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LUIZ VIANA DAVID ESCREVE SOBRE O FERIADO DE 1º DE MAIO EM PARÁ DE MINAS

1º de Maio

Primeiro dia de Maio de um ano qualquer entre 1940 até meados da década de 1970. São cinco horas da manhã, de repente, com intervalos de alguns segundos, potentes foguetes começam a explodir sobre a cidade de Pará de Minas. A maioria dos habitantes acorda com o foguetório, os de ouvidos mais sensíveis já ouvem ao longe os acordes da banda de música Santa Cecília, desfilando pelas ruas centrais, na madrugada fria do outono, executando aqueles famosos dobrados marciais. É a alvorada festiva em comemoração do “Dia Internacional do Trabalho”  que em Pará de Minas por algumas décadas foi bastante celebrado.

Terra de operários, desde o inicio do Século 20 que algumas centenas de operários fazem rodar os teares das fábricas de tecidos. Centenas deles tiram seu sustento do suor que deixam na lavoura. Muitos outros  labutam em pequenas fábricas, carpintarias, cerâmicas e olarias, no comércio, na “fábrica-escola” , nas oficinas mecânicas, ou no volante dos a cada ano mais potentes veículos motorizados. Pará de Minas é uma cidade fabril. E febril.

O 1º de Maio é consagrado a esses heróis anônimos, que a exemplo de milhões de outros  companheiros espalhados por todo o território nacional, dão a sua parcela de contribuição ao progresso do país.

É um dia de festa. E no Pará de Minas ela começa cedo, com a alvorada. Às sete da manhã por ser a população 99% católica, a festa começa obrigatoriamente com uma missa ao ar livre. Neste ano a cerimônia acontece no novíssimo estádio Ovídio de Abreu, o campo do Paraense, no centro da cidade, inaugurado em 1950. Mas podia ter sido numa das praças centrais, ou no Largo do Toniquinho, o primeiro nome da Praça da Independência, ainda de terra batida.  Diversos padres concelebram a missa, que tem ativa participação dos operários de todos os setores. Grande parcela dos presentes recebem a hóstia em comunhão.   É um evento familiar, dezenas de familias se reúnem para assistirem à cerimônia e se confraternizarem.

Encerrada a parte litúrgica, o público vai todo para as arquibancadas do estádio,  acompanhar de perto as atividades recreativas, sorteio de brindes e entrega de prêmios aos operários-padrão.  É hora de descontração com a corrida do saco, do ovo na colher, da cabra cega, brincadeiras inocentes que levam a multidão a se divertir a cada gafe cometida pelos participantes. As horas passam rapidamente e já é  quase meio-dia quando a primeira etapa das celebrações chega ao fim. É o momento de pausa para o almoço, ou para quem preferir, de uma cerveja num dos bares da cidade, mais próximos do campo, porque às 13 e 30 começa a tarde esportiva, que coloca em confronto os times das fábricas de tecidos.

Geralmente, o torneio dos operários começa algumas semanas antes, de forma que no 1º de Maio, o primeiro jogo da tarde é para a decisão do terceiro lugar e logo após, a decisão do título. O estádio está lotado, com alguns milhares de torcedores, que vibram com as jogadas dos colegas de trabalho, muitos deles, craques consumados, que atuam nos times da cidade. A partida termina empatada em três gols, as duas equipes mereceram  ganhar. Os atacantes jogaram como nunca, e os defensores suaram sangue na defesa de sua meta e os goleiros realizaram milagres em defesas fenomenais. E assim, a Comissão Organizadora decide declarar as duas equipes ganhadoras da taça do terceiro colocado. A decisão salomônica é aplaudida por todos.

Vai começar a partida decisiva do Torneio Operário. No centro do gramado, a Rainha dos Operários e suas Princesas , são cumprimentadas pelos atletas e pelos diretores das fábricas.  O árbitro da partida trila seu apito e um “benfeitor” da classe operária, cujo nome a história esqueceu, da o chute o inicial da peleja. Ao deixar o gramado, o figurão recebe alguns aplausos, muitas vaias anônimas e alguém o xinga de pelego,  palavra então muito evidenciada naquelas épocas.

Frente a frente estão os times representativos da Companhia Industrial Paraense e da Tecelagem Pará de Minas, a “fábrica do Sítio”.  Grandes craques do futebol amador recheiam as duas equipes; raramente se viu tanto equilíbrio na formação das equipes. O jogo é empolgante, bonito, com jogadas de grande plasticidade; e muitas vezes ríspidos, como devem ser as partidas de futebol amador.  A Industrial Paraense quer ganhar a terceira taça consecutiva do torneio; o novo time da fábrica do Sitio, faz de tudo para quebrar a hegemonia do rival. O juiz Dico Espora, com seu estilo diplomático, apita o primeiro tempo, que termina sem abertura do placar. No segundo tempo é substituído pelo colega Antonio Mão de Onça. A mudança de árbitros foi resultado de um acordo entre as as diretorias dos dois times, pois cada uma vetava um dos árbitros.  Ao final, novo empate em 3 a 3. E de novo, um acordo divide o título. Mas a diretoria da fábrica do Sítio já avisa antecipadamente que “ano que vem não haverá acordo”.  E assim, acende as dicussões com um ano de antecedencia e garante o sucesso da próxima disputa.

Às sete da noite que se prenuncia fria, quase toda a população já está no adro da velha igreja matriz, esperando a saída do andor com a imagem de São José Operário, para acompanhá-lo em procissão pelas ruas centrais da cidade. O andor é carregado exclusivamente por operários, que disputam o privilégio quase à tapas. Depois da procissão, são abertas as barraquinhas tradicionais do mês de Maio, que vão garantir grande movimentação nos finais de semana seguintes. Tempo de paqueras, flertes, porres homéricos, de encontros e despedidas.

Para finalizar o dia, finalmente, na sede do Sindicato dos Tecelões, o baile de coroação da Rainha dos Operários.

Por algumas décadas foi simples assim. E foi muito bom.

Luiz David

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