0

A CRÔNICA SEMANAL DE HILA FLÁVIA

 

O TEMPO PASSA E AS COISAS MUDAM.

Hila Flávia

Há quinze anos, escrevi para uma editora uma coleção de livros sobre profissões. O alvo eram crianças nos primeiros anos do ensino fundamental e o objetivo era começar a formar uma conscientização do valor de cada profissional e da sua relação com o mundo em que a criança vivia. Foram vinte livros, muito bem ilustrados e, no final de cada livro, foram anexados um texto ao professor, sugestões de atividades, exercícios para conhecimento mais adequado da profissão e entrevista com os profissionais de cada atividade. A coleção foi muito bem recebida e foi um grande prazer escrevê-la.

Agora, recebi a encomenda de dar uma arejada no texto. Muitos anos se passaram e as coisas mudaram. Achei muita graça no pedido da editora e, na hora, pensei que seria desnecessário dar essa lida especial.

Nem vou contar a surpresa que tive.

Em primeiro lugar, cinco profissões vão ser substituídas, a saber: 1) motorista e cobradora de ônibus. Ainda tem motorista mas cobrador e cobradora cada vez menos. Com a introdução de cartões magnéticos ou eletrônicos então, tudo está diferente e será cada vez mais. 2) Feirante. Cada vez menos. Algumas feiras livres daqui e dali, mas os sacolões e os supermercados tomaram conta de tudo. 3) Costureira. Quase inexistente. Poucas são as pessoas que mandam fazer roupa e é até difícil de achar a profissional. Quem costura o faz por gostar muito ou se especializa em alta costura, na qual pouca gente tem acesso. 4) Babá. Outra realidade fora do universo dos alunos. Quem tem dinheiro contrata hoje é enfermeira. As crianças pequenas vão para creches e maternais. 5) Sapateiro. Em cada canto tinha um. Onde estão?

Vou pensar mais cinco profissões para substituir essas.

Quanto às que ficam, as quinze, tive que modificar coisas interessantes, como indicar que o marceneiro trabalha com madeira certificada, que o pedreiro usa capacete, luvas e cintos de segurança, que o Corpo de Bombeiros, em muitos lugares, se desvinculou da Polícia Militar.

No livro sobre o eletricista, começo contando que a enceradeira da casa do menino havia enguiçado. Quem conhece enceradeira hoje em dia? Perguntei a uns meninos e ninguém nem tinha ouvido falar. Aí mudei para chuveiro elétrico. Até a energia solar vingar, fica sendo ele mesmo.

Mas o que gostei de reler foi que, no livro anterior. Sobre o mecânico, eu coloquei um casal e seis filhos pequenos dentro de um carro só. Sem cinto de segurança, sem cadeirinha e sem preocupação alguma. Imaginem o carro sair rodando por aí e recebendo multa por minha causa. Ninguém pensava nisso. Quando eu era criança, meu pai levava a gente para viajar num carro só. Iam minha mãe e meus seis irmãos. Nove pessoas ao todo. Achei que, colocando oito pessoas já estava bom.  Neste livro, para não deixar essa querida família sem passear, resolvi então convidar parentes e vizinhos e colocar todo mundo num ônibus. E o ônibus não ligaria de jeito nenhum. O mecânico em questão salvaria a pátria. Quando foi na vez do carro, coloquei um defeitinho simples, que foi problema no carburador. Questão daquela agulhinha que ficava dentro do filtro e que entupia.  Era só tirar o filtro, soprar a agulha e colocar tudo no lugar. Aprendi isso porque tive um carro que morria à toa. Um Santana. Com o ônibus, fiquei apertada. Nada sei de motor de ônibus. Resolvi telefonar para a pessoa que conheço que mais entende do assunto, meu amigo Abílio Gontijo. Se o senhor Abílio não souber, ninguém no mundo sabe, tenho certeza. Ele me atendeu e eu contei meu problema. Precisava de um defeito no ônibus que pudesse ser consertado por um mecânico astuto, mas sem prejudicar o chofer, delatando que a manutenção do veículo estava descuidada. Ele achou muita graça no pedido e me contou que a bateria do ônibus tem dois cabos, um positivo e um negativo. Não podem ficar bambos. Mas, muitas vezes, um deles fica isolado. Fala-se assim, isolado, porque ele não deixa passar a energia necessária por causa de uma espécie de ferrugem que toma conta dele. Um bom mecânico percebe isso e raspa o cabo com a chave de fenda mesmo. Depois o coloca no lugar, aperta direitinho e pode dar a partida. E todos foram passear, ficando eu sabedora de detalhes mecânicos e feliz com uma prosa muito boa.

Tudo isso deve ser aliado à escolha de palavras adequadas, à ausência de preconceito de qualquer ordem e ao ritmo de leitura compatível com a criança da faixa etária a ser leitora da coleção.

É a minha nova tarefa, que está quase concluída. Depois, é mandar para a editora, ver as ilustrações, fazer a revisão e pronto. O restante não está na minha alçada.

Quando a coleção sair, aviso para vocês. Até.

Ah! Podem dar sugestões de cinco profissões que devam interessar às crianças.

Luiz David

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.