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VALE QUANTO PESA!

VALE QUANTO PESA
O MAIS VENERADO e o mais célebre dos animais sagrados é, sem nenhuma dúvida, o touro Ápis (Hepem egípcio). Os antigos egípcios consideravam-no como a expressão mais completa da divindade sob a forma animal e represetaram-no muitas vezes como, por exemplo, nesta estatueta que se vê ao lado. Diferentemente de outras divindades, era sempre representado na forma animal e nunca na forma humana com cabeça animal. Ele encarnava, ao mesmo tempo, os deuses Osíris e Ptah. O culto do touro Ápis, em Mênfis, existia desde a I dinastia pelo menos. Também em Heliópolis e Hermópolis este animal era venerado desde tempos remotos. (Fonte: Google)

Por aqui também tivemos um touro de nome Ápis, se não chegou a ser endeusado pela população, pelo menos foi considerado o espécime de maior valor monetário dentre os de sua raça, a Zebu. Recebeu o nome da divindade egípcia tão logo chegou ao Brasil e ao Pará de Minas, importado da Índia, nos primeiros anos da década de 1940.
Naqueles anos, o governo ditatorial de Getúlio Vargas decidiu investir na melhoria da genética dos rebanhos brasileiros, incentivando a importação de animais de raças estrangeiras, que após cruzamento com matrizes brasileiras poderiam provocar um salto na qualidade de nossos rebanhos.
A preferência dos criadores logo apontou para o gado zebu, originário da India, que se adaptou perfeitamente às novas condições climáticas e à fartura dos pastos. Milhares de cabeças foram trazidas de navio e negociadas tão logo chegavam em terra firme. Foi numa dessas levas que veio o o touro que se tornaria um campeão da raça, já com o nome Ápis, nome que ganhou de seu novo proprietário, o criador pará-minense José Alves Ferreira de Oliveira, o Zé Ferreira.

O Brasil vivia naqueles anos uma verdadeira “febre do zebu”, milhares de pessoas que não sabiam a diferença entre uma vaca parida e um bezerro desmamado, deixaram seus afazeres na cidade para arriscarem um investimento na pecuária de corte ou leiteira. Dizem os anais que muita gente enriqueceu comprando e vendendo gado zebu, outros tantos ganharam dinheiro com a excelente produtividade da raça. Em Pará de Minas, além do mencionado José Ferreira, muitos outros fazendeiros patafufenses optaram por cruzar suas matrizes nacionais com touros zebuínos importados, ou mesmo com a utilização do sêmen dos ditos cujos, considerando que a prática do cruzamento artificial era ainda muito atrasada no Brasil. Muita gente que arriscou se deu bem, ganhando muito dinheiro. Foram chamados de “os milionários do zebu”.

Em determinado momento a cotação do gado indiano chegou às alturas, e o touro Ápis, campeão da raça teve seu valor cotado em três milhões de cruzeiros, o que fazia de seu dono, Zé Ferreira, um milionário, pois em sua fazenda na região do Ribeirão do Ouro, havia muitas dezenas de exemplares da afamada raça. Nesse contexto foi que chegou a época da já famosa Exposição do Zebu, que a alguns anos era realizada no novíssimo Parque de Exposições da cidade de Uberaba, no Triângulo Mineiro, região onde desde o começo da febre, o zebu reinava soberano (ainda reina) nos pastos da próspera região. José Ferreira foi dos primeiros criadores convidados a levar exemplares de seu plantel, obviamente com o touro Ápis abrindo a apresentação. O ditador Getúlio Vargas tinha confirmado sua presença, pois além de Chefe da Nação era importante pecuarista em seu estado natal, o Rio Grande do Sul e, gostava de saber das novidades vindas do campo. O Parque de Exposições “Fernando Costa”, de Uberaba, foi construído pelo governo do Estado, que tinha à frente Benedito Valadares, que entre nós patafufenses dispensa apresentações. Valadares, era amigo de José Ferreira e determinou que a ferrovia Rede Mineira de Viação providenciasse transporte digno, não apenas para o fazendeiro, como também para Ápis, o touro de três milhões
de cruzeiros. E lá se foram o fazendeiro, empregados da fazenda e o valioso rebanho.

