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GILDINHA

                                                                                      GILDINHA

Meu nome é Gilda. Bem, na verdade no papel está escrito “Brígilda! Foi um golpe que meu pai aplicou em minha mãe quando eu nasci. Acontece que meu velho era considerado o maior fã da atriz Rita Hayworth, o que provocava um ciúme doentio em minha mãe; quando ele anunciou que meu nome seria Rita ela protestou veementemente, mais do que um atacante flagrado em impedimento pelo VAR após marcar um golaço. A crônica familiar diz que minha mãe xingou por três dias, ao fim dos quais saiu às ruas vestida só de calcinha e sutiã e fumando com auxilio de uma enorme piteira, no melhor estilo de “Gilda” a personagem-título do mais famoso filme interpretado pela atriz.Meu pai não era deste mundo, tinha a saída para qualquer situação embaraçosa, ou seja, era o rei do “plano B”. Quando ligaram para ele no banco dizendo que dona Úrsula esta desfilando semi-nua pelas ruas do bairro ele respondeu ao informante dizendo apenas: -já estou indo, segurem a “Ursa”, não deixem ela sair do bairro. Só chegou à noite, depois que o banco fechou as portas e ele o caixa. Minha mãe tinha ido para a casa da vovó e arrependida do sensual desfile preferiu esperar que a noite chegasse para voltar ao lar, onde eu, sempre conforme a crônica, berrava de fome no berço.Quando minha mãe entrou em casa meu pai nem balançou a passarinha, estava assistindo ao jornal na tevê e depois emendou com a novela . Só topou com minha mãe já na cama e saudou-a com com um cínico “oi amor, você estava aí? algum problema com Brígida? Como assim, Brígida? retrucou minha mãe. Meu pai: pois é amor, hoje eu fui ao cartório e registrei o nosso bebê com o nome de Brígida, você sabia que ela nasceu no dia dedicado a esta santa? 23 de julho. Minha mãe de olhos arregalados, mal leu a certidão de nascimento sob a luz do abajur lilás (meu pai foi um grande frequentador de zona boêmia e gostava dessas reminiscências); minha mãe leu meu nome soletrando todas as letras B R Í G I L D A, mas não percebeu, passou batida em cima daquela letra “L”, virou para o canto para impedir que meu pai se assanhasse e dormiu o pesado sono dos arrependidos, nem ouviu meu choro durante a madrugada.
Meu pai sempre me chamou de Gildinha; minha mãe nunca leu prá valer meu nome na certidão de nascimento. Quando nasceu minha irmã Rita, mamãe preferiu não protestar publicamente, mas fechou as pernas ao meu pai, numa greve de sexo que durou um ano. O movimento grevista dela só acabou quando descobriu que ele tinha reatado relações com uma sirigaita da rua de baixo e que sempre passava na casa dela depois do trabalho no banco.

Retomadas as atividades sexuais de meus pais, foi pá e bola: mamãe engravidou de novo, desta vez de gêmeos. Quando ela anunciou que era a vez dela escolher os nomes do meninos, papai de novo nem balançou a passarinha. Uma semana depois ela foi ao cartório de registro civil e de lá voltou com as certidões de nascimento do Glenn Ford da Silva e do Heleno de Freitas da Silva. Glenn Ford foi o ator que fez par com Rita/Gilda naquele filme e Heleno de Freitas em homenagem ao maior jogador de futebol do Botafogo (depois de Garrincha), que sofria de uma doença mental e atingiu o ápice de sua carreira na segunda metade da década de 1940, quando o filme estourou nas telas. Heleno de Freitas, o jogador, espumava de ódio quando a torcida adversária o chamava de Gilda Gilda Gilda, por causa de seus chiliques em campo. Meu pai não gostou das escolhas de minha mãe, mas ficou quieto, pois estava satisfeito com os nomes das meninas. Ele só se separou de minha mãe quando ela batizou o primeiro neto de Rodrigo Santoro, nome daquele artista brasileiro que fez o papel de Heleno de Freitas no cinema. Minha mãe também é bem custosa, viu!
Foi assim que eu vim parar na zona. Com um enredo deste dentro de casa, vocês queriam o quê? Que eu me tornasse uma freira carmelita descalça?

Na porta de minha suite no bordel de madame Deneuve mandei colocar uma plaquinha daquelas de artesanato onde se lê: “Nunca houve uma mulher como Gilda”, a frase de efeito que turbinou o filme que eu nunca assisti.

Depois de velhos papai e mãe se reconciliaram e voltaram a dividir o mesmo edredom. Acho que brevemente teremos um “remake” do filme. (LUIZ VIANA DAVID)

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Luiz David

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