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Crônicas da Pandemia

50 Anos Depois

CRÔNICAS DA PANDEMIA

50 ANOS DEPOIS
Podem ler sem susto, que embora este seja o título de um livro fundamental na bibliografia da doutrina espírita, posto que ditado pelo espírito Emanuel ao médium Chico Xavier que o psicografou, na verdade eu vou falar de uma famosa excursão do do time do Clube Atlético Paraminense à então distante cidade de Paineiras, às margens da represa Três Marias. Em 2020 vai-se àquela cidade de carro, sem forçar o motor, em 120 minutos se o automóvel for um pelo menos razoável. Naquela viagem fomos, a delegação, em duas kombis, pilotadas pelos saudosos Alcides relojoeiro (Alcides Esteves de Castro) e o sô Antonio Cáfaro. Duas kombis bem meia-boca numa estrada de terra bem esburacada e poeirenta. Mas, como cantou o general Júlio César ao atravessar o Rubicão, que nunca passou de um “corguinho” raso e estreito, que só entrou para a história porque dividia os territórios da Gália (França) e de Roma (Itália). Pois bem, o território gaulês era considerado inatacável pelos povos vizinhos que nunca se atreveram a penetrá-lo. Mas Júlio César que precisava fazer algo diferente para se afirmar, foi lá e cráu, derrotou os gauleses em seu próprio território e logo escreveu à sua patroa em Roma: -Vini, vidi, vinci. E assim somou pontos na sua campanha pela presidência do senado.
A um general romano era proibido atravessar o Rubicão de volta a Roma, comandando as suas legiões. Se o general quisesse ir a Roma visitar a patroa, que fosse, mas os legionários deviam ficar do “ladilá do córrego” como costuma dizer o menestrel parisiense de Minas Wilsinho da Floresta. O general Júlio César atropelou o regulamento: voltou prá casa com a sua soldadesca e se garantiu no trono senatorial.

Mas, o fato é que neste domingo 02 de agosto completam-se 50 anos da mais longa viagem já realizada pelo glorioso CAP de Paris de Minas, que ao contrário do que muita gente acredita, não está morto. Eu diria que está em estado de profundo coma induzido, podendo acordar a qualquer momento. Mas era o Paraminense uma criança em 1970, e para nós impávidos legionários aquela viagem era para se tornar um marco na história do clube e se tornou mesmo. Como os romano,tínhamos um Júlio no comando da tropa: o ainda sargento (Antonio) Júlio; e todas as coincidências ficam por aqui.

O 2 de agosto de 1970 ficou na memória por muitos motivos que vou elencá-los.

1 – Metade do time titular pipocou, com jogadores indo dormir fora de casa para não serem arrebanhados na quase madrugada do domingo, quando as kombis passaram na casa de cada um. Assim, apesar de lotadas as kombis, a metade dos passageiros eram torcedores que nunca abandonavam o time. Enfim, por volta de seis e meia imbicamos as viaturas@partirampaineiras com rápidas paradas previstas em Pitangui, Martinho Campos e Abaeté. Prevista para durar quatro horas, a viagem durou duas horas a mais e chegamos à simpática, acolhedora e hospitaleira Paineiras, cidade emancipada de Abaeté poucos anos antes: exatamente no último dia do ano 1962. Fomos recepcionados pelos diretores da equipe local, conforme combinado, no restaurante, acredito que único da cidade. O atraso da delegação havia deixado a diretoria ansiosa, pois anteriormente outras equipes de cidades mais ou menos vizinhas tinham feito forfé, não comparecendo para honrar o convite.

