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NAS ONDAS DO RÁDIO

Pará de Minas foi a última grande cidade do centro-oeste mineiro a ter a sua emissora de rádio AM. O fato causava um certo desconforto nos paraenses de Minas, que por mais orgulhosos se sentissem com o progresso da cidade, visível em todos os setores de atividade, viam naquela lacuna  um arranhão  na sua auto-estima coletiva. Divinópolis, Itaúna, Bom Despacho, Dores do Indaiá, todas tinham a sua emissora de rádio, para nossa inveja,  mas Pará de Minas não. Como podia ser assim? A cidade teve um filho  no cargo de governador por treze anos; tinha deputados federal e estadual; o ex-governador virou senador, mas a emissora de rádio do Pará de Minas nunca entrava no ar, nunca passava da categoria de sonhos irrealizáveis.

Na cidade ouvia-se muito as emissoras de Belo Horizonte: Guarani, Mineira e a rádio Inconfidência, pertencente ao governo do Estado, fundada pelo governador Benedito Valadares,  a segunda mais poderosa emissora do país, ouvida em toda a América do Sul. só perdendo para a Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Durante décadas a Inconfidência foi lider absoluta de audiência em Pará de Minas. Nas suas campanhas de publicidade e nas chamadas, seus locutores se referiam à rádio como “o gigante do ar”. E era mesmo uma gigante poderosa. Sua audiência só diminuía durante a noite, quando emissoras de Rio e São Paulo disputavam com ela a preferencia  dos ouvintes. A rádio Inconfidencia era motivo de orgulho dos mineiros e tinha uma grade de programação bem eclética. Um dos campeões de audiência era o programa  vespertino “A Hora do Fazendeiro”, criado, produzido e apresentado pelo agrônomo João Anatólio Lima. O programa foi ao ar pela primeira vez em 1936, tão logo a emissora entrou em funcionamento, e ainda hoje, em 2015,  setenta e nove anos depois,  segue imbatível na preferencia dos ouvintes da emissora. João Anatólio Lima, o agrônomo, viveu alguns anos em Pará de Minas. Os filhos dele, Jairo Anatólio, Galba Emilio e Jugurta Anatólio, todos trabalharam na Inconfidência como locutores. Jairo Anatólio, foi, sem dúvida, um dos mais completos narradores de futebol do Brasil e indiscutivelmente o mais famoso de Minas Gerais. O filho Galba Emilio Lima, foi o único filho do casal João Anatólio/Dona Isaura a nascer em Pará de Minas, em 1º de Novembro de 1926.

Sempre acreditei e ainda não mudei de idéia, que Pará de Minas não teve logo uma emissora de rádio, já década de 1940, ou 1950, por falta de interesse de seus maiorais na política. O principal lider, Valadares, era avesso à publicidade, costumava dizer que “conversa de mais de três é comício”; era adepto da conversa ao pé do ouvido, de cochichos intermináveis; não tinha o hábito de dar entrevistas, nem para jornais, nem para rádios , muito menos para a televisão. Muitas vezes expunha seu ponto de vista através de interlocutores correligionário políticos. Valadares certamente mantinha um pé atrás no relacionamento com a imprensa. Via o rádio como fator de progresso, tanto que fundou a Inconfidência e incentivou a criação de outras emissoras pelo interior, principalmente em cidades consideradas redutos de adversários políticos, com a visível intenção de enfraquecê-los. Mas uma emissora em Pará de Minas, sua terra natal, onde havia sido vereador e prefeito, talvez nunca tenha sido de seu interesse. A idéia de se criar uma emissora em Pará de Minas era antiga, mas nunca explicitada. As pessoas temiam contrariar o velho soba Valadares, que finalmente entregou sua alma ao criador, em 3 de março de 1973, um domingo de carnaval

No começo da década de 1970 retornaram a Pará de Minas, aposentados de suas carreiras no serviço público, os patafufenses Geraldo “Dinho” Duarte Marinho, após profícua carreira na Receita Estadual; e Jackson Campos de Almeida, radialista e seresteiro famoso, com longa passagem pela Rádio Inconfidência. Os dois então uniram suas forças e passaram a dedicar a maior parte de seu tempo em sucessivas viagens a Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Brasilia, na tentativa de obterem a concessão de um prefixo que permitisse a instalação de uma rádio na cidade. Principalmente a esses dois pará-minenses da gema, Dinho Marinho e Jackson Campos,  a cidade deve o nascimento da Rádio Santa Cruz, que finalmente entrou no ar em 12 de outubro de 1979. Claro que houve apoio indispensável dos prefeitos da época: Walter Martins, José Gentil e José Porfirio; da Câmara Municipal, da ASCIPAM, dos clubes de serviços e dos parlamentares majoritários na cidade, principalmente do deputado federal  Raul Bernardo Nelson de Sena, sobrinho do ex-governador Israel Pinheiro.  Lembro-me bem de que Dinho Marinho, gostava muito de se referir ao empresariado da cidade usando a expressão “Forças Vivas”. Pois de fato não faltou apoio das tais forças vivas. Para dar um tom de neutralidade política na sociedade anônima que assumiria a direção da rádio, foi convocado o vigário Padre Hugo da Costa Bittencourt, que também adquiriu algumas centenas de ações da empresa. No Pará de Minas, historicamente, a Igreja sempre foi a desatadora de nós políticos, desde os tempos do Vigário Paulino Alves da Fé, passando depois pelo sucessor dele, Padre Zeca, mais tarde pelo Padres José de Sousa Nobre, padre José Viegas,  e neste caso, padre Hugo.

