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A MORTE ESPERAVA À SAIDA

A MORTE ESPERAVA À SAÍDA

Há cem anos, 16 de julho de 1916, mais ou menos neste horário, estava terminando na igreja-matiz de Nossa Senhora da Piedade, a missa das dez, celebrada pelo vigário padre José “Zeca” Pereira Coelho. Igreja super-lotada como sempre. Terminado o oficio, as pessoas começaram a sair pelas muitas portas do templo. O cidadão Luiz Orsini, por exemplo, como sempre preferiu sair pela porta lateral, que ficava de frente para a praça Delfim Moreira, que pretendia atravessar de volta à sua residência na Chácara Orsini (atual Escola Municipal de Artes & Ofícios). Desgraçadamente, a morte esperava por Orsini à saída, na pessoa de outro cidadão, Cornélio Moreira, que traiçoeiramente, por motivos políticos, desferiu nas costas de Luiz Orsini uma violenta punhalada, à altura do ombro, derrubando-o escadaria abaixo. Atingido mortalmente, Orsini ainda teve tempo de sacar seu revólver, mas não o suficiente para atirar, apenas proferindo antes de morrer, em direção ao seu ofensor, as palavras : – Covarde, você me matou!
O pânico se espalhou entre as centenas de pessoas que estavam na principal praça da cidade naquele momento. Correndo no meio da multidão, com o braço erguido e a mão ainda segurando o punhal manchado de sangue, O assassino buscava empreender fuga, gritando assustadoramente “quem tem paixão me arrodeia! Quem tem paixão me arrodeia! Finalmente achou abrigo na casa do coletor federal Joaquim Xavier Vilaça, na praça Francisco Torquato, ao lado do grupo escolar, onde ficou por algumas horas, até ser finalmente preso.
O assassinato de Luiz Orsini, crime político, dividiu a história de Pará de Minas em antes e depois do lamentável episódio. Até então um urbe pacata, a ainda Cidade do Pará ganhou as manchetes policiais de todos os jornais do país e manifestações de repúdio foram registradas na maioria das câmaras municipais brasileiras, nas assembleias estaduais, no senado da república e na câmara federal. Dezenas de entidades civis também se manifestaram, lamentando o ocorrido e exigindo a apuração dos fatos.
Luiz Orsini era bastante afamado em Minas Gerais, no Rio de Janeiro e em São Paulo, exercendo a sua profissão “cometa”, profissional que transportava mercadorias das metrópoles da época para o interior. E havia sido a partir da década de 1870, um ardoroso defensor e propagandista das causas da Abolição da Escravatura e da República, finalmente vitoriosas em 1888 e 1889, respectivamente.
O autor do crime, Cornélio Moreira, era parente da esposa do coronel Torquato Alves de Almeida, e devotava afeição filial ao coronel, na época o mais importante político da cidade.O coronel era o presidente da Câmara Municipal e Agente Executivo (o prefeito na época), além de presidir a comissão construtora do hospital, o Centro Literário e ainda o principal diretor da Companhia Industrial Paraense, a maior empregadora da região, com mais de trezentos operários.
Não é possível contar em poucas linhas o episódio, muito menos as suas graves consequências, que se estenderam através das décadas, com reflexos ainda hoje. A rivalidade política na cidade chegou a tal ponto que torquatistas não passavam na porta da casa de seus adversários e vice-versa. Por conta dessa rivalidade, a década de 1920 em Pará de Minas foi a mais violenta, politicamente falando, ao ponto de o prédio da prefeitura ser alvo de um violento incêndio criminoso, que praticamente o destruiu, com os dois lados se acusando mutuamente pelo crime. A rivalidade desaguou em 1930, quando o vereador Benedito Valadares, que se alinhava entre os adversários do coronel Torquato, destemidamente apoiou a Revolução chefiada pelo gaúcho Getúlio Vargas em nome de quem, armado de fuzis, foi até à prefeitura e destituiu o prefeito torquatista, o tenente Júlio de Melo Franco, assumindo o poder municipal. Por ironias do destino e por estar no lugar certo, na hora certa, com os contatos certos, três anos depois Valadares se tornou o governador de Minas, congelando o torquatismo em Pará de Minas. Em 1947, após a redemocratização, a prefeitura voltou ao comando dos seguidores do coronel Torquato, através do prefeito eleito, padre José Viegas, que por não ser político, permitiu que o seu vice, o advogado Odilon Rodrigues de Sousa cuidasse dos assuntos partidários.
Está passando da hora de alguém contar a história política de Pará de Minas. Onde estão os historiadores que a FAPAM formou na década de 1990 e principio deste século? (LUIZ VIANA DAVID)

Luiz David

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