2- Mal chegamos e fomos levados ao interior do restaurante, um casarão adaptado para tal finalidade, com muitas mesas e cadeiras. Uma simplicidade rústica, mas tudo muito limpo e mesas com forros. O cardápio escolhido pelos anfitriões foi uma lauta feijoada que nunca mais comi outra igual de tão suculenta. Para acompanhar, cerveja e cachaça num garrafão. O pacto era para que nenhum jogador bebesse antes do jogo; mas todos beberam escondido; e comeram muito também. Após o almoço, eu fiquei de bobeira nas imediações da pracinha, procurando descobrir alguma coisa sobre o time adversário, pois o campo eu já tinha ficado sabendo que era de terra, que para nós não tinha muita importância, pois o Paraminense domingo sim, domingo não, joagva no horroroso campo de futebol do distrito de Antunes: ora contra o Atlético ora contra o Cruzeiro locais. Mas do time paineirense ninguém sabia nada. Foi quando eu perguntei ao um cidadão que muito tranquilo enrolava um cigarro de palha num banco da praça: – ôceis vai perder o jogo. A fama docêis é boa, time do Pará de Mina, time de respeito. Mas ninguém ganha de nóis aqui na Painêra. Nóis num perde aqui tem uns quatro ano. Nóis cumeça a ganhá o jogo ans dele cumeçá, quando a diretoria leva os visitante prá enchê o pandú de cumida e bibida no restorante. Ninguém reséste a nossa feijuada. Puirisso é qui eu falo qui ocêis num ganha. Tá todo mundo cum sono e mei tonto. Ôceis sigura as carça pra perdê de pôco. Agora o sinhô dá licença qui eu vô subi pro campo.

3- O “informante” seguiu para o campo e eu fui arrebanhar os atletas, encontrando alguns deles estirados pela praça, curtindo a feijoada. Às três da tarde todos já estavam no vestiário, conseguimos ocupantes para onze camisas, o único reserva, contundiu-se ao chutar um tijolo mal colocado próximo à portaria do campo. Para suprir a falta, meu primo e goleiro Bolão (Geraldo Teodoro Filho) que nas excursões do time atuava como juiz de embaixada, foi escalado para atuar com a camisa número 1; e o irmão dele Edson Teodoro Borracha foi exibir suas qualidades na lateral-esquerda, posição do jogador que se contundira minutos antes. Com onze em campo, alguns torcedores se ofereceram para ficarem no banco, num supremo sacrifício pois preferiam mesmo era ficar bebendo na barraca, ao lado campo.

4- O campo recebeu um bom público e os torcedores a toda hora gritavam para nós, chamando-nos de “fila-bóia”, não sem um pouco de razão. O jogo teve seu inicio retardado, pois de repente, toda a platéia teve a sua atenção atraída para a parte de fora dos muros; Metade dos torcedores saiu correndo para ver de perto do que se tratava; a outra metade subiu no muro. O fato é que duas mulheres da cidade, que não se davam bem no dia a dia, resolveram acertar as suas diferenças nas proximidades do campo. O pelotão de policia local, um cabo e quatro soldados, logo resolveu a questiúncula (epa!!!) e voltou para a beira do campo para garantir o espetáculo.

5- Perdemos o jogo pelo placar de 2 a zero com inteira justiça. Conseguimos levar o jogo até o fim com seguidas simulações de contusão; demoras enormes na cobrança de laterais; muita catimba e chororô. Foi uma derrota digna.

6- Fim de jogo, todo mundo de volta ao restaurante, mas sem o 0800 do almoço. Desconfio que vários membros da delegação aplicaram o “o golpe do joão-sem-braço” nos atendentes do bar. Paineiras ainda não contava com o beneficio da luz elétrica, o que era um absurdo pois a cidade fica a algumas dezenas de quilômetros da Usina Três Marias. Mas tinha cinema, cujo projetor era movido pela energia de gerador a óleo.

7- Naquele dia aconteceu um clássico no Mineirão e pela primeira vez em jogos valendo pelo campeonato mineiro o Atlético conseguiu bater no rival Cruzeiro: 2 a zero, gols de Dario. Depois do jogo Antonio Júlio percebeu num quintal um galinho pedrês ciscando por alí; pois ele foi até a porta da casa e convenceu a dona do bicho a vender a ele o galinho. Não foi barato, mas Antonio Júlio trouxe o galinho para casa e avezinha viveu mais uns quatro anos, sempre bem cuidada por dona Eunice e pela filharada.

