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Lendas Urbanas

LENDAS  URBANAS

Pará de Minas é uma cidade muito rica neste capítulo de sua história não escrita que trata das lendas urbanas: pessoas, coisas e animais que ocupam espaço na nossa municipal memória coletiva, enquanto povo extremamente religioso e criativo. Desde  meus tempos de criança que ouvia as pessoas garantirem por todos os anjos e santos, ás vezes acompanhados por um “juro por Deus”, que o grande ator brasileiro Grande Otelo teria nascido em Pará de Minas, então ainda a “Cidade do Pará”. Até por volta dos anos 1970, esta era uma história muito bem contada. A biografia de Grande Otelo no google diz que ele  nasceu “Sebastião Bernardes de Souza Prata, conhecido popularmente como Grande Otelo, foi um ator, compositor e cantor brasileiro. Nasceu na cidade mineira de Uberlândia em 18 de outubro de 1915 e faleceu na cidade de Paris em 26 de novembro de 1993″.              Para o povo de Pará de Minas da primeira metade do século ele nasceu no lugar denominado Porteira do Campo, nas imediações do cruzeiro de madeira que fica na parte alta da cidade, hoje na rua que leva o nome de “Maestro Maestro Espíndola”. A lenda não fala do pai do artista, mas diz que a mãe foi uma negra nascida por aqui mesmo, alforriada antes da abolição da escravatura; que ganhava a vida trabalhando de empregada doméstica nas casas ricas da Rua Direita e da rua de Baixo. A miséria era muita e a mulher tinha outros filhos além daquele que seria famoso um dia. Ela também tinha irmãos e irmãs que ficaram por aqui quando ela decidiu seguir para Uberaba, no triângulo mineiro, onde viviam outra parte da família. A viagem foi de trem de ferro. Depois de muitas horas de viagem, ainda sonolenta,  ela ouviu o chefe do trem passar pelo vagão anunciando a próxima parada: Uberabinha, Uberabinha… ela então acordou a meninada e com suas tralhas   todos desceram na estação. Ela não sabia, mas havia descido em Uberlândia, que só em 1929 receberia o nome atual. Quando percebeu o equívoco já era tarde e todos ficaram por ali na estação sem saber o que fazer. Com o pequenino Sebastião nos braços e os outros filhos agarrados á barra de sua saia, sairam pelas ruas da pequena Uberabinha e acabaram acolhidas por almas caridosas e por lá ficaram. Tiãozinho, nascido em Pará de Minas, mas ainda sem certidão de nascimento acabou  registrado  em Uberabinha.   Os parentes que por aqui ficaram sabiam dessa história toda e quando aquele pretinho sestroso apareceu no rádio e no cinema todos aqui sabiam que era ele, o sobrinho e primo que partira com a mãe em busca de novos horizontes.  Pelo sim pelo não fica o registro.

Outra lenda poderosa diz que a cantora Linda Batista veio algumas vezes a Pará de Minas acompanhando o Presidente Getúlio  Vargas que se hospedava na “Granja Santa Edwiges”, propriedade do nosso conterrâneo Benedito Valadares, então governador de Minas, por indicação de Getúlio. A memória nacional registra Linda Batista e sua irmã Dircinha como as artistas e cantoras favoritas do ditador Getúlio, sobre ela registra a wikipédia; “

“Florinda Grandino de Oliveira (São Paulo14 de junho de 1919 — Rio de Janeiro17 de abril de 1988), mais conhecida como Linda Batista, foi uma cantora e compositora brasileira. Era filha de Batista Júnior e irmã de Dircinha BatistaComeçou sua carreira acompanhando sua irmã mais nova ao violão durante suas apresentações. Em 1936, teve que substituir a irmã no programa de Francisco Alves na Rádio Cajuti, obtendo boa aceitação do público.Linda precisou de apenas um ano para se consagrar como cantora. Em 1937, foi a primeira cantora a ser eleita Rainha do Rádio, título que manteve por onze anos consecutivos. O concurso foi realizado no Iate dos Laranjas, barco carnavalesco atracado na Esplanada do Castelo, no centro do Rio de Janeiro. Pouco depois, como contratada da então nova Rádio Nacional, fez uma excursão de grande sucesso no Norte e Nordeste que durou seis meses, começando por RecifePernambuco. Ali, apresentou-se no Teatro Santa Isabel, cantando músicas de Capiba acompanhada da Jazz-Band Acadêmica“.

A lenda nacional diz que Getúlio foi amante de Linda e que ele também tirava uma casquinha na irmã mais nova Dircinha. As duas  eram contratadas da Rádio Nacional, uma espécie de tevê Globo daquele tempo, só que sem imagens, o fato de Linda ser escolhida pelos ouvintes como a primeira ‘rainha do rádio brasileiro’ título que conservou nos dez anos seguintes só reforça a possibilidade deste amor proibido. Sendo a Rádio Nacional propriedade do governo, nada mais natural que a ‘namorada’ de Getúlio  fosse eleita sucessivas vezes a Rainha do Rádio, só perdendo a coroa quando Getúlio também foi apeado do Poder.

