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FAZENDO A FEIRA

Que saudade dos tempos em que os políticos roubavam apenas para comer.

FAZENDO A FEIRA

Corrupção nos altos escalões do governo sempre existiu. Em todos os niveis. Quanto mais rico o ente (País, Estado, Município) maior a corrupção.
Nos anos 1930/40 o Brasil era m país essencialmente agrícola e não havia muito que os ladrões nos governos pudessem roubar. Minas Gerais idem. Foi quando inaugurou-se a Escola Média de Agricultura de Florestal -EMAF, no governo do nosso conterrâneo Benedito Valadares, um homem probo, que tinha próximo a si alguns ratos.
Nos terrenos da EMAF o Estado construiu uma bela residência, grande, com muitas janelas e varandas. Ali costumavam se hospedar nos fins de semana alguns figurões do governo, junto com seus familiares e agregados. Viajavam em carros oficiais e se encantavam com a estadia na roça: vacas mugindo, porcos, galinhas, pássaros, pescarias, pinga da boa e torresmos ao ponto. Ainda hoje o povo de Florestal chama a residência de “Sede”. Lá se hospedaram presidentes da República, governadores, ministros e secretários, raro o figurão governamental que lá não esteve. Dava prestígio falar nas reuniões que havia descansado uns dias em Florestal.
Próximo à EMAF, porém fora de seus limites, vivia com seus familiares o professor Stélio Barroca, que lecionava na Escola, pai do meu amigo Carlos Barroca, ex-presidente da ASCIPAM, atualmente aposentado depois de enricar negociando acessórios automotivos em Pará de Minas por mais de quarenta anos.
Pois então, contou-me o nosso Barroquinha,que certa vez hospedou-se na Sede um figurão do governo e do Poder Judiciário, advogado famoso que fazia tremer os Tribunais de Júri, com sua voz tonitroante e sua perspicácia. Viera para um merecido repouso, trazendo esposa e prole.
Ao final dos dias de descanso e lazer, o carrão que trouxera o ilustre personagem estaciona à porta da família Barroca. Dele desceu toda poderosa a matrona esposa do hierarca e seu filhos. Após ordenar ao motorista que abrisse o enorme bagageiro do automóvel, dirigiu-se até a varanda do professor Stélio e sem a gentileza sequer de uma saudação ordenou ao “chauffer” que embarcasse as mercadorias que ia indicando. E assim escolheu queijos, doces diversos, licores, cachaça, pimentas, verduras, legumes e frutas. Enfim, madame fez a feira.
Sem dizer sequer um até logo, dirigiu-se ao veículo para tomar assento, foi quando a Senhora Barroca, mãe do Barroquinha, que a tudo assistiu calada, dirigiu-se educadamente à mulher do figurão e perguntou com toda a candura e educação: – Madame, quem vai pagar pela mercadoria? A poderosa mulher assustou-se, arregalou os olhos e escandalizada respondeu: – Pagar? Como assim? Isto aqui é tudo nosso, do Governo. A senhora sabe quem é o meu marido?
Não, não sei quem é o marido da senhora, respondeu a dona da casa. Mas sei que tudo isto que a senhora está tentando levar não é nada do Governo. É tudo de minha família. Tudo foi produzido pelo meu marido, por mim, pelas crianças e por alguns ajudantes que nós pagamos. O terreno também é nosso, de escritura passada, comprado e pago pelo meu marido. Se a senhora quiser levar, eu ficarei feliz, mas terá de pagar por tudo. É com esta produção que nós completamos a renda familiar, pois o salário que o governo paga ao Professor Stélio é uma miséria, além de costumar atrasar até seis meses.
Madame ao ouvir aquilo, ficou vermelha como uma pimenta malagueta e de nariz empinado, sem perder a pose apenas ordenou ao motorista-lacaio : – Alfredo, reponha tudo no lugar.
Descarregado o automóvel, aboletou-se no banco traseiro e sem dizer adeus partiu para nunca mais aparecer nas imediações da casa da família Barroca.
O nome do figurão eu não conto nem a pau, mas já está morto. Talvez nem tenha ficado sabendo do vexame de madame. Um dos filhotes dele, presente na cena descrita, ainda faz muito sucesso na política mineira. De vez em quando o nome dele é citado em delações da Operação “Lava-Jato”.
Moral da história: ” Se é do governo é nosso” as elites brasileiras sempre pensaram assim. Começaram com Pero Vaz de Caminha, o escrivão que em 1500, dez minutos depois de descoberto o Brasil, escreveu a El Rey pedindo emprego para o genro.
Fazer a feira em fazendas do governo foi outra etapa. (LUIZ VIANA DAVID

Luiz David

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