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DIZ QUE É CRIA DE PARÁ DE MINAS, MAS…

DIZ QUE É CRIA DE PARÁ DE MINAS, MAS…

Virou febre nas redes sociais, principalmente no facebook, a produção de frases de efeito, sobre pessoas que se dizem “crias” (no sentido de nascer em) de determinada cidade, mas que apesar disto, deixou de fazer alguma coisa que os conterrâneos gostavam ou ainda gostam de fazer. Eu entrei nesta onda na minha página no facebook e o resultado foram dezenas de amigos replicando com forte pitada de nostalgia e saudade, eventos de outras épocas. Um verdadeiro “revival” de coisas boas.
Eu adolesci na década de 1960, isto se considerarmos que a adolescência começa aos doze anos, marca que atingi em 1959. A década de 1960 foi aquela que mudou para sempre os paradigmas da humanidade em todos os setores da atividade humana. Maravilhosa década de 1960.

Quem viveu aqueles anos em Pará de Minas, e tiver boa memória, pode fazer a própria lista, de coisas que fazia com prazer. A minha lista pessoal seria mais ou menos assim:

“Diz ser cria de Pará de Minas…
Mas nunca parou para apreciar a vitrine da loja “A Primavera”, do sô Domingos Amaral. E posso acrescentar o cheirinho da loja, misto de perfume de sabonete com roupa nova. Às vezes eu arrumava uma desculpa para entrar na loja, só para conversar com o eterno balconista Dodô ou com o Tebaco (filho do dono), enquanto aspirava aquele cheirinho bom, inesquecível. (A loja ” Primavera” ficava na rua Direita, onde hoje está uma unidade da Casa Camargo).

Diz ser cria de Pará de Minas…
Mas jamais entrou no “Bar do Nem” e por isto não sabe o que perdeu. O lugar fervilhava de seis da manhã às dez da noite. Ficava ao lado do prédio que hoje abriga a Secretaria de Cultura, na Praça Torquato. Naqueles anos no prédio funcionavam a primeira rodoviária da cidade e a saudosa Escola de Comércio. O Bar do Nem era o lugar onde as pessoas iam para se informar das novidades e interagir com gente de muitas outras regiões do estado, considerando que todos os ônibus que demandavam o Triângulo Mineiro, o alto Paranaíba e o sertão de Minas, faziam do lugar um ponto de parada para um café. A bebida era servida em xicarazinhas (xicrinhas) que ficavam enfileiradas sobre o balcão de mármores e emborcadas sobre os pires, branquinhas. Para mim, aquilo era o supra-sumo da chiqueza: tomar café nas xícaras do Bar do Nem. No balcão, atendendo com solicitude, os rapazes Zizi, Ronaldo, Luarde, a irmã Irene e a ajudante Lia, que ajudou dona Ana, viúva de Nem do Nhô Zé ( o fundador do bar), a criar todos eles. Lia era uma negra de baixa estatura,bem despachada e educada; agregou-se de tal forma à família que mesmo bem velhinha continuou na casa. (O Bar do Nem mudou-se em 1969, para a Rua dos Expedicionários, acompanhando a nova estação rodoviária da cidade. Os irmãos Luarde e Irene, seguiram tocando o bar por muitos anos ainda e atualmente está alugado para terceiros).
No entorno do Bar do Nem gravitavam pessoas que marcaram época: os carregadores de malas João Maleiro e Possante, por exemplo; ou os meninos engraxates, com suas caixas e cadeiras debaixo do caramanchão; os cambistas sô Agenor e sô Zé Cego, vendedores de bilhetes de loterias Mineira e Federal; o pasteleiro Alcides, ainda na ativa (com pastelaria na Rua Tiradentes); à noite, os alunos da Escola de Comércio tomavam conta do pedaço e não me sai da memória o jovem bancário Antonio de Melo Mendonça (Antonio Compasso) discursando dentro do bar, pedindo votos para presidente da ASPM -Associação dos Estudantes Secundários de Pará de Minas. Ele acabou eleito; em 1973 eu também viria a ocupar o cargo. Nas eleições presidenciais de 1960, os candidatos Jânio Quadros e General Eurico Teixeira Lott, também provaram do cafezinho do Bar do Nem.

Diz ser cria de Pará de Minas… (só para meninos)
Mas nunca aprontou a ponto de ser levado à delegacia de polícia, para levar uma carraspana do delegado Bruno Marinho, que decretava a sentença ele mesmo. Mandava o moleque capinar ruas, na turma do “ferrinho” do Sô Chico Silva, por determinado número de dias, com a anuência dos pais, fossem quem fossem. Sô Chico, bem que se esforçava para fazer o papel de carrasco, de maldoso, mas daquele coração e daquela boca só saiam palavras que ajudaram a edificar e a corrigir muitos caráteres. Muitos se salvaram para a vida naqueles dias de “trabalhos forçados”, digamos assim.

Diz ser cria de Pará de Minas… (só para mocinhas)
Mas nunca foi a uma “sessão da moças” dos cinemas Imperial e Vitória. A sessão, por ser dedicada a elas, começava mais cedo, às sete da noite. Era para dar tempo às moças, de, encerrada a sessão, por volta de nove horas, poderem voltar para casa antes das dez horas. Neste horário, empregados da companhia de eletricidade, montados em bicicletas, levando um brande bambu (com um gancho numa das pontas) em uma das mãos, passavam por todos os transformadores de energia, desligando a força que vinha da usina de Carioca e ligando a força da usina do Jatobá, bem mais fraquinha. Entre dez da noite e seis da manhã, a lâmpadas fluorescentes mais pareciam tomatinhos em cima dos poste.
Com o tempo (e a liberação dos costumes) o Cinema Imperial (do Tadinho) aboliu a sessão das moças; Tião Padeiro, dono do Cine Vitória manteve o horário, mas liberou o acesso para os rapazes. Então a rapaziada lotava a casa, na esperança de ganhar “bola” de alguma pretendida, quem sabe um beijinho no escurinho do cinema. Mas quase nunca rolava.
Mas o que acabou mesmo com a sessão das moças foi a televisão. Em 1964 entrou no ar a novela “Direito de Nascer” e as peripécias do médico Albertinho Limonta, da freira Isabel Cristina e da escravizada Mamãe Dolores, paravam o Brasil e as pessoas começaram a perder, ali, naquele momento, o hábito de irem ao cinema.
Mas foi bom enquanto durou.

Na quarta-feira, quando acabava de escrever esta crônica, a mais recente febre da internet já estava bem esvaziada.

Luiz David

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