0

BOLA FORA – A nova cronica de Lúcio César

BOLA FORA
(Lúcio César)

As fotos do campo do Paraense – da entrada do estádio e do alto do Cristo Redentor, o segundo mais lindo do mundo, postadas no Facebook pelo amigo patafufo Luiz David, com comentários sobre a perspectiva de venda da área da entrada para empresa que adquiriu recentemente o imóvel fronteiriço, fez-me voltar aos tempos de infância e juventude, vendo-me fora e dentro daquele portão.
Fora, porque, quando menino, tão logo acabada a aula da tarde no Grupo Escolar Torquato de Almeida, corria para a casa em que morava, na rua Doutor Higino, para trocar de roupa, pegar a bola e descer de volta rumo à entrada do campo do Paraense.

No caminho, pouco antes de atravessar a entrada da estação ferroviária, “arrebanhava” os meninos que trabalhavam como engraxates na praça.
Nosso “campo” era a área em frente à entrada do Paraense, margeado pela linha do trem e pelo ribeirão Paciência. As traves, duas pedras em cada gol; a arquibancada, os dormentes estocados entre a linha e o nosso campinho.
Essa aparente precariedade não dificultou organizarmos até campeonato ali.

Por outro lado, trouxe-me uma das poucas tristezas de menino. Um dia cheguei mais cedo – talvez um sábado – e fiquei brincando sozinho com a bola, que de repente correu em direção à entrada do campo, de onde saia alguém de bicicleta e que gentilmente saltou para chutar a bola de volta.
Um chute inacreditavelmente torto leva a bola diretamente ao ribeirão Paciência.
Quem o conhece só hoje, um filete de água, rirá de mim, imaginando que jamais poderia ter sido caudaloso. Nem tanto, mas a expressão condiz com o que significava para o menino.
Sem graça, o cara vai embora e deixa ali o menino chorando.

Só terá a dimensão da dor dessa perda quem, quando menino, dormiu abraçado a uma bola novinha ganhada de presente de Natal ou comprou sebo em açougue para passar nas costuras, para a bola durar mais.
Anos depois, encontro essa mesma sensação descrita por Luís Fernando Veríssimo, com um complemento que pode ser relativizado: “Nenhum prazer do mundo se igualava ao do cheiro do couro de uma bola de futebol recém-desembrulhada latejando em suas mãos (ainda não se tinha descoberto a revistinha de sacanagem)”.
Por isso mesmo, para atender aos pedidos das cartas de Natal coletadas nos Correios, sempre escolho a de meninos que pedem bolas de futebol, caprichando na qualidade da compra.
Ali ao lado do nosso campo, ficava, às vezes, estacionado algum vagão. E um deles escondeu a minha vergonha.

Tempo de grupo escolar, uma das coleguinhas resolve ser minha namorada. Um dia a avisto chegando próximo ao campo do Paraense, para alguma atividade escolar, prestes a passar pelo nosso campinho. Imaginando a gozação dos supostos amigos, saio de uma jogada e entro no vagão, escondendo-me até ela passar.
Sem pretensão, tenho a impressão de quem inventou o ponto futuro no futebol não foi o Cláudio Coutinho, quando técnico do Flamengo, mas sim, eu, naquela oportunidade, saindo de uma jogada para aparecer em outra, embora tempos depois.

Antes que pensem erradamente a meu respeito, esclareço que nos meus tempos de menino era assim. Quando as meninas se desligavam das bonecas para se despertarem para os meninos, esses ainda estavam pensando somente em bola; quando eles finalmente se despertavam para as meninas, aí elas “não davam a menor bola”.
Voltando ao ribeirão, ele já foi tão caudaloso que conduziu jangada feita por alguns meninos do bairro Cerâmica, bem como quase afogou um amigo que jogava bola conosco e entrou no ribeirão para buscá-la, seguindo a regra de que “quem chutou lá busca”.
Hoje, a área anterior à entrada transformou-se em avenida asfaltada, mas o campo do Paraense sobrevive.

Minhas primeiras experiências lá foram como torcedor do Paraense, levado, junto com meu irmão Geraldo, pelo Júlio Maia, gerente do Banco do Brasil e sua esposa, D. Iolanda, animada torcedora. Lembro-me bem do “seu” Paiva, após os jogos, descendo a área da entrada, com a bandeira como bandeja, arrecadando doações para o clube.
Tempos depois, assistindo aos treinos do Paraense, programa imperdível para nossa turma, às vezes seguido por animada pelada atrás do gol da entrada, espaço que há tempos não mais existe, ou no cimentado campo de salão, atrás desse mesmo gol, que nem sei se ainda existe.

No gramado, a primeira vez foi defendendo, como lateral esquerdo, o time do Grupo Escolar Torquato de Almeida, tendo como treinador o Zé Paulino. Infelizmente, não passamos da primeira fase, derrotados em disputa de pênalti.
Depois, treinando no infantil do Paraense; em seguida, no time do seu Pedro Generoso e finalmente disputando torneio amador por alguns times da cidade, entre eles o de que era torcedor, o Paraminense.
Mas aí são outros casos, que não cabem aqui, mas levam à importância da sugestão do amigo Luiz David, de fusão do Paraense com o Paraminense, para fortalecer o futebol patafufo.

Por ora, não custa sonhar com o “Paraensedeminas”, unindo as cores preta, branca e azul, como um dia, no bar Camisa 10, sugeriu (ou profetizou), tendo nas mãos um modelo da camisa, o meu ídolo João Ribeiro.

União para fortalecimento e sobrevivência, regra do mundo cada vez mais competitivo, em âmbito local ou universal, que exige desprendimento pessoal em prol das instituições, de quaisquer tipos que sejam.
—————————————————————————————————————————–
PS – Crédito da linda foto ao alto do Cristo Redentor de Pará de Minas: Maurício

Luiz David

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.