uma paradinha para um cumprimento e, conforme as pessoas que lá estivessem e os assuntos discutidos, ficaria por um bom tempo mesmo sem a pretensão de se barbear ou cortar os cabelos. Também recados seriam deixados para o fulano ou beltrano, se ele passasse pelo local. E, desse modo, a vida escorria tranquila e gostosamente monótona pela ampulheta do tempo na Pará de Minas daquela época.
Depois, meu pai se cansou do ofício e passou a ser radiotécnico, porém, o apelido ficou: seria para sempre o Henrique Barbeiro.
Nesta narrativa, a ficção se aproxima da realidade. E, na dualidade entre o real e o fictício, devo confessar que foi na realidade que vim a conhecer o Seu Henrique e a Dona Geralda, que me ensinaram muitas coisas. Entre elas, a honestidade, a seriedade, o respeito aos outros. Virtudes que tento seguir à risca e que acompanham a minha história, com muito orgulho e gratidão.
(Geraldo Magela de Faria)

Luiz David

One Comment

  1. Seria muito bom se esta crônica chegasse ao conhecimento dos patafufos que moram fora inclusive o Petrônio do Zé Campos que mora em Divinópolis e também o Carlos Torquato….lembro muito bem do Henrique e Da. Geralda, irmã do Nem Barbeiro – Gumercindo.
    Eta povo bom!!!

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