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A NOVA CPMF – UM VULCÃO DIFICIL DE DOMAR

A nova CPMF – Um vulcão difícil de domar

Ricardo Coelho

Recentemente estive em uma viagem ao Deserto do Atacama, no norte do Chile. Esse deserto tem cerca de 1000 km de extensão e é considerado o mais alto e mais árido do mundo. Lá tive a oportunidade de presenciar, mesmo que de forma discreta, um vulcão em atividade. São bonitos de se ver enquanto inativos, mas sabidamente aterrorizantes quando em atividade. Assim, apenas para ilustrar, fazendo uma pequena comparação, será que a nova CPMF, como um vulcão adormecido, ao teimar em entrar em erupção, não trará efeitos catastróficos para a nossa vida socioeconômica? Vejamos abaixo algumas ponderações macro para melhor nos ambientarmos aos tópicos diretamente relacionados ao tipo de tributação da CPMF, para daí, então passarmos a analisar a agressividade efetiva deste provável novo imposto.
Ponderação 01: História da CPMF – A Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira foi criada em 1997, no governo Fernando Henrique, para arrecadar fundos para o custeio da Saúde Pública, da Previdência Social e para o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza. A primeira alíquota deste imposto era de 0,25% sobre débitos em conta corrente e perdurou até janeiro de 1999. Voltou em junho de 1999 com um tributo de 0,38%, passando em junho de 2000 a 0,30%. Após março de 2001, passou novamente a 0,38%, sendo este percentual cobrado até sua extinção em dezembro de 2007. Portanto, mais de 10 anos de incidência, sendo 5 destes anos na gestão Lula. Esta antiga CPMF era conhecida como o “imposto do cheque”, pois, na época, ele era o maior e mais eficaz movimentador, e sobre o qual o fisco tinha real controle sobre a compensação.
Ponderação 02: Evolução dos Meios de Pagamento – Em 1954, a Diners foi pioneira ao iniciar no Brasil as suas operações de cartão de crédito. Em 1995, ano em que o Brasil iniciou na era da internet, foram 3,5 bilhões de cheque emitidos contra 880 milhões em 2015, ou seja, um redução fr 80% em 10 anos. Em 2002, vimos a implementação do novo SPB – Sistema de Pagamentos Brasileiros – que injetou muito mais dinamismo na liquidação de títulos compensados e outras melhorias, permitindo a gradual redução do uso de cheques. Atualmente, mais de 60% das transações bancárias são feitas via cartões, internet, débitos automáticos… . Diante de tudo isso, é certo que a segurança, agilidade e custos irão impulsionar ainda mais esses meios eletrônicos, mas dificilmente iremos ver o fim do cheque. Ainda o veremos por muito tempo e com valores médios crescentes, pois seu uso se concentrará preferencialmente em alguns modelos de negócios, com destaque para aqueles realizados em cidades menores, ou nos negócios que precisam de uma garantia na transação a prazo, normalmente feitos por lojistas, compradores de gado etc.
Ponderação 03: O risco embutido no cheque – 2,2% dos cheques em fevereiro de 2016 estavam sem fundos, algo pesado para um lojista repassar no custo de suas mercadorias ou serviços. Assim, mesmo com os custos das operações via cartão de crédito e débito, ele prefere este meio de pagamento pela sua liquidez e agilidade. Portanto, já é comum, em cidades acima de porte médio e grande, o comércio não mais aceitar o cheque, tanto que os lojistas ostentam logo na entrada de seus estabelecimentos uma placa informando dessa sua decisão, que é amparada pelo artigo 6º inciso III e pelo artigo 31, ambos do Código de Defesa do Consumidor. E ainda contam com o reforço do artigo 315 do Código Civil, onde reza que a aceitação de cheque é opcional, já que o meio de pagamento obrigatório é a moeda corrente nacional. Vale ainda, aqui, frisar que uma grande parcela das contas correntes abertas nestes últimos anos já não dispõe do movimentador “cheque”, utilizando, então, apenas os cartões de débito e crédito, o que diretamente reduz os custos, processos e o risco aos envolvidos nas transações a serem realizadas com estes clientes.
Ponderação 04: Bancarização já em saturação – É muito pouco provável que ainda haja na sociedade pessoas com potencial para pagar um pacote básico mensal de serviços bancários (algo próximo a R$ 20,00) e que ainda não tenha conta em um banco. Quando do início da CPMF, em 1997, tínhamos 23% da população bancarizada e já no seu final, em 2007, eram 40%. Hoje mais de 60% da população (120 milhões) têm conta corrente em banco, sem computar uma enormidade de contas poupanças que podem, inclusive, estar sendo usadas como conta corrente. E sem ainda, colocarmos nesta conta as centenas de milhares de empresas formais. Algo que impulsionará absurdamente a arrecadação, pois todo este contingente será alcançado pela eventual nova CPMF.
Ponderação 05: A fuga usual da antiga CPMF – Para se safar da incidência da antiga CPMF, que poderia colocar em risco a competitividade dos envolvidos em uma transação mercantil, todo o cheque dado por um cliente envolvido nesta transação era direcionado para honrar compromissos com outros clientes deste processo comercial. Imaginemos este cenário. Se naquela época você comprasse um gás de cozinha com cheque, este seu cheque iria demorar até mais de um mês para cair na sua conta, e quem o depositava era alguém que estava em uma cadeia muito acima daquela que imaginava. O seu cheque, que havia sido passado para a distribuidora de gás era usado pela mesma distribuidora, por exemplo, para pagar seus fornecedores, que por sua vez, repassavam o cheque novamente ou os descontavam em factoring. E dessa forma, a ciranda da informalidade andava. Portanto, havia, sim, um claro interesse em não ser impactado pelo tributo da CPMF que só existia em último caso. Já os aposentados e funcionários formais que recebiam seus proventos em conta corrente não tinham como escapar, pois seus créditos recebidos, ao serem retirados, eram automaticamente tributados pela CPMF.
