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PARAÍSO DE MINAS

Paraíso de Minas

Ano 2020. Um dia qualquer na fantástica cidade “high tech” de Paraíso de Minas, que por mais de cento e cinquenta anos foi conhecida como Pará de Minas. A mudança de nome ocorreu recentemente, há menos de dois anos, depois que o prefeito da cidade lançou e implantou em tempo recordista o modelo de gestão que mudou a vida dos mais de cento e quatro mil habitantes da cidade. O lugar desde então se transformou de cidade com alto índice de violência, tráfico de drogas com centenas de usuários dos mais diversos tipos de estupefacientes que levaram centenas de viciados a vagarem como zumbis pelas ruas centrais; infernal tráfego de veículos em suas vias; saúde pública em pandarecos;  assustador nível de desemprego; baixa escolaridade da maioria dos jovens entre doze e 30 anos de idade.  “O inferno é aqui” costumavam dizer os moradores da antiga urbe. que nada mais tinha de pacata e ordeira, muito menos de hospitalidade, uma característica  da urbe desde os tempos do Brasil colonial. Graças ao prefeito tudo mudou: que homem genial, quanta capacidade de gestão da coisa pública; que cérebro é este capaz de resumir a mais alta tecnologia disponível na atualidade, suas fórmulas indecifráveis para o homem comum, mas que ele traduz como se estivesse lendo a primeira lição do “Livro de Lili”, usado na alfabetização de crianças na década de 1950. Tudo é simples e fácil para este monstro sagrado da alta tecnologia, de qual fonte ele bebe tantos e maravilhosos conhecimentos que faz questão de aplicar em benefício de seu povo? Alguns dizem que se trata de um médio vidente que antecipa o futuro; outros há  que  garantem ser ele confidente de seres extraterrestres que o vêem como um igual e merecedor de todas as informações.                                                                                                                                                Estamos em 2020 no Paraíso de Minas e no final do ano vamos reeleger prefeito nosso mágico de estimação. Um abaixo assinado já percorre a cidade, com milhares de assinaturas, para que o próximo mandato do prefeito seja vitalício, quanto mais o glorioso alcaide viver, melhor será para o povo. Já pensaram o que ainda pode sair daquela monumental cabeça? Daqueles neurônios  que ainda têm muito a oferecer ao progresso da coletividade?

É julho de 2020, quanta mudança na cidade. Hoje o sol surgiu ainda mais radiante no horizonte. É inverno, mas ao contrário de outras épocas,  agora a municipalidade dispõe de um dispositivo controlador das temperaturas: nada de frio demais, ou de calor demais; no outono as folhas caem controladamente, os ipês cada vez mais lindos não florescem não por três ou quatro dias apenas, mas por uma quinzena. O venerável ribeirão Paciência, já foi promovido a rio e bem caudaloso. Uma avenida em suas margens, se estende da Matinha até lugar chamado Guardas, novos limites do perímetro urbano. Acabaram-se as queimadas; ao primeiro sinal de fumaça logo no céu aparecem nuvens nimbos que derramam copiosas chuvas num raio de dois quilômetros do local onde o fogo ameaçou o meio ambiente. Que paraíso! Os pássaro cantam e trinam maviosamente, não mais em gaiolas ou viveiros; mas soltos como deveriam ter vivido sempre: pintassilgos, canários, cardeais, pintagóis, até ararinhas azuis são vistas pelos parques e jardins da cidade.. A dengue, a febre amarela, as doenças infantis, a gripe e os diversos tipos de hepatite foram erradicados no perímetro dentro dos limites municipais. A meses que não se têm noticia de novos casos de câncer, de avecês, infartos e tromboses. O paraisense é um povo são. Médicos estão mudando da cidade ou trocando de profissão, pois aqui as pessoas se recusam a adoecerem. Não mais unhas encravadas, nem espinhela caída, nem caspa. Um nobre vereador diante da falta de novos óbitos (as pessoas também se recusam a morrer) propôs que seja cancelada a construção do novo cemitério. Há dois anos que não desencarna ninguém com menos de noventa e cinco anos de idade e esta parece ser a tendência para os próximos séculos. Se a empresa funerária periga falir, no cartório de registro civil o trabalho mais do que triplicou, com o assustador crescimento do índice de natalidade na urbe. Nosso amado prefeito exulta com o fato, quer ver a cidade  com o triplo de habitantes daquela de onde veio, que fica às margens do rio Itapecerica. A meta é chegar ao paraisense de número 500 mil antes de 2035.

A vida é bela. Todos trabalham e/ou estudam. Há vagas nas creches e a FAPAM se transformou numa Universidade com vinte cursos. Os alunos do ensino fundamental estudam todos em escolas municipais, pois a escolas do Estado foram suprimidas aqui, pois o governador se recusa a pagar o salário das professorinhas; todos elas remanejadas  para a rede municipal, com direito a teto salarial equivalente a cinco salários mínimos e aposentadoria garantida pela ParaPrev, que conta em 2020 com dez mil funcionários municipais associados: um modelo para o Brasil.