8- A viagem de volta foi mais rápida. Uma parada na zona de Abaeté, onde ao adentrarmos o recinto, um balconista foi logo perguntando se éramos de Pará de Minas, ao que o Zé da Bia respondeu valentemente:- sim, por quê? – Bão, é porque tem dois conterrâneos de vocês apanhando lá no fundo. Corremos todos os 22 para os fundos, onde no meio de uma roda de locais, nosso amigos Ernani do Wanderlei dentista e Dilsinho Sossêgo estavam sendo xingados de todos os nomes possíveis, mas ainda não tinham sido agredidos. Ao perceberem a cavalaria (nós) chegando, a dupla cresceu para cima dos abaeteenses e o pau quebrou geral. Chamada, a policia compareceu e apartou os brigões, chamando os “de passagem” ou seja, nós, parisienses de Minas para uma conversa e decretando: vocês têm dez minutos para sumirem da cidade; ou todos serão presos. Deixamos Abaeté em cinco minutos: nem tão devagar que parecesse estarmos provocando; nem em desabalada carreira que desse a impressão de uma fuga desesperada.

9- Ernane e Dilsinho resolveram por volta de dez horas da manhã seguirem de Pará de Minas para Paineiras a fim de assistirem o jogo do Paraminense. Quando chegaram a Abaeté perceberam que não chegariam ao destino antes do jogo começar e decidiram ficar por ali mesmo, aguardando o retorno da delegação, que com toda certeza passaria pela zona.

10 – Pulamos Martinho Campos na volta, pois a noite avançava e Pitangui oferecia mais atrativos. Logo na entrada da cidade nosso ponta-direita Eli Preto resolveu fazer o bundalelê, expondo suas partes pudendas através do vidro da kombi. Uma cena dantesca que ele justificou dizendo que Pitangui merecia ser vista com outro olho, que não os daquela cara feiosa. E seguimos para a praça da antiga estação que fervilhava de pessoas, pois nem eram dez horas PM. Não demorou muito e chegou à praça um cidadão esbaforido que da janela da casa dele tinha enxergado aquela terrivel cena do bundalelê do Eli. E logo o fofoqueiro espalhou a noticia na praça. Indignados, valentes representantes da moral e da família da “velha serrana” resolveram tirar satisfações com alguns membros da delegação, entre eles João Maurício Flores, um peso pluma sem medo, que ainda quis justificar a atitude do amigo; de repente novo “quebra pau” se formou. A imagem que ficou gravada em minha memória foi a de João Mauricio voando por cima da kombi depois de levar um “balão” de um pitanguiense. Logo chegou a policia cujo comandante do pelotão deu-nos cinco minutos para deixarmos a comarca. (Devia ser norma da policia militar não prender ninguém em arruaças, por sorte nossa).

11 – A chegada em Paris de Minas foi triunfal, quando o relógio da matriz velha soava as 12 badaladas da meia-noite. Na porta do Centro Literário uma grande confusão acontecia, com o presidente do clube José Varela,o Curé, já de pijama, pois morava no casarão em frente ao clube. Mas isto é outra emocionante história. E também porque já era o dia 3 de agosto e hoje eu decidi falar só das farras do dia 2.
E ao contrário de repetir o general Júlio César, proclamando um “viemos, vimos e perdemos” tivemos falar baixinho à moda do compositor Adoniram Barbosa: -fumus, vimus nada e perdemus. (LUIZ VIANA DAVID)

Luiz David

One Comment

  1. Que epopéia. Enfim, foram e voltaram. É o que interessa. Esta turma o que menos fazia era jogar futebol . Kkkkk

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