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ÍDOLOS

ÍDOLOS

Há algum tempo percebi que se eu estiver presente em alguma roda de amigos e conhecidos provavelmente serei o mais velho cronologicamente falando dentre todos os presentes. Aos setenta e dois anos não encontro muitos mais dos meus amigos de outrora perambulando por aí. Se deambulam devem frequentar outros lugares, pois o que não falta no Pará de Minas atual é lugar que merece ser visitado antes de morrermos. Bares, botecos e similares sempre me atraíram, mas agora estão todos longe do centro da cidade aonde não se vai a pé, anão ser que seja vizinho. Outro dia passei diante de um, na Avenida Amazonas, nos píncaros (amo esta palavra) do bairro São José que me pareceu bastante aconchegante, cujo nome “Cheiro de Mato” é bastante sugestivo, pois está rodeado de mato de verdade, apesar da vizinhança ilustre que parece gostar do mataréu no entorno.Naquela tarde em companhia do diretor de tevê Mauricio Azevedo eu estava indo entrevistar o paraense de Minas, Marcos de Abreu e Silva, que tem uma vivenda nas imediações, onde passa os seus finais de semana, aos pés da Serra do Andaime.  Nossa intenção, minha e do diretor, era a de molhar a goela, após cumprida a tarefa, no barzinho prá lá de ecológico. Fomos impedidos pelo anfitrião que tinha preparado e nos surpreendeu com uns pasteizinhos que eu comi rezando, agradecendo a Deus pelas gostosuras, que foram acompanhadas por garrafinhas de cervejas alemãs, que me pareceram bastantes honestas. Mas, a qualquer dia desses voltarei até aqueles píncaros (eu disse antes que gosto demais desta palavra) para sentir o cheiro do mato que o nome do simpático boteco anuncia e beber umas biritas que ninguém é de ferro.

Divaguei e quase perdi o fio da meada; eu dizia que há algum tempo percebi que numa roda em que eu esteja com certeza serei o mais “erado”. Pois deu-se  assim na noite da última sexta-feira, quando em companhia de alguns amigos fui levado até o Bar do Geraldinho, o mais famoso de Paris de Minas, de portas abertas há quase meio-século. Não vi o Geraldinho por lá desta vez; ou está chegando ao local mais tarde ou então se retirando mais cedo para o merecido descanso. Ninguém é de ferro nem o nosso bom Geraldinho é mais um garoto e precisa mesmo se cuidar, depois de atender nesses quase cinquenta anos várias gerações de pinguços patafufenses. Os da primeira fase  do bar, ainda na esquina de Rua do Cruzeiro com Rua da Boa Vista, agora vão ao bar levados pelos netos. Mas estava eu lá naquela boa roda, cujo seguidor mais próximo de mim está com apenas 6.6 de idade e o assunto era o Pará antigo mas nem tanto. Aquele Parazinho querido das décadas de 1960 / 70 e 80, a última quando todos eles se casaram.      E quando essa turma se ajunta um tema infalivelmente vem á baila: a audição do cantor Roberto Carlos, rei de todos eles jovensguardistas assumidos, que nas suas reminiscências devem lembrar com saudade das belas coxas da cantora Vanderléia, “sex symbol” de todos eles, e o que negar estará faltando com a verdade.  Eu, que não comento mais a passagem do rei RC pela cidade desde quando percebi que mais de cinco mil pessoas disseram que estavam lá no Cinema do Tião (Cine-Theatro Vitória) naquela noite extraordinária. Como existem mentirosos no Pará de Minas; mais cinco mil deles estiveram num lugar onde só cabiam 322 pessoas, o número exato das duras e desconfortáveis poltronas de madeira do cinema.

