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VIÚVA NOVA – PADRE GABRIEL

filme_2Ele me procurou, meio sem jeito, dizendo que havia embarcado em outra. Meio ingênuo imaginei que ele havia trocado de emprego, planejado outra viagem ou mudado o programa para o final de semana. Fingi que havia entendido até que a prosa se esticasse mais e eu pudesse, de fato, compreender do que se tratava aquela “nova embarcação”.

Com o tempo ele se mudou muito e eu também me mudei. Fiquei, assumidamente, mais velho. Nele, entretanto, percebi um “ataque de juventude tardia(AJT)”. Trata-se de uma moléstia que costuma contagiar homens maduros. Os sintomas são fáceis de serem constatados. Diagnosticar a situação não é difícil. Vi que ele pintou os cabelos e parecia ter feito plástica. Seu rosto estava vermelho como rosto de político na TV, em horário gratuito. Usava um brinco discreto e, além da calça justa por demais, deixara crescer a unha do mindinho esquerdo. Percebi tudo isso, sem dizer palavra alguma. Pensei que pudesse se tratar da tal doença.

Vitimado pelo vírus de ataque de juventude tardia, alguns homens maduros começam a se comportar como boyzinhos. Para compensar as perdas naturais a essas alturas costumam ter algum dinheiro no bolso, o que não acontecia na juventude real. Pelo visto, algumas mulheres se apaixonam pela mocidade real e outras pela mocidade imaginária. Para as últimas não faltam perfumes joias e jantares. Quantos às primeiras…

Mas, voltando à embarcação, de fato, eu não estava enganado. Ali se tratava, claramente, de uma contaminação de JIT. A mulher do primeiro banco era mesmo a canoa furada, digo, a nova embarcação. Enquanto o ônibus rodava rumo à Capital de Minas, tive que ouvir todas as lorotas de homem com crise de paixonite aguda. A passageira do primeiro banco era uma moçoila ruiva de cabelos esvoaçantes que, apesar de jovem, estava acima do peso. Tinha cara de profissional em pacientes com JIT. No quarto banco do ônibus ouvi, pacientemente, enquanto ele elencava todas as qualidades da “moça”. –Com tantas virtudes assim, só lhe faltava um altar, pensei.

O tempo passou e hoje já faz um mês que tudo isso aconteceu. Ainda a pouco me dei de cara com a “dama do lotação”. Imaginem, como esse mundo é pequeno! Ao ver-me tentou esboçar uma expressão de pesar, pois sabia que eu “era amigo” do paciente. Pois é. Estava viúva. Não teve jeito. Algum remédio que ele tomou para manter a juventude acabou não dando certo e seu coração não aguentou. Agora ela estava ali, “desconsolada” para cuidar do inventário dele. – Ainda bem que ele não me deixou desamparada, disse entre algum soluço. Fiquei com a fazenda e um apê em BH, afirmou, abreviando tudo. Por alguns instantes tive pena dela. Coitada, só uma fazendinha e um apartamento em Belo Horizonte!

Vi que ela abriu um pouco o semblante quando lhe disse: Olha, você fez de tudo. O que aconteceu foi, de fato, lamentável. Mas, não é justo que você fique cozinhando a viuvez a vida inteira (omiti o período de 30 dias)! Ela tirou os óculos, virou o cabelo com a palma da mão e depois de um curto suspiro, apenas um, completou. É. Afinal a fila anda… Dizendo isso, apanhou a bolsa e saiu. Eu permaneci na fila apenas para autenticar uma assinatura. Ô vida, meu Deus!

Luiz David

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