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O JULGAMENTO DO SÉCULO

O Julgamento do Século, por Marco St.

Compartilhado do blog do Luis Nassif

“Julgamento do século” é hoje uma expressão totalmente banalizada.

Mas sim, houve nos anos 20 do século passado, um caso que mereceu ser chamado pela primeira vez desta forma, por tudo o que representou e representa até hoje, apesar de que tecnicamente, nem julgamento foi.

Um caso que ganhou repercussão nacional nos EUA e depois no mundo todo. Em um dado momento o mundo discutia a filosofia de Nietzsche e questionava a pena de morte.

Estou me referindo ao crime cometido em Chicago, no ano de 1924,  pelos brilhantes estudantes e amantes Nathan Freudenthal Leopold, Jr. e Richard Albert Loeb (Leopold e Loeb).

 

Os dois jovens que pertenciam a duas das famílias mais ricas e prósperas de Chicago eram extremamente inteligentes. Leopold com 19 anos era superdotado e já havia se formado na faculdade de direito. Loeb era o mais novo graduado da Universidade de Michigan.

Eis que em seus costumeiros debates intelectuais os dois resolveram planejar um assassinato, cometer o “crime perfeito” , inspirados, diriam eles,  por Nietszhe e sua obra (em especial OUbermensch  “Além-Homem” ou “Super-Homem”.

A vítima escolhida foi um garoto de 14 anos, primo de Loeb, chamado Bobby Franks

O garoto foi atraído para o carro pelos dois e assassinado com uma pancada na cabeça por um objeto de ferro efetuado por Loeb. Posteriormente os dois esconderam o corpo e jogaram ácido para tentar evitar a identificação. Escreveram uma carta aos pais de Frank simulando um sequestro e um pedido de resgaste.

O que os dois não esperavam é que um trabalhador local encontrou o corpo do garoto em um terreno isolado e a polícia achou junto ao corpo um par de óculos com uma armação rara e sofisticada. Em Chicago, apenas 3 pessoas tinham comprado o modelo. Uma delas era Nathan Leopold.

Todos os álibis que tentaram forjar caíram por terra. Os dois acabaram confessando e a imprensa começava ali uma cobertura midiática jamais vista. Leopold e Loeb deram inúmeras entrevistas explicando em detalhes o crime. A “razão” do cometimento do crime abalou profundamente a sociedade local e depois a nacional.

O julgamento se tornou um espetáculo da mídia. A família de Loeb contratou Clarence Darrow, um advogado que viria a se tonar uma lenda do direito americano. Darrow não se importava muito com a aparência. Andava com os cabelos desgrenhados e roupas sujas, mas já era famoso por ter defendido casos de assassinatos rumorosos na época e por seu protagonismo na defesa dos direitos civis. Ele odiava os religiosos fundamentalistas. A imprensa sensacionalista dizia que ele receberia 1 milhão de dólares por sua atuação. Na verdade recebeu 100 mil dólares divididos entre toda a sua equipe.

Darrow surpreendeu a todos quando os dois se declararam culpados. Dessa forma evitou um júri popular , que ele acreditava que poderia condenar seus dois clientes à pena de morte. Em vez disso,  pôde montar o caso em frente a apenas uma pessoa, o juiz  Jonh R. Caverty.

Chamou para testemunhas todos os melhores especialistas de comportamento humano da época. Médicos e psicanalistas. Darrow inclusive convidou Sigmund Freud para testemunhar. Ele só não foi porque já estava com sérios problemas de saúde e idade avançada para a viagem.

Durante as doze horas do último dia de julgamento, Darrow fez uma exposição, considerada a melhor de sua carreira. O discurso antológico, e que na verdade era mais do que uma tentativa de defesa, mas sim um líbelo contra a pena de morte,  incluía: “Esse terrível crime era inerente a esses garotos, … que havia se originado no passado … devemos culpar alguém que tomou os ensinamentos de Nietzshe em sua vida? … devemos realmente condenar um garoto de 19 anos pela filosofia que foi obrigado a absorver na faculdade?”  Os jornalistas presentes no tribunal afirmaram que ao final do discurso de Darrow muitos presentes estavam às lágrimas, inclusive o próprio Caverty. O juiz sentenciou Leopold e Loeb a prisão perpétua por assassinato, adicionados 99 anos pelo sequestro. Escaparam da pena de morte.

Anos mais tarde Loeb foi morto por outro prisioneiro e Leopold chegou a ser solto décadas depois. Escreveu um livro sobre o assunto. Morreu em 1971.

O impacto deste crime, da origem e do tórrido envolvimento amoroso dos assassinos, do julgamento, da atuação magistral do advogado e todas as suas consequencias, inclusive filosóficas,  impactaram profundamente a sociedade ocidental e em especial o mundo cultural.

A peça teatral “Rope” foi a primeira inspirada diretamente na filosofia do crime. Com o mesmo nome,  Alfred Hitchcok a adaptou para o cinema em 1948. No Brasil o filme se chamou Festim Diabólico.

 

Richard Fleischer em 1959 dirigiu o filme “Compulsion”,  (Estranha Compulsão ou Gênio do Mal). O destaque do filme é a atuação dos atores Dean Stockwell, Bradford Dillman e Orson Welles. Aqui, ao contrário do filme de Hitchcock, o foco do filme é o julgamento. Orson Welles só aparece na parte final do filme (fazendo o advogado da dupla). As 12 horas de discurso original de Darrow foram aqui condensadas e interpretadas magnificamente por Welles em um monólogo dos mais extensos já filmados por Hollywood na época.

Além desses filmes clássicos, há outras dezenas também inspirados no “crime perfeito”, no julgamento, (Hollywood produziu toneladas de filmes de julgamentos), na vida de Leopold e Loeb, e claro, na extraordinária vida de Clarence Darrow e suas atuações nos tribunais..

    

A trama também foi adaptada para inúmeros seriados de TV, literatura, música, bem como para livros sobre filosofia, psicologia, crimes, adolescentes, direito e etc.

Luiz David

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