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SACA LUIZ !

SACA LUIZ!

Ontem (28/2), estive visitando o asilo de velhos de Pará de Minas, conhecido por nós da terrinha como Cidade Ozanan. Uma instituição extraordinariamente importante no contexto de Pará de Minas, que sobrevive da caridade popular e do trabalho da Sociedade de São Vicente de Paulo. Alguém já disse que os vicentinos são o farol que ilumina a caminhada da Igreja Católica, com a sua dedicação absoluta aos pobres. Eu também acredito nisto. Sou entusiasta da causa vicentina, lamentavelmente não disponho de pecúnias abundantes que me permitam colaborar mais intensamente.

Nos últimos tempos tenho visitado freqüentemente a Cidade Ozanan, com as visitas descobri que dinheiro não é tudo que os assistidos precisam. Falta-lhes sobretudo, calor humano, um dedo de prosa, atenção naquilo que estão dizendo. Sempre que vou, faço questão de levar junto um amigo; ontem fui em companhia da jovem Camila, que conheço desde “pititinha”. Camila está com tempo disponível, enquanto espera ser chamada para novo emprego; podia desperdiçar esse tempo com coisas banais e fúteis, mas tenho notado nela uma incrível vontade ajudar o próximo. Não que ela amanhã vá se enfurnar num convento da Ordem das Clarissas Descalças e passar o resto de sua existência enclausurada, longe disso. Camila é uma moça inserida no seu tempo; é mais fácil para ela formar uma banda de rock’n roll progressivo do que envergar o hábito de uma freira. Mas ela possui apurado senso de justiça social, e é dotada de elevado espírito cristão. Camila quer servir e fazer o bem; é uma voluntária da paz e do amor ao próximo. Ao contrário do que muitos acreditam, esta é uma tendência presente num universo cada vez maior de jovens engajados no Evangelho. Se depender desta moçada, a humanidade será salva. Eu acredito.

Atualmente a Cidade Ozanan abriga quase setenta idosos, mulheres e homens. Infelizmente aquela casa é vista com inexplicável preconceito por muita gente. Inexplicável, porque todos queremos viver até ficarmos velhinhos, porém, poucos gostariam de viver seus últimos tempos num asilo. Aqueles assistidos da Cidade Ozanan, certamente não queriam estar lá agora, mas sem parentes próximos (a maioria), acabam acolhidos pelos filhos de São Vicente, e apreciam quando recebem visitas, mesmo de estranhos.
A Cidade Ozanan não é e não pode ser vista como se fosse um local de desmanche de carros, onde só vai parar a sucata. Nããão!!! Lá vivem seres humanos, pessoas, que outro dia mesmo estavam no meio da sociedade. É possível até fazer uma analogia: em vez ficarmos por aí lustrando a lataria do possante, por que não dar um lustro na auto-estima de nossos irmãozinhos lá hospedados?

Indo ao asilo, reencontro um amigo muito querido e estimado: o professor Mussolini Pereira, talvez o mais completo atleta da história do desporto em Pará de Minas. Vive lá há alguns meses; viúvo, os dois filhos residem e trabalham noutras cidades, o professor que completará 89 anos no final deste mês de março, ainda bastante lúcido, preferiu viver na Cidade Ozanan. Tem se lamentado da ausência de amigos no horário de visitas. Minha acompanhante Camila Caroline deu ótimas risadas com os “causos” do professor, como a revoada de um pombo só, na inauguração da quadra esportiva do distrito de Torneiros (idos dos anos 1980). Um só pombo, que ao ser solto, lá de cima fez cocô bem na minha cabeça, pode um trem desses? A jogada do voleibol, batizada de “Guerra nas Estrelas”, que na verdade foi inventada pelo ainda atleta Mussolini, nos anos 1950, envergando a camiseta do Pará de Minas Tênis Clube. Mussolini, na décadas de 1960/70 foi quem implantou a equipe de natação do clube da USIPA, de Ipatinga, muitos dos atletas chegaram a formar nas equipes brasileiras em competições nacionais e internacionais.
Mussolini Pereira teve o seu valor reconhecido pelo povo ipatinguense. Em 1976 ele recebeu o título de Cidadão Honorário de Ipatinga, diante de um auditório com mais de 1.500 pessoas.Os outros dois homenageados daquele dia foram simplesmente Dona Sara Kubitschek e o senador José de Magalhães Pinto, então presidente do Congresso Nacional. Ele ainda guarda com carinho os recortes de jornais que noticiaram o evento.

Outra figura bem popular em Pará de Minas, que está vivendo no asilo, é Luizinho da Onça, que durante décadas andou pela cidade, sem incomodar ninguém, com seu jeito manso, louco por futebol, eternamente com o guarda-chuva pendurado no ombro e usando blusa de frio, mesmo que o sol estivesse rachando mamona. Fã de filmes bang bang, Luizinho também costumava ser saudado pelos amigos com o bordão “Saca Luiz!”; ao que ele simulando sacar uma arma, apontava para o amigo os dedos indicador e polegar, formando com eles como se fossem um revólver. Luizinho está bem velhinho, deve estar pertinho dos cem anos eu acredito, mas algumas pessoas garantem que ele já superou a marca. Sempre que vou à Ozanan converso bom tempo com ele.Às vezes a memória dele falha, como outro dia quando perguntou-me pelo grande amigo Barrão, o notável zagueiro do Paraense E.C., de quem era fã, falecido há quase vinte anos. Luizinho gostava de frequentar bares, mas nunca se sentava em cadeiras ou bancos; só bebia água e refrigerantes, mesmo assim no bico da garrafa ou em copos descartáveis. Quando questionado pela bizarrice apenas respondia: é para não pegar doença, xará. Luizinho está com grande deficiência visual, mas ainda reconhece as pessoas pela voz. Que grande e simples figura.

Na próxima quarta-feira voltarei à Cidade Ozanan.
Vam’bora juntos?

Luiz David

One Comment

  1. Papai foi vicentino muito ativo e sempre ajudou os moradores da Cidade Ozanan. Exatamente como você afirmou, ele também dizia que mais importante que a necessária ajuda material era a presença, o contato, ouvir as pessoas. Todos os domingos, ele visitava algumas das pessoas que recebiam ajuda do Conselho Vicentino, seja na Cidade Ozanan ou fora dela. Sempre chamava um dos filhos a acompanhá-lo. Nem sempre obtinha êxito, pois como adolescentes tínhamos interesses bastante diversos e, especialmente nos domingos, não tínhamos tempo para fazer visitas. Só muito tempo depois é que viemos a entender a importância do que ele fazia…
    Me lembro muito bem do Mussolini Pereira. Embora eu nunca tenha praticado qualquer tipo de esporte (o que se nota até hoje na minha “figura”), eu sempre frequentei a Praça de Esportes e me lembro dele lá. Se não estou enganado, ele tinha um irmão, acho que se chamava Nico Pereira. No alpendre lá de casa, nós nos reuníamos frequentemente com amigos. Muitas vezes, quando minhas irmãs e suas amigas estavam no alpendre, o “seu” Nico passava e elas lhe pediam que lesse suas mãos. O que ele fazia de bom gosto e com bom humor, explicando também o significado de cada linha das mãos.

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