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SUCESSO É SER FELIZ – UMA CRÔNICA DE FLÁVIO MARCUS

Uma crônica de Flávio Marcus
SUCESSO É SER FELIZ

sucessoeserfelizPAI: Estou muito preocupado com o Carlinhos. Cheguei hoje em casa e peguei-o jogando bola na rua com três meninos do bairro…

MÃE: Meu Deus…

PAI: Chamei-o para dentro na hora. Ele estava todo suado, parecia alegre. Perguntei se ele tinha acessado o portal da escola hoje, se tinha recebido alguma mensagem da professora de inglês no iphone e feito os deveres on-line de francês, e ele disse que não. Simplesmente olhou para mim e disse “não”. Dei-lhe um sermão e mandei-o direto para o computador.

MÃE: Só pode ser aquela escola. Uma vez, quando fui buscá-lo, vi uma turma sentada em círculo no pátio cantando e conversando. Ninguém usava tablet ou ipad, não vi nenhum notebook na roda, nem com a professora! Uma vez entrei no blog deles e assisti a um vídeo de um professor coordenando uma dinâmica de grupo em que todo mundo conversava e ria!

PAI: Isso é preocupante. O Carlinhos está pegando gosto por essas brincadeiras em grupo, bate-papos reais, com gente de carne e osso, e está deixando de lado o mundo virtual. Com certeza vai ficar para trás, vai fracassar na vida. Os filhos dos meus amigos virtuais passam o dia inteiro na frente do computador, acessando sites pedagógicos, participando de chats com estudantes estrangeiros, aprendendo chinês, japonês, javanês, alemão, lendo livros complicados, de autores clássicos, que eles já compreendem! E o Carlinhos? Semana passada eu achei um livro físico na mochila dele, e quando fui ler a classificação, levei um susto. Era para a idade dele! Uma bobagem infantojuvenil! Enquanto isso, o Fernandinho, filho do Xavier, já lê Tolstoi em francês! O Pablo, filho do Rui, lê Charles Dickens em inglês e javanês! E tudo virtual! Você vê o Fernandinho e o Pablo na rua jogando bola ou conversando com colegas? Eu nunca vi. É por isso que eles vão vencer na vida. Temos que fazer alguma coisa.

MÃE: Tirar o Carlinhos daquela escola! É a primeira coisa a fazer, não tem jeito. Temos que matriculá-lo num colégio mais focado, que estimule mais o uso de tablets, ipads e notebooks, que tenha um portal dinâmico, com grupos de chat sobre coisas úteis, que vão ajudar essa meninada a se destacar no mundo do trabalho, com tutores conectados vinte e quatro horas por dia, orientando, indicando livros complicados, para estimular os alunos a se superarem, a vencerem todos os obstáculos e serem bem sucedidos na vida. É isso que importa! Aquela escola está ficando para trás. Nem a diretora tem um celular decente! A coordenadora pedagógica nunca fez uma reunião de pais virtual, via teleconferência! Nem site pessoal ela tem!  Não dá mais, querido.

PAI: Você tem razão. Os professores do Carlinhos pararam no tempo. Vão formar um bando de fracassados, isso sim. Eu sei que tem alunos ali, filhos de pais vencedores (empresários, médicos, políticos, juizes), que estão questionando as metodologias obsoletas, mas o Carlinhos não. Ele não questiona nada, faz o que gosta. Aposto que ele vai à biblioteca da escola com a turma e escolhe livros físicos para a idade dele livremente, e nem liga se os outros colegas pegam livros mais grossos e complicados. Tenho certeza que a professora não faz nada para impedir. Ela tinha que dizer: “Veja, Carlinhos, seus colegas estão pegando livros mais complexos, clássicos da literatura universal, e você aí com seus livrinhos infantojuvenis… Você quer ser um perdedor? Você quer ficar para trás?”. Mas ela não diz nada, tenho certeza. É uma incompetente.

MÃE: E para que insistir nessa porcaria de livro físico? Os professores têm que incentivar é o uso de livros digitais, que armazenam bibliotecas inteiras, e propor atividades on-line sobre as obras, para habituar esses jovens ao mundo virtual, que é o que importa. Eu não vejo a hora de acabarem de vez com essas bibliotecas físicas que existem por aí, seus projetos de contação de histórias, encenações de peças, conversas com escritores… Que bobagem! Isso os jovens já têm na internet, em qualquer idioma que quiserem, não precisam se encontrar fisicamente.

PAI: Você tem razão, querida. Vamos tirar o Carlinhos desse colégio. Mas antes de matriculá-lo num outro, mais focado na carreira e no sucesso, acho que devemos mandá-lo uns dias para aquela escola que a sua irmã indicou, para desintoxicá-lo. Deixe-me ver… está aqui: Centro de Imersão em Tecnologia Virtual da Universidade Virtual Business & Success…

MÃE: Meu Deus, o que fizemos para merecer isso? Um fracassado em casa… Se pudéssemos devolvê-lo, trocá-lo por uma criança mais apta ao sucesso, mais focada; como a filha do Ribeiro, aquele seu amigo virtual, que é a melhor aluna do colégio, vence todos os concursos de cálculo e redação e é exibida como troféu pela direção da escola em tudo quanto é evento; ou o filho do Tibério, dosuccessandcompany.com, que aos doze anos já dá palestras no mundo todo em javanês… Esses meninos têm futuro…

PAI: Querida, o Carlinhos acaba de me mandar uma mensagem aqui… Você recebeu também?

MÃE: Deixe-me ver… Sim, chegou para mim também. Onde você está?

PAI: Estou no banheiro do escritório defecando, e você?

MÃE: Estou na academia… Você leu?

PAI: Estou lendo…

CARLINHOS: “Papai e mamãe, desculpem-me, mas o sucesso que vocês querem para mim, eu não quero. Meu negócio é ser feliz. Se um dia a gente sentar para conversar pessoalmente, olhos nos olhos, eu quero explicar para vocês o que eu estou sentindo – é bom demais! –, e também gostaria muito de abraçá-los… Queria que vocês me entendessem e me aceitassem. Encontrei meu caminho. Amo vocês, apesar de tudo. Saudades. Carlinhos”.

Luiz David

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