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Os Bate Paus

OS BATE-PAUS

No dia 31 de março de 1964 o general Olímpio Mourão Filho comandante da 4ª Região Militar, sediada em Juiz de Fora, colocou na estrada as tropas sob seu comando e deu início ao movimento que resultaria na deposição do presidente da república, João Goulart, e na implantação do regime militar no país pelos vinte e um anos seguintes.
Em Belo Horizonte, o governador José de Magalhães Pinto se auto-proclamou “chefe civil da revolução” (na verdade foi um golpe) e determinou que tropas da Policia Militar de Minas Gerais invadissem o Distrito Federal/Brasilia e o ocupassem militarmente.
Para executar as ordens do governador/comandante em chefe da PM, os coronéis reuniram na sede de seus batalhões todos os efetivos da PM em serviço nos destacamentos espalhados por todos os municípios mineiros. No mesmo dia tropas mineiras alocadas em regiões próximas ao DF entraram em Brasília, sitiando o Congresso Nacional e guardando aeroporto, estação rodoviária e vias de acesso à capital. A ocupação de Brasília pela Policia Militar mineira durou muitos dias.

Nas cidades do interior, de repente sem o policiamento habitual feito pela PM, a solução encontrada pelos líderes do movimento para não deixar as populações desamparadas, foi a de convocar imediatamente para o serviço, aqueles conscritos, reservistas de primeira categoria, que tivessem prestado o serviço militar (no Exército, Marinha ou Aeronáutica) em anos recentes. Em Pará de Minas, aproximadamente trinta reservistas foram convocados, a maioria nascida no ano de 1938, que parece ter sido na história o ano que maior número de jovens paraenses prestaram o serviço militar. Entraram para os anais com o nome de “Bate-Paus”. Esse tipo de tropa alternativa não era uma novidade. Em muitas cidades pequenas, distantes dos grandes centros, colaboravam mesmo com a Policia Militar, ajudando a fazer a segurança pública. E nos momentos de convulsão nacional estiveram sempre a postos.

Em Pará de Minas, o comando da tropa, digamos assim, foi dividido entre o sargento da PM, já reformado, Daniel de Oliveira Barbosa, o delegado municipal de polícia Bruno Marinho e o militar reformado Álvaro Firmiano da Silva, o Álvaro Soldado, que prestava serviços no setor de trânsito e veículos da delegacia e exercia o mandato de vereador.
Os bate- paus formavam um grupo bem heterogêneo que teve em suas fileiras operários, bancários, lojistas, trabalhadores do campo, sapateiros, carpinteiros, enfim, um extrato perfeito da sociedade daquele tempo.
Já no primeiro dia sargento Daniel enquadrou a turma em demorados exercícios de ordem unida e numa longa palestra esclareceu a todos o que estava se passando no Brasil naquele momento. Cobrou seriedade no exercício das funções e também fineza no trato com a população, cuja segurança estava entregue ao destacamento. Foi feita a escala das funções, definindo a guarda da cadeia e dos prédios públicos; a ronda pelas ruas da cidade e da zona boêmia (esta, solicitada por quase todos os rapazes solteiros, habitués do lugar). A idade média da tropa de bate paus era de vinte e cinco anos, todos eles portando uma espécie de cassetete de madeira, de uns oitenta centímetros de comprimento e pesado o bastante para causar dor no lombo de algum civil incauto que se metesse a engraçado.
Entre outros, lá estavam: o carpinteiro Roque Mendonça (Roque do sô Joaquim da Gabriela), o bancário Antonio Marinho (do sô Antonio Agente, chefe da estação da RMV), o bombeiro hidráulico José David (Zé da Bia do Antonio David), o comerciante José Raimundo dos Santos (o Rato da Mobiliadora), o dentista-prático Wanderlei Almeida (o Deleizinho do Wanderlei dentista), o comerciante Vicente Porfírio de Oliveira, o Tente; o comerciante João Bosco Mendonça, o operário Osvaldo Araújo Viana, o bancário e futebolista profissional Mário Eleutério; José Marinho, funcionário da companhia de telefones; o comerciário João Batista Duarte (João do Venâncio); o comerciante Ronaldo de Castro Alves (o Nadinho, que anos depois seria eleito vereador), o servidor do DER Walter Rezende, o contabilista Heli Teixeira Filho, além de vários outros cujos nomes me escapam e que os leitores podem ajudar-me lembrando o nome de cada um.

Os bate-paus não tiveram vida boa naqueles dias, pois havia muito trabalho a ser feito, apesar da população ter colaborado demais pela manutenção da ordem pública. Circulavam pelo centro da cidade em duplas, desmanchando grupinhos com mais de três pessoas que inadvertidamente se juntavam para comentar os acontecimentos, o que era proibido. Fiscalizavam as sessões dos dois cinemas, o footing na Rua Direita; advertiam um ou outro bêbado mais entusiasmado; zelavam pelos presos da cadeia pública, que não eram muitos e resolviam as pendências que apareciam. A ronda na velha estação rodoviária era uma das favoritas, pela movimentação do lugar.

Na zona boêmia, aqueles escalados para a ronda, aproveitaram da situação para atemorizar os amigos “paisanos”, ameaçando prendê-los caso saíssem da linha, como foi o caso de Zé da Bia, o mais entusiasmado dos bate-paus e talvez o mais popular e querido dentre todos. Pois Zé da Bia ameaçou prender seu primo Hélio Ferreira, o Chocolate do João da Candinha, se o visse nas ruas depois das dez da noite. E Chocolate receoso, antes das dez já estava em casa, na Rua Alferes Esteves, e Zé da Bia só de maldade passava por lá de madrugada para conferir se o primo já estava de fato na cama. Os dois formavam então a mais famosa dupla de amigos da cidade, e eram integrantes exponenciais da famosa “Turma do Londrina”, cujas proezas dariam para preencher um livro com muitas páginas.
Já Antonio Marinho aliviou com os donos de bares da zona, Raimundo Manco e Pastor, permitindo que ficassem com meia porta aberta até por volta de meia-noite. Em troca, depois que voltasse a “vida civil”, teria um desconto especial nas cervejas que bebesse durante um ano.

Quando a situação se acalmou com a posse do general Humberto Castelo Branco na presidência do Brasil, as tropas retornaram aos quartéis e os membros da Policia Militar aos destacamentos de origem, então, o grupo de bate-paus foi dispensado do serviço e dissolvido, com os agradecimentos de toda a comunidade.

Luiz David

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