Na condição de decano daquela roda de saudosistas, senti-me na obrigação de contar algum caso semelhante. Lembrei-me então da visita do célebre cantor Vicente Celestino para uma apresentação no mesmo auditório – o cinema do Tião Padeiro, nos idos de 1949. Vicente Celestino eu diria que foi uma espécie de Roberto Carlos  para as gerações das décadas de 1920 /30 / 40, alguns estudiosos da MPB garantem que ele foi desbancado justamente pelo monarca nascido em Cachoeiro do Itapemirim, o nunca assaz lembrado rei Roberto Carlos (“1º e único viu” ? posso ouvir ao fundo a voz de um grande fã, Antonio Júlio de Faria,  que nunca perdeu uma audição do ídolo em Belo Horizonte). O show de Roberto Carlos em Belô sempre fez parte da agenda cultural do casal Antonio Júlio e Vânia, amigos muito mais do que queridos. Mas, voltando á mesa do bar, nenhum dos presentes sabia desta visita do célebre Vicente Celestino, autor e cantor de sucessos como “O Ébrio”, “Coração de Mãe” e outras pérolas do cancioneiro nacional (epa!) que fazem sucesso ainda hoje, em pleno século XXI .  Na cidade Vicente Celestino foi ciceroneado pelo patafufense Jackson Campos, cantor e seresteiro local e também ator no grupo de teatro fundado por sua irmã Geraldina Campos, autora e diretora de teatro, cujo nome foi dado ao nosso teatro municipal, por proposta da vereadora Cristina Teodoro. Pois Jackson pegou o Celestino pelo braço e o levou pela rua do comércio que sempre foi a nossa boa e antiga Rua Direita. Não existia emissora de rádio na cidade, que também estava sem jornal local naqueles dias, televisão ainda não existia nem Brasil, de forma que aquele passeio de Jackson com o cantor pela rua central foi a principal divulgação do evento. E o cinema do Tião lotou, numa cidade menos de 10 mil habitantes, dois mil deles passaram a afirmar que estiveram no show, todos eles talvez pais dos cinco mil que dezoito anos depois foram ver Roberto Carlos. 

Diz a lenda que Roberto Carlos após a apresentação, em companhia do fotógrafo Carlitos Laurentys, foi beber uma vitamina de mamão com abacate na lanchonete do Marinho Futrica, que ficava ao lado do outro cinema, o do Tadinho, cujo nome na fachada era Imperial Cinema. Marinho nunca tinha ouvido falar em Roberto Carlos e na hora de voltar o troco empurrou no desconhecido um rapaz, á guisa de moedas, um pacotinho de amendoim torrado. Com Vicente Celestino foi diferente. Jackson Campos o puxou pela mão e o levou ao “Bar do Chuim”, que ficava no final da Rua Direita, ao lado de um posto de gasolina que pegaria fogo muitos anos depois. Sô Chuim e sua esposa dona Conceição Teodoro, tocavam o bar e restaurante que era o mais movimentado da cidade. Ele no balcão e dona Conceição pilotando os fogões. Ela era considerada a maior fã de Vicente Celestino em Pará de Minas. Não fora assistir ao espetáculo, pois não podia se ausentar do restaurantee Passara o dia se lamentando entristecida. Mas á noite, lá pelas dez horas os lamentos de dona Conceição foram ouvidos. Estava ela na cozinha, absorta com suas panelas, quando foi tocada no ombro por alguém, virou-se para ver quem a a chamava e deu de olhos nele, no seu grande ídolo Vicente Celestino. Foi emoção demais, dona Conceição desmaiou nos braços do cantor (deve ter sido a primeira fã brasileira a desmaiar ao ver tão peto seu artista preferido (Mais tarde, outras milhares de fãs do Cauby Peixoto, que nem tinha surgido ainda no cenário, fariam o mesmo, inclusive no Pará de Minas, o que é outra história).  Mas o fato é que dona Conceição do Chuim desmaiou e quando se recuperou minutos depois, foi para a cozinha  e preparou para o inesperado, mas bem vindo  visitante,  que ganhou um jantar á mineira: lombo com tutu de feijão. Em retribuição a tanto carinho da fã fez questão de cantar para ela, á capela, com aquela voz tonitroante que Deus lhe deu, a sua música preferida que eram três: “O Ébrio”, “Coração de Mãe” e “Porta Aberta”, que a inesquecível Ção do Chuim, ouviu acariciando a mão do veterano ídolo do Brasil.

Diz a lenda que o fazendeiro João Correia de Miranda, que morava na casa ao lado do bar, ao ouvir aquela cantoria já quase as onze horas da noite, abriu a janela de seu quarto e gritou: -Ô Chuim, já é muito tarde;  Celestino já deve estar lá em Belzonte, manda esse pinguço que está cantado aí embora e vai embora ocê também!   

No mesmo horário, setenta anos depois no bar do Geraldinho, meus amigos de mesa levantaram-se ao mesmo tempo e a uma só voz, como se tivessem ensaiado proclamaram: vam’bora gente, se não o Luiz engata outra história.                Ah! Pará de Minas que não volta mais. (LUIZ VIANA DAVID)

 

 

Luiz David

3 Comments

  1. ÓTIMO ENCONTRO O DE SEXTA-FEIRA,LUIZ, COM OS AMIGOS LÚCIO, MAGELA, GERALDO, EMÍDIO E EDMAR

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