Ponderação 06: Novamente o incentivo à informalidade – Apesar do cada vez ser mais eficaz o aperto do fisco para evitar evasão de tributos, é frágil a crença de que não veremos novas e “criativas” formas da informalidade com o intuito de esquivar-se frente ao novo tributo da CPMF, em especial em centros pequenos, ou na periferia de grandes e médios centros. Assim, novamente veremos a “criatividade” de uma enorme parcela de nossa população para se safar de tributos, ao mesmo tempo em que, sem merecer socialmente, usam dos serviços públicos financiados por esses mesmos tributos.
Ponderação 07: A perversa sistemática da cobrança – Como vimos nas ponderações acima, a nova CPMF, se aprovada, terá a seu favor a tecnologia, a enorme bancarização, a aversão do mercado ao cheque, o pagamento de salários via conta corrente, a agressividade e automação da fiscalização de tributos sobre a renda e rendimentos, a falta de tempo, o risco de porta elevados valores em espécie, etc. Ou seja, pelo dinamismo de sua cobrança, o volume a ser arrecadado será imensamente maior que o obtido no modelo anterior que vingou até 2007. Isso nos leva a crer que teremos dias sombrios quanto à tributação no Brasil, que como se não bastasse ter a maior tributação do mundo, ainda conta há décadas com governos que só prestam serviços de péssima qualidade à população, adotam uma gestão indisciplinada de seus gastos, rifam apoios junto a uma casta de péssimos políticos e estão manchados por desvios e subornos, para ficarmos só com esses fatos desabonadores. E agora, essa elevação da carga tributária através deste imposto “único”, ajuda a manter e crescer ainda mais as ingerências socioeconômicas desses governos. Assim, devemos ter em mente, além dos fatores acima descritos, que a crescente eficácia dos controles e da arrecadação sistêmicos de tributos federais, estaduais e municipais também farão a arrecadação elevar-se substancialmente com essa nova CPMF. Diante dessas projeções sobre o futuro onde a arrecadação será muito maior do que a prevista, devemos cuidar para que sua destinação seja unicamente para a qual for aprovada, evitando os dissabores de antigos governos de direita e esquerda que conseguiram desviar de sua destinação original. Por fim, com essa estupenda arrecadação potencializada pela nova CPMF, devemos policiar nossos governantes para que não se auto-rotulem de ótimos gestores, unicamente porque os cofres estão cheios e são crescentes os indicadores de eficiência de sua gestão financeira.
Importantíssimo: Uma justificativa errônea em relação à cobrança de impostos que funcionam como a antiga CPMF, é que ela seria cobrada de uma forma “eclética”, ou seja, que afetaria a todos de uma mesma forma, tal qual o imposto único que existe em países desenvolvidos. Ocorre que se esquece que a CPMF não será um imposto único, e, sim, além de impactar em cascata os processos econômicos, virá a se somar à maior carga tributária do mundo. Portanto, não há como as pessoas formais e bancarizadas (empresários, aposentados, trabalhadores formais…) se livrarem dessa cobrança. Assim sendo, na prática, o empresário repassa o imposto da CPMF para o preço e o comprador de sua solução pagará novamente esse tributo ao ser debitado em sua conta corrente.
Mas, atenção! Toda a cadeia produtiva está bem vigiada pelo fisco, assim, quanto mais agentes econômicos estiverem na cadeia (… fornecedor 01, fornecedor 02, empresário, distribuidor 01, distribuidor 02, cliente), maior será o imposto e mais impactada será a qualidade socioeconômica da população formal. Os informais serão menos impactados, pois quando o serviço ou produto chegar a seu “mercado”, o imposto irá cessar. O que vale dizer que a cadeia vai ser impactada enquanto ela for formal, permitindo a inferência de que quanto mais informal, menor o impacto naquele “micro mundo”, algo como se nem existisse a CPMF.
Reflexão Final: Esta nova CPMF, se aprovada, tem tudo para dar errado quanto à sua finalidade, e infelizmente será favorecida pela maior eficácia e rigidez do fisco, pelo avanço da tecnologia, pela bancarização, pela empregabilidade e empreendedorismo formal da população, entre outros. Esses fatores acarretam um enorme giro formal de recursos em conta corrente, que é a fonte dessa tributação.
Nossos governantes há décadas não têm méritos para exigir mais arrecadação. Será triste presenciarmos novamente o repasse de recursos formais e produtivos de pessoas e empresários para governos reconhecidamente inaptos a gerir suas riquezas e obrigações. Seria o mesmo que um cliente que está indo a falência nos pedir mais crédito, sem nos dar mais garantias ou melhorar substancialmente sua gestão. Algo impensável para nós, mas não para nossos governantes.
Veremos com indignação uma cena de um filme de emoção de Indiana Jones onde a população é que estará sobrevoando um vulcão enfurecido (governo) dentro de um pequeno avião. Eles verão parte de suas riquezas sumirem com se fosse um pequeno relampejo de fumaça. Não terão nem o raro prazer de ver suas suadas reservas indo escorrer como lavas incandescentes em chamas pelo dorso da montanha, se tornando rochas sólidas para futuras edificações ou fertilizando novas terras. Salvaguardando aqui a mãe natureza que premia a vida mesmo em seus rompantes de agressividade.
Concordar é secundário. Refletir é urgente.

(Ricardo Coelho Consult – Focados na competitividade do Cooperativismo de Crédito)

Luiz David

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