Obviamente todos os habitantes de cidades vizinhas querem vir morar no Paraíso, considerando o miserê de suas cidades de origem. Mas o grande benfeitor de nosso povo também pensou nisto e criou um cartão super-magnetizado que foi entregue a cada habitante, a cada pessoa que estava dentro de nossos limites naquela data inesquecível. Acompanhando o cartão, foi implantado um chip no dorso da mão esquerda de cada ser humano paraisense. O chip precisa ser compatível com o cartão. Quem não tem o chip é logo localizado pelos drones que voam silenciosamente pelos céus do Paraíso. Visitas são permitidas, mas o visitante não pode demorar mais do que uma semana por aqui; apenas o tempo suficiente para conhecer as maravilhas disponibilizadas ao povo escolhido pelo magnânimo  e benfazejo prefeito. Um antigo colega do prefeito, do tempo em que ele ainda não tinha passado pelo seu próprio Pentecostes,  garante que ele quer o governo de Minas e mais tarde um pouco, a presidência do Brasil; o sonho dele é transformar tudo isto num grande paraíso, para então conquistar a Secretaria geral da ONU e de lá o mundo, incluindo os planetas mais próximos. Marte e Vênus que se cuidem, pois a fé remove montanhas.

Enquanto esse dia não chega, o paraisense de Minas se esbalda com o cartão mágico: de manhã ao adentrar o moderníssimo ônibus elétrico da TURI Enterprises ele levanta a mão esquerda e sensores instalados no interior do veículo captam o sinal emitido e o enviam a centenas de terminais instalados por toda cidade: na delegacia de policia, no quartel da PM e nos postos de policiamento da recém criada Guarda Municipal que já nasceu grande, com um efetivo de mil rapazes e moças. No setor de RH da empresa onde o cidadão trabalha (quatro horas/dia – são seis turnos) a luzinha sobre o nome dele pisca um sinal verde e mostra o tempo que deverá gastar até chegar ao local de trabalho. Quando ele cruza a portaria onde passa o cartão numa roleta, o nome dele é lançado no quadro de presentes e enviado ao restaurante como aviso que chegou mais um para se alimentar -pode ser um lanche rápido ou uma refeição suculenta, com os ingredientes mais ao gosto do trabalhador qu informou antecipadamente suas preferências. Da mesma forma as crianças e estudantes em geral quando saem de casa emitem sinais às suas escolas e respectivas cantinas. Até mesmo os moradores de rua, que insistem em não voltar para casa, se comunicam com os diversos “centros pops”  onde se alimentam, tomam banho e trocam de roupas, fornecidas pela municipalidade.

É tudo moderno em Paraíso de Minas. Iluminação pública agora se chama “parque luminotécnico”, um trem simples que nada mais foi do que a troca de todas as obsoletas lâmpadas de vapor de sódio ou de mercúrio por lâmpadas LED, uma sigla que só o prefeito sabe o que significa. Bacana é que à noite a cidade fica maravilhosa; as lâmpadas aumentam ou diminuem sua intensidade conforme a aproximação de veículos. Em certos momentos a luminosidade é tão esfuziante que da a impressão de ser uma aparição de anjo, daqueles de alta relevância, no mínimo um Gabriel, ou um Miguel.

Se o pacato cidadão sente um ligeiro mal estar, o chip implantado em seu corpo emite um sinal de alerta e em poucos minutos uma ambulância do SAMU vai aonde ele está, levando um médico a bordo; se o caso requerer uma internação esta será providenciada imediatamente, no antigo HNSC, agora um próprio da municipalidade, ou numa das trinta unidades do PSF espalhadas por todo o município. O melhor de tudo é que este incomensurável desenvolvimento foi conseguido praticamente a custo zero para o erário. A merreca de dezesseis milhões de reais que bancou todos esses milagres, veio dos comerciantes filiados à ASCIPAM; ao Banco Federal de Desenvolvimento Social e às emendas parlamentares de um deputado federal que não se pode dizer o nome dele.

Que  bom viver nesta cidade fantástica. Às vezes sinto-me verdadeiro Flash Gordon. Rendo-me ao gênio  deste nosso prefeito. Outro dia o vi passeando em seu veículo preferido pela Rua Direita, um enorme e luminoso carro que mais parecia um carro alegórico da Escola de Samba Beija Flor, onde lá em cima, no lugar de destaque,  ele sentado num trono dourado acenava malemolente  para os transeuntes que lhe faziam vênias respeitosamente.                                Não sei por que veio-me à mente a imagem do Profeta Elias subindo ao céu em uma carruagem de fogo.

Acordo suando em bicas, apesar do frio “senegalesco” (rsrsrs). Vou ao calendário e confiro a data: 22 de agosto de 2018. Foi tudo um sonho.

Deu ruim, mano!

Luiz David

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