A Exposição do Zebu em Uberaba é realizada durante vários dias; o parque estava apinhado de pessoas que percorriam os “stands”, quando chega o ditador Vargas, que logo manifestou desejo de conhecer o campeão da raça, Ápis. Levado ao stand, deixou-se fotografar soltando baforadas de seu charuto cubano ao lado do portentoso animal; nesse instante um pecuarista dirigiu-se a Vargas e dando um tapa na cacunda de Ápis perguntou sem maiores pretensões: Presidente Vargas, quanto o senhor acha que vale esse touro? O ditador olho no olho com Ápis, tirou outra baforada do charuto e respondeu também como se estivesse brincando: – Assim, assim, eu não sei, é preciso levar o bicho na balança. Um repórter que estava por ali, provavelmente de oposição a Vargas, imediatamente foi ao telégrafo mais próximo e mandou para seu jornal a manchete que sacudiu o Brasil: VARGAS DIZ QUE ZEBU VALE O QUE PESAR NA BALANÇA. Foi fim da era do zebu a peso de ouro no Brasil. Ápis, pelo critério do Presidente Vargas não valia mais os três milhões de cruzeiros; talvez valesse agora bem menos do que um por cento do valor estratosférico que ostentava ao chegar em Uberaba. A quebradeira foi geral por todo o Brasil, criadores de gado zebu logo trataram de se desfazer de seus plantéis, buscando diminuir o prejuizo. José Ferreira também foi à bancarrota. Ele e os conterrâneos que tinham apostado na longevidade do período de bonança com o zebu com o preço nas alturas. Getúlio Vargas ainda acenou com uma moratória aos criadores que ficaram perdidos, sem rumo. Menos José Ferreira.

Homem de fibra, Zé Ferreira dispensou o socorro oficial do governo e declarou que trabalharia incansavelmente até que quitasse todas as suas dívidas advindas com queda do preço do zebu. E foi à luta. Em meados dos anos 1940 ianugurou a Cerâmica Raquel, que logo se tornou a maior e mais famosa cerâmica de Minas Gerais. Foi a primeira no Brasil a fazer a queima de telhas em forno contínuo, o que aumentou em muito a produtividade da indústria. Em Minas, a marca RAQUEL passou a ser sinônimo da melhor telha do país, exportada para muits outros estados. A Cerâmica Raquel também passou a ser maior empregadora da cidade, superando as fábricas de tecidos em número de operários.
Em alguns anos José Ferreira quitou sua dívida com os bancos que lhe emprestaram dinheiro. Quando pagou a derradeira nota promissória, promoveu uma grande queima de fogos para celebrar a ocasião, para isto, comprou todos foguetes, bombas, traques, busca-pés, tudo que espoucasse e estivesse à venda na cidade. Foi um grande foguetório, o maior já ouvido e visto na cidade até então. Um dos rapazes encarregados de soltar os foguetes, de nome Salvino, no auge da empolgação, distraiu-se e um dos artefatos estourou-lhe numa das mãos, levando- o a perder alguns dedos.
No final dos anos 1950, José Ferreira foi chamado para assumir a direção das fábricas de tecidos, revitalizando-as. Em 1958 foi candidato a vice-prefeito da cidade e se elegeu juntamente com o médico Edward Moreira Xavier, que adminsitrou a cidade entre 1959 a 1963.

Quando assumiu a prefeitura, Dr. Edward encontrou o erário vazio, e o salário do operariado atrasado em oito meses. Recorreu ao Banco do Brasil para um empréstimo, mas o gerente Júlio Maia foi taxativo: -gosto muito do senhor doutor Edward, que até é o médico minha família; mas o banco não é meu. O senhor não é um homem rico o bastante para garantir esse empréstimo; mas se o vice-prefeito Zé Ferreira avalizar as promissórias o banco empresta. Incontinenti o prefeito foi atrás de seu vice pedir o aval nos “papagaios”. Para surpresa do médico/prefeito o aval foi negado. José Ferreira estava vacinado contra dívidas, e os tempos de dificudades que tinha atravessado por causa da crise do zebu ainda eram recentes. Dr. Edward compreendeu as razões de seu vice e acabou conseguindo outros avalistas para o empréstimo. Mas, em 1962, quando José Ferreira pediu-lhe o apoio para sua candidatura a prefeito, Dr. Edward negou o apoio, não sem antes lembrar-lhe da negativa ao aval três anos antes.

José Alves Ferreira de Oliveira faleceu em 1972, aos sessenta e seis anos de idade. Foi casado com Dona Nair Gumarães Ferreira e tiveram muitos filhos e filhas. Esse casamento promoveu a união de duas das mais poderosas famílias paraenses do Século XX, pois Dona Nair era sobrinha de Torquato Alves de Almeida (que não teve filhos) e Zé Ferreira era filho do coronel João Ferreira da Silva e dona Raquel Ferreira, todos eles personagens exponenciais de nossa história.

 

Quanto ao touro Ápis, nem João Maria nem seu irmão Júlio, filhos de José Ferreira e dona Nair, que me contaram a história, souberam dizer o que foi feito dele. Provavelmente foi vendido a quilo no açougue do Wilson Amarante.

Luiz David

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