Claro que os criadores das nossas lendas municipais não perderiam esse gancho e logo estabeleceram uma relação entre Linda e Valadares. Este, menos exposto aos holofotes, nunca deixava de se encontrar com a rainha do rádio quando ia ao Rio tratar de assuntos de interesse de Minas. Como ninguém é de ferro, sempre havia tempo para um encontro . Benedito Valadares e Getúlio Vargas foram ‘pegadores’ eméritos, e andaram comendo  os mais saborosos  acepipes (epa!!!)  que haviam na época. . E nesta fonte foi que bebeu Juscelino Kubitschek, pupilo dos dois.        Outra coincidência diz que Linda Batista sempre que se apresentava em Belo Horizonte, na Rádio Inconfidência, encontrava tempo para vir visitar a granja do governador. O que se sabe com certeza é que nas duas vezes em que esteve visitando a cidade (em 1040 e 1942) o presidente não trouxe Dona Darcy, sua esposa. Se Linda Batista fazia parte da ‘entourage’ presidencial também não se teve noticia na época. De certo sabe-se apenas que Linda certa vez teria descido a pé até o centro da cidade, a menos de um quilômetro de distância, dirigindo-se ao posto telefônico público localizado na Rua Direita, nº 186, onde em 2020 existe o restaurante Vila do Pará,  propriedade do Léo Marinho, cuja tia materna Lúcia, era a telefonista de plantão, que foi quem vazou a noticia da presença da cantora. Naquele tempo só havia o rádio e poucas pessoas tinham visto fotos de Linda Batista e como a imaginação popular é muito fértil as pessoas a imaginava uma mulher alta, morena de olhos verdes e linda como o próprio nome. Linda Batista não tinha olhos verdes e não passava dos 155 centímetros de altura (uma nanica genial). Era muito bonita, mas aquela baixinha vinda lá do Arraial Novo (nome do lugar onde ficava a casa do governador) não chamou a atenção de ninguém pelo caminho ; além do mais, Valadares costumava chegar á granja sem avisar e partia sem sem se despedir, só os amigos mais chegados ficavam sabendo e eram chamados para o beija mão de praxe. Como a granja dispunha de telefone, o tal telefonema certamente foi dado ás escondidas do governador. A identidade de Linda só foi revelada quando ela precisou informar o nome á telefonista a fim de que a ligação interurbana para o Rio fosse concluída. A estadia de Valadares em sua casa só foi informada dois  dias depois da partida e ninguém quis falar sobre a presença de Linda Batista entre nós. Eu que conheci dona Lúcia Marinho, sei que ela não mentiria sobre isto. Pena que só fiquei sabendo do caso quando ela já havia falecido, senão teria perguntado a ela. Mas esse bafo foi muito forte durante muitos anos. Uma lenda? Vai saber !

No dia três de novembro de 1903 um assassinato foi cometido na cidade pelo afro-descendente conhecido por Mizael, provavelmente libertado  da escravidão catorze anos antes quando a escravidão foi abolida no Brasil pela ação da princesa isabel, então regente do trono brasileiro. Num rompante de fúria Mizael aplicou um golpe de faca no coração da senhora Jesuína Moreira da Piedade,  esposa do coronel Francisco Torquato de Almeida ematriarca da família Torquato de Almeida. Deixou oito filhos, entre eles Torquato Alves de   Almeida, para muitos o maior e mais importante cidadão da cidade. A facada desferida por Mizael era destinada ao marido da vítima, que ao perceber o agressor tomado de intensa fúria e possesso saltou entre ele e o marido que ela buscava defender recebendo em cheio o golpe fatal. Sabe-se que após cometer o crime o assassino fugiu para os arredores da cidade mas foi preso um dia depois por um grupo liderado pelo filho da vítima, Torquato. Na sequência Mizael antes de ser entregue á justiça, foi duramente castigado pela turba que por pouco não o linchou. Mesmo sob a guarda da justiça Mizael continuou sob tortura vindo a morrer alguns dias depois, por não mais suportar os duros  castigos infligidos a ele. Havia uma querela financeira  entre o assassino e o coronel Chiquinho Torquato e este seis meses depois dos infaustos acontecimentos veio a morrer também, de remorso, segundo a versão popular. A família Torquato de Almeida já exercia forte influência nas questões políticas da cidade e seus adversários não deixariam passar em branco o episódio sangrento.  Não demorou muito para o negro Mizael passar a ser lembrado não como réu de um crime de morte, mas sim de um mártir vitimado pela volúpia de poder dos Torquatos de Almeida, que custara a vida da matriarca, mulher venerada pelo povo paraense de Minas e do próprio marido dela, que teria morrido de remorso, arrependido e sentindo-se culpado das duas mortes. Logo  a sepultura de Mizael no velho cemitério paroquial, localizado na Praça Galba Veloso se tornou ponto de peregrinação de fiéis que iam até o seu túmulo pedir e/ou agradecer eventuais graças recebidas. No dia consagrado aos “Finados”, dois de novembro, centenas de pessoas fazia fila para uma oração ou para deixar uma flor sobre a cova rasa em que foi enterrado. Mizael se tornou uma espécie de santo municipal, tal era a reverência á sua memória. Só em 1942 quando o atual cemitério de Santo Antonio foi inaugurado é que a memória de Mizael começou a se apagar, pois os seus restos mortais ficaram para trás e provavelmente foram parar no ossário geral; ou então se perdeu misturado quando o entulho do velho cemitério foi usado para aterrar a região da Ponte Grande no ano 1964. 

Três mortes desnecessárias que possibilitaram o surgimento de muitas lendas, das quais eu cheguei a ouvir muitas.

 

 

 

 

Luiz David

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