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VELHOS TEMPOS

VELHOS TEMPOS

VELHOS TEMPOS

Exerci, com muita honra e dignidade, um mandato de vereador à Câmara Municipal de Pará de Minas, no período entre 1º de fevereiro de 1977 até 31 de janeiro de 1983. O mandato previsto para durar quatro anos (até 1980) foi acrescido de mais dois anos, com uma canetada do ditador Ernesto Geisel, que fechou o Congresso Nacional em abril de 1977 e passou a legislar por conta própria, resolvendo questões que deputados e senadores da época protelavam, distraídos do AI-5, ainda em vigor, que dava poderes discricionários ao general de plantão na Presidência da República.
O pretexto de Geisel para se transformar em legislador foi a chamada “reforma do Judiciário”, que estava empacada há anos, no Congresso.

Além da prorrogação dos mandatos dos vereadores, o assim chamado ‘Pacote de Abril”, editado pelo general Ernesto Geisel, cassou alguns mandatos, criou a figura do senador biônico a ser eleito em votação simbólica em 1978. (O mineiro escolhido foi Murilo Badaró, do partido ARENA, sub-legenda do PSD. Outro dia eu explico aos mais novos como é funcionava a democracia segundo os militares). O “pacote” ainda alterou a forma de coeficiente eleitoral entre os estados, permitindo que os estados nordestinos mais que dobrassem as suas representações no Congresso, o que acabou permitindo o surgimento de dezenas de líderes despreparados politicamente, mas ávidos de poder e de enriquecimento às custas do erário. Muitos desses, mais de quarenta anos depois, ainda estão aí, encastelados em Brasília.

O Pacote de Geisel favoreceu os vereadores, que além de ganharem mais dois anos de mandato, passaram a ter direito a um modesto subsídio mensal. Em Pará de Minas equivalia a um salário mínimo. Apenas os vereadores das capitais e de cidades com mais de duzentos mil habitantes tinham, até então, o direito de receber salário, calculado sobre o que ganhava um deputado estadual. Para nós, vereadores de cidades pequenas, um salário mínimo estava de bom tamanho, pois ninguém fazia da vereança uma profissão. Eu por exemplo, tive uma serralheria e depois um escritório de despachante, e exercia a corretagem de imóveis, com registro junto ao CRECI. Em 1981, abri um bar na Praça da Independência – o famoso “POR DO SOL”, que deu mais dores de cabeça com a vizinhança, do que lucro.
Naquela legislatura éramos quinze vereadores, distribuídos nos dois partidos permitidos: sendo dez da ARENA e cinco do MDB. Não esse MDB que renasceu agora em 2018; mas sim o MDB de Ulisses Guimarães, Tancredo Neves, Paulo Brossard, Teotônio Vilela, Marcos Freire e muitos outros. Tínhamos orgulho de sermos do MDB, a última trincheira daqueles que lutavam contra a ditadura militar, no poder desde abril de 1964.

A bancada arenista era formada pelos vereadores: professor Mozart Campos Moreira (naqueles anos também diretor do Colégio Estadual Fernando Otávio) ; contabilista e ex-bancário Waldemar “Cavalinho” de Melo Mendonça; servidor público e ex-vice-prefeito José “Zezinho” Moreira Xavier (na época em seu sexto mandato); comerciante e professor de educação física, ex-pracinha da FEB Rouvier Mendes; industrial Jacinto Pereira Sobrinho; comerciante Dalmi Pedro Assunção; comerciante José Primo Duarte; pintor de paredes, depois servidor público do estado (CASEMG) José Paulino Pereira dos Santos; Orival Nogueira Duarte, o Orival ‘Padeiro”; o borracheiro Francisco de Assis Viana, o Pelota, que eu considero o mais arguto e brilhante edil patafufense dos últimos quarenta anos. Pelo MDB éramos: Antônio Moreira Duarte, o Antônio do Nato, produtor rural;o bancário Silésio Mendonça; o servidor do INPS e contabilista, também ex-pracinha da FEB, João Gualberto Teixeira -o “Chiquito do IAPI”; o operário têxtil José Francisco Gomes; e finalmente este escriba que vos fala.

Naquele mandato a bancada do MDB aliou-se aos vereadores da chamada ARENA 2, uma das sub-legendas do partido, formada por Dalmi Assunção, José Primo Duarte, José Paulino e Orival Padeiro, Com nove integrantes, o bloco fazia oposição ao prefeito José Porfírio de Oliveira (o pai) que pertencia à ARENA 1. Fazíamos uma oposição vibrante sem sectarismo, sem perseguição a ninguém, a intenção maior sempre foi privilegiar o interesse do município. Muitos dos vereadores oposicionistas costumavam frequentar o gabinete do prefeito, coisa que eu jamais fiz, pois achava que não ficava bem. Não que eu radicalizasse como opositor, mas governo é governo e oposição é oposição. Sempre mantive uma relação amistosa e republicana com o prefeito José Porfírio e ele correspondia da mesma maneira. Nos eventos públicos mantínhamos animadas conversas, falando muito sobre o Atlético, time dos nossos corações; sobre o Paraense e assuntos de interesse da cidade. José Porfírio foi o presidente do Paraense que introduziu o futebol profissional no clube em 1961.

