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INVENTÁRIO DA PANDEMIA

INVENTÁRIO DA PANDEMIA

E assim atravessamos o primeiro ano da pandemia do coronavirus -covid 19, que abalou as estruturas do menor povoado do planeta à suas maiores megalópolis. Os cidadãos de Bombaim ou os da Cidade do México, ou de Paris ou de Buenos Aires, de Nova York ou de Fortaleza; de Sidney ou de São Paulo, de Pará de Minas ou de Varre e Sai; acredito que todos o habitantes do planeta em algum momento sentiram medo, muito medo, deste inimigo invisível. Eu senti e não foi em algum momento apenas, foram muitos esses momentos de pânico, digamos assim. A cada morte de amigo ou conhecido vitimado pela peste meu ânimo e a minha autoestima baixaram a zero. Convenci-me, com o passar dos meses que o isolamento é mesmo o melhor remédio para os de minha idade, ou um pouco mais novos ou mais velhos, sem contato o virus não se propaga, dizem os cientistas. Eu estou numa faixa etária de grande risco, é o que ouço dizer desde que a pandemia começou: fique em casa; use álcool gel, lave as mãos, use máscaras; essas são as palavras de ordem transmitidas pelo rádio, pela tevê, nas redes sociais. Fiquei meio paranoico com o comportamento da boiada, quero dizer, das pessoas; logo na primeira semana fui ao supermercado e comprei cinco litros de álcool gel, cinquenta sabonetes, dez barrinhas de um sabão azulado, seis pacotes com doze rolos de papel higiênico, lâminas de barbear suficientes para um ano, trinta quilos de açúcar, vinte de café, caixinhas de chá com dez pacotinhos foram vinte. Bolachas e chocolates também; e enlatados como sardinhas, feijoada (que adoro em latas), salsichas e azeitonas. No terceiro mês da pandemia resolvi reativar a cozinha do apê, fazer o meu próprio feijão com arroz, a macarronada à minha moda, a carne cozida ou moída comprada no açougue do bairro a cada dez dias em horário de movimento quase nenhum. Frutas e legumes comprava no sacolãozinho da esquina; os dorflex e aspirinas a vida na loja da ‘Farmácia Cruzeiro’ no bairro; boletos passei a pagá-los no bancoob vizinho. Quando fui ao centro, fui em carro de aplicativo, sempre com o mesmo motorista, aproveitando para visitar as manas Lizaura e Lúcia, também em estado de reclusão; Lizaura menos, pois faz anos que aderiu ao tal do ‘home office’, atendendo seus clientes no aprazível alpendre da casa, além de ir ao fórum semanalmente, mais para ser vista e lembrada, antes que algum ‘nobre colega’ a declarasse doente de covid, quiçá já falecida e enterrada, cruz credo. Á Padaria Paladar quase não fui neste último ano; e quando fui, o fiz em horários aleatórios, com a certeza de lá não encontrar meu diletos amigos, pois, por conhecê-los bem, sei que raros dentre eles são de respeitar normas recomendadas quando o assunto é saúde. Em compensação, pelo menos em três oportunidades, dado ao meu sumiço voluntário, eles cuidaram de propagar noticias a meu respeito: sempre dando-me como morto ou quase; pelo menos uma vez estive entubado no HNSC e uma outra no San Juan de Diós, em Divinópolis. Meus amigos são assim; aliás, somos assim, pois em tempos menos loucos já declarei como falecido o meu estimado amigo Marcondes Oliveira; gravemente enfermo João Maria Ferreira e em cadeiras de rodas o Luiz Pessamílio.

E assim se passaram cinquenta e duas semanas; incomodei-me muito com a condução da luta anti-covid 19 no país. O presidente da república e sua tibieza na gestão da crise; a troca de ministros na área da Saúde, a interferência dos ministros do STF no processo sem serem provocados; a guerrinha entre aficionados de direita e de esquerda, espremendo contra a parede os que não são contra e muito menos a favor do ‘status quo’. Quantas sandices foram ditas e praticadas pelos dois lados neste ano que passou. O povo… ah!!!! o povo! Sem saber qual lado estava certo, correu para as agências da Caixa Econômica, em busca das merrecas liberadas pelo governo federal. Merrecas, mas abençoadas, para aqueles de fato necessitados. Pois que milhares habilitados a recebê-las, delas não tinham extrema necessidade e tome churrascos na lage; piquenique na praia, ou no sítio, ou simples cervejadas nos milhares de “boteco do Zé” espalhados pelo Brasil. Ah! E tanques cheios, com a gasolina a 4,10 nas bombas; ôôô que tempo bom. E quando todos esperávamos dias melhores em 2021, apesar de aves de mau agouro ficarem grasnando: -vem aí a segunda onda; preparem-se para segunda onda do covid; vocês não viram nada. E não é que esses agourentos estavam certos? Aí está a tal segunda onda da pandemia, mais letal e agora matando pessoas cada vez mais próximas de nós. Pior: a segunda onda nem atingiu o seu pico e vem um general de quatro estrelas alertando em tom de ameaça: vocês hão de ver a ‘terceira onda’ que está por chegar. Pô General! Se não pode nos agraciar com o seu silêncio, fale-nos de coisas boas, pois existem boas novas também.

Dia desses, meu amigo radialista Amilton Maciel, preconizou que as autoridades sanitárias deveriam rever seus conceitos e partir para a vacinação em massa dos jovens com menos de 50 anos de idade; por formarem a maior parcela da população ativa do país; serem aqueles que saem de casa para trabalhar e também por se mostrarem os mais avessos às regras que recomendam o distanciamento social. Eu penso um pouco diferente, pois na prática a teoria é outra: talvez a metade pelo menos das famílias brasileiras têm em algum membro, já aposentado ou pensionista, o principal mantenedor da casa, com seus proventos advindo da pensão ou da aposentadoria. Se esse ente mantenedor faltar, os familiares perderão a única fonte de renda: aquela que paga os boletos de água, luz, telefone, IPTU e outros impostos; e ainda ajudam a comprar o “grosso”: o feijão com arroz de cada dia, o ‘patinho’ picadinho ou moído que adicionado ao chuchu ou ao quiabo formam o prato talvez o mais popular entre o povo brasileiro. O que precisamos neste momento é de um pouco mais de paciência da população e mais discernimento dos gestores: o tal “lockdown” (se a grafia não estiver correta, corrijam-me) não funciona pois o desespero é sempre maior do que a razão. Todas a atividade humana é essencial, se dela sai o sustento do trabalhador e de sua família. É possível sim o funcionamento de tudo o que está fechado nesses dias: é preciso planejamento, ordem e obediência absoluta dos interessados: população e comerciantes, profissionais liberais, escolas… “Com jeito vai” já cantava Emilinha Borba na década de 1950 e acrescentava: “se não um dia a casa cai”. Quanto ao velhotes como eu, aposentados ou pensionistas, sem pessoas com quem se preocupar materialmente, fiquem em casa, no máximo dêem uma voltinha pelo quarteirão e voltem logo ao aconchego.

Sobre aquele estoque de ‘bens essenciais’ que formei no começo da pandemia, no Natal passado doei quase tudo a entidades beneficentes, para repassarem a pessoas carentes. Foi uma burrice minha comprar aquilo tudo de uma vez.

Luiz David

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