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NOME DE RUA

NOME DE RUA

Nada irritava mais o inesquecível professor, jornalista e advogado Pedro Moreira Mendonça do que a placa alusiva ao nome de uma rua no bairro São Luiz, que por obra e graça da Câmara Municipal homenageia a saudosa matriarca Inésia Moreira Mendonça, mãe do professor. Aconteceu que na placa o nome da professora Inésia foi grafado conforme a antiga ortografia do idioma português que foi reformado em 1941, há quase oitenta anos. As gerações que vieram depois da reforma ortográfica entenderam de dar voz à letra “G” constante na certidão de nascimento de dona Inésia e assim para essas gerações o nome Inésia se transformou em Ignésia, com a pronúncia da letra G, que mudou o nome da veneranda senhora para Iguinésia.  Certa vez na fila do pão na Padaria Guimarães, o professor ouviu um freguês informar a outro sobre o seu endereço, dizendo com todas as letras: – estou morando no bairro São Luiz, rua professora Iguinésia Moreira.  Diplomaticamente como era de seu feitio, Pedro Moreira dirigiu-se ao vizinho de fila e disse-lhe que havia pronunciado de forma equivocada o nome da rua, que não era Iguinésia, mas sim, simplesmente Inésia. O sujeito, de maus bofes pelo visto, reagiu mal-educadamente perguntando: – e quem é o senhor para me corrigir, se na placa está escrito Iguinésia, com gê? Com imensa modéstia Pedro respondeu ao sacripanta:- eu sou apenas filho da professora Inésia, que sempre foi chamada assim, pelos filhos, alunos, pelo povo do Pará.  Aquele “G” no nome que está na placa caiu em desuso há uns cinquenta anos. É Inésia o nome de minha mãe, aquele “G” é mudo. O sujeito resmungou alguma coisa sobre letras mudas e línguas mortas, pagou pelas bisnagas e foi-se embora, deixando para trás o indignado professor que por algum momento deve ter acreditado na vitória da ignorância sobre o bom senso.                                                                                                                                                    Antes da reforma ortográfica de 1941, a palavra “farmácia”  por exemplo, era grafada pharmácia, com “PH”  e ninguém dizia que ia à “parmácia” do Raimundinho Leite.  São inescrutáveis os mistérios do gênero humano.        Fico pensando no meu falecido tio, o maquinista da RMV Emídio Melo, cujo nome de registro  se escrevia com uma letra “G” perdida entre as outras: Emigdio para uns ou Egmidio para outros e ele odiava a confusão, mas costumava quando jovem dar uma coça num conhecido que insistia em pronunciar o fatídico “gê” , tratando por Eguimídio.       Dona Inésia pelo menos nunca teve de ouvir alguém chamando-a  de Iguinésia.

Meu querido amigo Jesus Silva, programador da rádio Raiz FM, morador da Rua Sesquicentenário (CEP 35660-237), que fica no Bairro São Pedro , disse-me certa vez que é comum receber correspondência em casa, com o nome da rua escrito equivocadamente, tipo r”ua Sexo Centenário”; “Sexi-centenário” e outras variações inacreditáveis, que remetem ao kama- sutra . O nome faz referência ao sesquicentenário (150 anos) da Independência do Brasil (rsrsrs) comemorado em 1972.

A Rua Coronel Bernardino no centro da cidade, onde nasceu o próspero comerciante José Mizael das Lojas Chá de Panela, por mais de cem anos foi chamada de “Rua do Sapo “. A Rua Cardeal Hugolino  começa na rotatória da Rua Porciúncula no bairro São Francisco e termina nos altos do bairro Dona Tunica. Indo ao Google fiquei sabendo que o Cardeal Hugolino depois foi eleito Papa e adotou o nome de Gregório IX. Era sobrinho do Papa Inocêncio III, nome da rua que rodeia a rotatória mencionada, onde começa a Cardeal.  Ou seja, aquela esquina do churrasquinho mais famoso da cidade tem muita história.  Já Porciúncula, nome meio esquisito, é apenas uma pequena igreja fora de Assis, região onde viveu São Francisco, na Itália(ninguém pode com o Google). Aliás São Francisco além de dar nome ao bairro, cede a uma praça o cognome pelo qual ficou também conhecido :  “Il Poverello” que nada mais significa no idioma do ex- atacante Paolo Rossi do que  “O Pobrezinho”, e uma das ruas que termina nesta praça se chama justamente Rua de Assis, onde tiveram residência por muitos anos meus afilhados Myrtes Pereira e Walter Gottschalg.

Já a Rua Major Fidélis sempre foi chamada pelos de minha geração de “Rua do Sabuco”, é que nos primeiros tempos do arraial do Patafufo, ali nas imediações do Museu Histórico de Pará de Minas, existiu um moinho que transformava em fubá o milho produzido em toda a região. Os sabugos das espigas  então eram amontoados na rua, daí o nome. A nova nomenclatura custou a pegar  apesar do enorme prestigio do major, pois o antigo nome era mais simpático ao povo.                                                                                                                                                                                   E a Rua Escandalosa? Na verdade foi muito escândalo por  coisa de pouca monta. Entre outubro de 1945 a janeiro de 1948, Pará de Minas teve nada menos do que seis interventores ocupando o cargo de prefeito. O último deles, Carmério Moreira dos Santos, ficou no cargo entre 16 de abril de 1947 até 03 de janeiro de 1948, quando transferiu o poder ao primeiro  prefeito eleito pelo voto popular em Pará de Minas, o  Padre José Viegas da Fonseca.                         Eram tempos bem difíceis pós queda do ditador Getúlio Vargas e do governador Benedito Valadares. Os políticos digladiavam entre si pelo poder, daí a elevada alternância no cargo em pouco mais de uma ano.  Carmério Moreira era um dos proprietários da área onde foi aberta a via  que começa na Rua São José e termina na Travessa Ricardo Braga (onde fica a sede do Sindicato Rural), na Várzea. O interventor/prefeito resolveu abri-la às expensas da prefeitura, pois considerava que toda população seria beneficiada com a nova opção de acesso ao bairro da Várzea, o que era verdade. Os adversários políticos do interventor então promoveram grande boataria visando prejudicá-lo e a rua, de aproximadamente cem metros de extensão,  virou a “Rua Escandalosa”. Com o passar dos anos a maldade dos boatos cedeu lugar ao reconhecimento público da obra que foi chancelado pela Câmara Municipal que oficialmente batizou-a de Rua Prefeito Carmério Moreira dos Santos. Pelo que se viu de atitudes de alguns prefeitos que vieram depois, agindo desabridamente em proveito próprio, a ação de Carmério Moreira não passou de um pecado venial, daqueles que os padres mandam o penitente pular na hora da confissão. (Significado de venial. Merecedor de perdão (vênia); que se consegue desculpar; perdoável: comportamento venial. [Religião] Diz-se do pecado que não é muito grave e pode ser facilmente perdoado; que não é considerado um pecado mortal. Etimologia (origem da palavra venial). Ai de mim e não fosse o Google.

Luiz David

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