Em 2019 a Rádio Santa Cruz  completará o seu 40º aniversário de fundação. Até aqui, são trinta e seis anos de história e muitos causos. Dezenas, centenas deles, envolvendo os profissionais que lá trabalham ou trabalharam um dia. Alguns já morreram e entraram para a história da emissora, muitos ainda continuam na ativa, quase quarenta anos depois, entre eles Myrtes Pereira, Amilton Maciel, Jesus Geraldo, Geraldo Rodrigues, Serginho Canarinho. Outros ainda, seguiram em frente. depois de aprenderem o oficio na “Santinha” forma carinhosa como todos se referem à rádio,

Em 1994, com a morte de seu principal diretor e acionista, o industrial Alano Melgaço Barbosa ocorrida em 1992, deu-se um fato inusitado. Os herdeiros do falecido diretor não se interessaram pela administração da  emissora. Para evitar que a empresa fosse parar em mãos    deletérias, novamente a Igreja Católica foi chamada, quando então a Diocese de Divinópolis adquiriu o controle acionário da sociedade. Desde então a Rádio Santa Cruz está sob a direção firme e dinâmica do padre Geraldo Gabriel de Bessa, que gosta de dizer que até chegar à rádio, o único microfone que conhecia era o do púlpito. Padre Gabriel também gosta de se apresentar como “um caipira” da cidade de Araújos, bucólica cidadezinha que fica sessenta quilômetros a oeste de Pará de Minas. Para um caipira Geraldo Gabriel até que se saiu muito bem, pois revelou-se um comunicador dentre os melhores de Minas e um administrador respeitado, que transformou a Rádio Santa Cruz numa potência do interior de Minas e modelo para as suas congêneres.

Eu não poderia finalizar esta crônica sem contar dois episódios pitorescos envolvendo a rádio. O primeiro, logo nos primeiros meses depois da inauguração, durante uma reunião da diretoria, um dos diretores, comerciante abastado, grande anunciante, sugeriu como forma de aumentar a receita da empresa, que se cobrasse uma taxa de audiência dos ouvintes. Assim como a Cemig cobra pela luz e a Copasa pela água. “Porque a rádio não pode cobrar de quem usufrui de sua programação?” perguntou ele. Claro que a ideia não prosperou e ainda acabou vazando para o público externo, entrando para a galeria   das grandes gafes municipais.

O outro episódio teria sido cômico se não tivesse tido um final quase trágico. No final do mês do mês de outubro de 2002, o deputado Antonio Júlio, então presidente da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, resolveu oferecer uma cervejada aos seus correligionários para comemorar a sua quarta eleição consecutiva para o cargo de deputado estadual. O evento foi marcado para a praça Simão da Cunha, no centro da cidade e transcorria  animado, com muita cantoria e cerveja  à vontade. Apenas um senão, do alto do caminhão onde estavam as caixas de cerveja, as pessoas que distribuiam  a bebida, talvez por falta de maldade, não a entregavam  em copos descartáveis, mas sim, diretamente as latinhas. Espertamente, dezenas de pessoas começaram a pegar as latas e mais latas e a guardá-las, nos carros, em sacolas, etc. com a intenção de levá-las para casa. Cerca de três mil pessoas estavam na praça, e assim o estoque de latinhas logo acabaria. Eu que estava por alí, logo percebi o perigo. Seria preciso muita habilidade para acabar com a festa sem que as milhares de pessoas percebessem que a cerveja estava acabando por causa de um erro estratégico na distribuição. Então, subi no palanque e tomei o microfone das mãos do animador Guarujá, pedi silencio e atenção dos presentes para a noticia de um infausto  acontecimento e informei com todas as letras o falecimento do vigário Padre Hugo, ocorrido há menos de meia hora no hospital em Belo Horizonte, onde estava internado em estado comatoso, há mais de três meses.Era um blefe meu, mentira deslavada, mas as pessoas acreditaram e foram se retirando silenciosamente para suas casas, algumas até choravam. Um silêncio de cemitério pairou sobre a praça. Acontece, que o locutor Sergio Canarinho, que apresentava ( e continua apresentando) a programação da madrugada na rádio Santa Cruz, estava nas imediações da praça e ouviu a noticia que eu acabara de dar. Correu rapidamente para a emissora e tão logo entrou no ar, pouco depois das vinte e três horas, repassou a noticia (falsa, mas ele não sabia) do falecimento de Padre Hugo. Foi uma confusão total na emissora. Sozinho no estúdio Serginho não sabia se atendia o telefone, se tocava música ou se repetia a noticia. Padre Gabriel que estava em casa, já deitado,  ouvia o rádio. Assustou-se com a noticia e correu para a a emissora, a fim de melhor informar-se, constatando logo o blefe.  De minha parte confesso que fui imprudente, mas ao mesmo tempo acredito que impedi uma tragédia, que certamente aconteceria, quando fosse anunciado o fim do estoque de cerveja. Sem saber nada do acontecido, Padre Hugo continuou o seu calvário, vindo a falecer  uns trinta dias depois. (Luiz Viana David)

Luiz David

One Comment

  1. Falando em rádio e narrador esportivo, lembrei-me do Zico “Mãozinha” narrando jogos do Paraense pelo alto-falante do estádio. Já ouvi dizer do famoso comentário durante uma dessas transmissões: “Puta que pariu, bateu na trave…”.
    Abraço

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