0

ROUCO DE TANTO OUVIR

ROUCO DE TANTO OUVIR

(Em 1961, após mais de vinte horas de debates no Congresso Nacional que discutia a emenda constitucional que implantaria o regime parlamentar no Brasil, um repórter perguntou ao senador Benedito Valadares como ele se sentia. O mais sábio dos políticos brasileiros encarou o jovem repórter e respondeu: -Rouco, meu filho. Rouco de tanto ouvir).

Transcorreu no último dia 4 de dezembro o aniversário de nascimento do maior pará-minense de todos os tempos, o professor, advogado e político Benedito Valadares Ribeiro. Num dia como este, em 1892,  nasceu ele na Fazenda Machadão, vila de “Guarda-Mór Salles” atual município de Florestal, na época integrado a Mateus Leme, então distrito da Cidade do Pará, atualmente Pará de Minas. Benedito Valadares Ribeiro era filho de dona Antônia Valadares e do Coronel Domingos Justino Ribeiro. Nosso mais ilustre conterrâneo foi casado com dona Odete Valadares, com quem teve as filhas Helena e Lúcia, nascidas em Pará de Minas. Ele morreu no Rio de Janeiro em    02 de março de 1973, um domingo de carnaval, aos 80 anos de idade.

Benedito Valadares começou sua carreira política em Pará de Minas, onde já exercia a profissão de advogado no fôro da comarca. Elegeu-se vereador em 1922 e re-elegeu-se  em 1926. Neste período integrou-se à bancada de oposição ao coronel Torquato Alves de Almeida, a principal liderança política da cidade nos primeiros trinta anos do século passado (1900/1930). Arguto e perspicaz percebeu logo que caso se alinhasse ao coronel Torquato teria poucas chances de sucesso na carreira política. Foi no entanto um adversário leal do velho manda-chuva, atuando sempre como conciliador nas refregas entre seu grupo político e aquele integrado pelos donos do Poder municipal. Além de advogado militante, com banca instalada, reconhecido como um dos melhores da região, Benedito Valadares foi professor de curso ginasial e jornalista atuante em periódicos locais.

Em 1930 quando estourou a Revolução da Aliança Liberal chefiada pelo governador gaúcho Getúlio Dornelles Vargas, o vereador Benedito Valadares aderiu logo à Revolução. Para muitos paraenses daquela  época, foi uma decisão precipitada a de Valadares, pois a Revolução de Vargas, mesmo apoiada por Rio Grande do Sul, Minas e Paraíba, podia fracassar, caso houvesse a esperada reação do governo federal (Presidente Washington Luiz) apoiado por São Paulo e pela maioria dos demais estados da Federação. A reação legalista não passou de algumas escaramuças entre as tropas do governo e os rebeldes. Estes, o dia três de outubro se dirigiam de trem, a partir de Porto de Alegre rumo ao Distrito Federal, a cidade do Rio de Janeiro. No dia  24 de outubro o presidente Washington Luis que se preparava para passar o cargo ao seu sucessor, Júlio Prestes, foi deposto e preso pelas Forças Armadas, representada pelo general Augusto Tasso Fragoso, Ministro da Guerra. No dia 31 de outubro o trem conduzindo Vargas e sua tropa rebelde chegou ao Rio de Janeiro, onde foram recebidos entusiasticamente pela população. Exatamente um mês depois de deflagrado o movimento Getúlio Vargas recebeu a Chefia do Governo das mãos do general Tasso Fragoso, e no governo Vargas permaneceria nos quinze anos seguintes.

Entrementes, em Pará de Minas, o vereador Benedito Valadares tomou aquela decisão que muitos conterrâneos julgaram afoita. Valadares percebeu a indecisão de seu adversário em tomar posição, pois até então era aliado antigo de Fernando Melo Viana antigo Presidente (governador) do Estado (1922/1926)  e vice-presidente da República no mandato de Washington Luis. Coronel Torquato, bem ao seu estilo, costumava agir somente após medir os prós e os contra de qualquer decisão que fosse tomar. Enquanto o velho líder pensava, o vereador Benedito e outros cinco companheiros, todos armados de espingardas, dirigiram-se ao Paço e assumiram o governo municipal em nome da Revolução Liberal Aliancista. O agente executivo (prefeito) tenente Júlio de Melo Franco, partidário de Torquato de Almeida, não estava na prefeitura quando os revoltosos chegaram.  Benedito Valadares era um político liberal. A família materna dele atuava no Partido Liberal em Pitangui desde os tempos do Império. O avô materno de Benedito, Dr. Francisco de Campos Cordeiro Valadares na condição de Presidente da Câmara de Pitangui foi quem instalou a Vila do Pará em 1859. O pai de Benedito, coronel Domingos Justino Ribeiro presidiu a Câmara de Pará de Minas entre 1866 a 1869. Um irmão dele (Benedito) Antonio Benedito Valadares foi Agente Executivo da Cidade do Pará entre 1901 a 1905.

A tradição liberal de sua família pesou na decisão de Benedito Valadares em aderir à Revolução. Mas teve também o lado familiar de sua esposa dona Odete, que tinha uma irmã  casada com um certo Coronel Dornelles, primo de Getúlio Vargas. Não seria o arguto e perspicaz advogado e vereador Benedito Valadares que iria titubear para aderir ao movimento revolucionário. Ele sabia que aquela era a tacada de sua vida: tinha tudo a ganhar, mas perderia tudo no caso de derrota de Getúlio Vargas.

Benedito Valadares ocupou a prefeitura até 1933, quando já eleito deputado federal afastou-se, deixando em seu lugar o irmão Francisco -Chiquinho, que ocupou o cargo até 1945. Em 1932, noutra demonstração de coragem, Valadares tinha se afastado do cargo, para participar outra vez ao lado de Getúlio Vargas, da chamada “Revolução Constitucionalista”, deflagrada pela elite cafeeira de São Paulo, que cobrava a realização de eleições presidenciais. Desta vez foi guerra de verdade. Valadares voluntariou-se e se tornou o Chefe Civil na região conflagrada no Sul de Minas, região da cidade de Passa Quatro. De novo tinha tudo a ganhar, mas poderia novamente perder tudo desta vez, inclusive a vida.

O resto é história. Benedito Valadares foi indicado candidato a deputado federal em 1932 na lista feita pelo governador Olegário Maciel e elegeu-se. Em 1933 Olegário Maciel morre de repente, deixando o cargo vago e um abacaxi para Getúlio Vargas descascar. O ditador ficou entre a cruz e a caldeirinha, pois dois políticos de grande relevância aspiravam o cargo: Gustavo Capanema, de Pitangui, conservador   e adesista de última hora da Revolução Liberal; o outro pretendente era Afrânio de Melo Franco, de Paracatu, um liberal. Qualquer um deles que fosse o escolhido assumiria com o estado de Minas Gerais dividido ao meio. Foi quando Getúlio, da janela de seu gabinete viu entrar no palácio o deputado federal, antigo prefeito de Pará de Minas, cuja fidelidade havia sido comprovada no campo de batalha da “Zona do Túnel” quando arriscara a própria vida pela causa. O ditador tirou uma baforada do seu charuto, apertou a campainha chamando seu Ajudante de Ordens e lhe disse: o deputado Valadares acaba de entrar no Palácio, traga-o aqui, agora! O final todos conhecem.

Luiz David

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.