Quando o prefeito adquiriu umas terras às margens da rodovia Pará de Minas/Itaúna convidou-me para acompanhá-lo e ao oficial do cartório onde a escritura foi lavrada (Arnô Marinho), nas visitas onde colhiam as assinaturas dos herdeiros da tal fazenda, acho que nove dos irmãos Medina. Por vários dias, à tardinha, logo após deixar o gabinete, o prefeito e o escrivão, passavam em minha casa e de lá seguíamos à cata das assinaturas. Sempre demorava, pois em todas as casas tinha um frango com quiabo e angu, ou então um lombo assado com tutu de feijão, esperando por nós. E quando o prefeito (pessoa física, o atacadista de gêneros) cogitou mudar seu armazém para a Praça Melo Viana, onde construiu um grande galpão, fui eu que ganhei a concorrência para produzir na serralheria que tinha sido de meu pai, em 1978, todas as esquadrias metálicas (basculantes, etc.) do prédio. Nesses casos falava mais alto o tino comercial de José Porfírio e o meu preço foi mesmo o melhor. Mas no plenário a oposição na alisava. Nosso grupo elegeu o presidente da Câmara por quatro anos consecutivos: 1977 João Gualberto Teixeira; 1978 e 1979 José Primo Duarte; 1980 eu fui o eleito; todas as eleições pelo placar de 9 a 6. Em 1981 e 1982 ganhou o vereador professor Mozart Campos, pois dois vereadores do nosso bloco não conseguiram negar o pedido feito pelo médico e benfeitor da cidade, dr. Silvino Moreira dos Santos, que cabalou votos para o sobrinho dele, o vereador Mozart Campos Moreira.

Em 1980, quando eu estava presidente da Câmara, o governador Francelino Pereira veio a Pará de Minas. Ele ocupava a presidência nacional da ARENA, o braço político da ditadura. Para marcar posição, recusei-me a comparecer à sessão da Câmara que ia homenageá-lo. Não era nada contra o governador, piauiense de nascimento, que mais tarde vim conhecer pessoalmente e achei um personagem bastante cordial. Cito-o sempre, pois foi um político modelar e honesto. Homem de diálogo. Francelino morreu recentemente, aos 96 anos de idade.
Como a minha decisão de não presidir a sessão repercutiu negativamente na cidade, pensei em algo para desviar o foco. Então, na véspera do evento, que constaria inclusive com inauguração de retratos na galeria de benfeitores da cidade, chamei os colegas José Paulino e José Primo, para trocar sugestões. Ambos eram admiradores do governador e não aceitariam nada que embaçasse a visita. Mas tinham alguns acertos com políticos cujos retratos já estavam apensos na galeria. Decidimos então esconder os retratos do prefeito José Porfírio e do ex-vereador e advogado Paulo Mendonça Ferreira, cinco vezes presidente da Câmara e figura influente na cidade. Então chamei o servidor da casa, José Viegas, o Cariru, e mandei que ele colocasse os retratos bem no fundo do vão que havia sob a comprida Mesa da Presidência. Ninguém lembraria de procurar os retratos ali. Somente na hora da solenidade é que foi notada a falta dos retratos. Foi o maior “bafão” como se diz hoje em dia. Grande burburinho se alastrou pelas centenas de pessoas. Os visitantes sem saber o que se passava nem perceberam e foram embora no fim do dia sem ficar sabendo. No Pará de Minas o assunto nos dias seguintes não foi outro. Quando tudo se acalmou, muitos dias depois, os retratos voltaram ao seu lugar, para alivio do Cariru

Era um Pará de Minas bem diferente aquele.
Vereadores ganhavam um salário mínimo, a Câmara tinha pouc os funcionários: um secretário que cuidava do expediente e redigia as atas, o grande Raimundo Marciano de Araújo, de saudosa memória, companheiro de muitas aventuras. Um advogado, neste tempo Dr. Anastácio Pinto, um sábio; um estafeta que era o já citado José Viegas; uma recepcionista, que mudava sempre e as zeladoras, as irmãs Viegas, Geni e Marta.
Vereador não tinha gabinete nem assessores, e tudo fluía muito bem. As reuniões começavam às sete da noite e muitas vezes entravam pela madrugada.
Em certas noites, já altas horas, encerrada a reunião, íamos quase todos prosseguir os debates, de forma amistosa, no Bar Mineirão, ali perto.
Foi bom enquanto durou. Escola de vida, aprendi muito.

Luiz David

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