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COSME RÍMOLI COMENTA O FRACASSO DA ESPANHA NA COPA DO BRASIL

1afp26 A eliminada Espanha de Vicente del Bosque não pode ser massacrada. Ela revolucionou o futebol mundial e fez seu país ser respeitado dentro do campo. Foi muito bom enquanto durou...

Compartilhado do blog do Cosme Rímoli

A decisão da Copa das Confederações foi o aviso que ninguém quis enxergar. Ou melhor, todos olharam para um lado só. O do Brasil. Quando a Seleção de Luiz Felipe Scolari venceu por 3 a 0, veio a certeza do mundo que os pentacampeões encontraram um time, a melhor maneira de jogar. Com Felipão voltaram a ser favoritos para vencer a Copa. Pouca atenção foi dada à Espanha.

Sinais já haviam sido dados pelo Bayern de Munique em 2013. O time alemão triturou sem pena o Barcelona. Arrebentou com o toque de bola, batizado pelos catalães de tiki-taka. Com duas linhas de quatro e contragolpes em bloco, em velocidade, o injustiçado Josef “Jupp” Heynckes mostrou ao mundo. Havia uma maneira para derrotar a ‘tática infalível’ aperfeiçoada por Pepe Guardiola. O destino foi irônico. Jupp recebeu como recompensa pela conquista da Champions, a aposentadoria. O Bayern havia contratado justamente Guardiola para seu lugar. Foi o espanhol quem levantou facilmente o Mundial com o time alemão. Esteve no Marrocos graças a Heynckes.

A partir da Champions de 2013, o mundo do futebol disseminou o antídoto para a estratégia que revolucionou não só o futebol espanhol. Mas o de todo planeta. Isso não foi inédito. Guardiola nunca escondeu que sua principal inspiração veio da Seleção Holandesa de 1974, a do futebol total, sem posição fixa e muita posse de bola. Isso não foi por acaso. Ele foi jogador de Cruyff. O maior jogador holandês de todos os tempos atuou pelo Barcelona e depois foi treinador do clube. Guardiola aprimorou tudo que ouviu e viu com o holandês.

Fez do Barcelona um time excepcional,que encantou o mundo. Equipe que chegava em média 75% de posse de bola durante o jogo. Abria mão do centroavante fixo. Aliás, do meio para a frente não existia a palavra fixo. A Federação Espanhola de Futebol escolheu seu homem de confiança para comandar a seleção. Vicente del Bosque. Ele trabalhava na Turquia, no Besiktas. E tinha um passado completamente voltado ao Real Madrid.

Guardiola e José Mourinho têm muito em comum. São técnicos geniais, mas personalistas. Não aceitam interferências nos seus projetos. Por isso não se submetem à Federação Espanhola e Portuguesa. Por isso o manso Del Bosque ganhou o cargo em 2008. Depois da disputa da Eurocopa.

Ele sabia da excepcional e jovem geração que Guardiola havia desenvolvido no Barcelona B. E principalmente percebeu a maneira que o time atuava. Foi esperto. Usou a mesma estratégia dos catalães reforçados das estrelas do Real Madrid. Foi muito além de Luiz Aragonés que havia dado os primeiros passos para mudar o estilo tacanho espanhol. Aragonés ganhou a Europa de 2006 já neste caminho.

A Espanha deixou de ser mera coadjuvante. Se tornou protagonista. Não justificava mais o apelido de Fúria. Era a antítese do time que tentava resolver tudo à força. Não. O time usava a torturante e inédita tática. Estratégia que parecia básica. Reter a bola com um time técnico, habilidoso, sem posição fixa do meio para a frente. E com jogadores com o mesmo tipo físico. Baixos e muito velozes. Executar com perfeição essa tática exigia demais dos atletas.

2afp13 A eliminada Espanha de Vicente del Bosque não pode ser massacrada. Ela revolucionou o futebol mundial e fez seu país ser respeitado dentro do campo. Foi muito bom enquanto durou...

Foi assim que os espanhóis dominaram o mundo. Foram duas Eurocopas e a inédita, sonhada, desejada conquista da Copa. Eu estava na África e depois da derrocada do Brasil de Dunga, acompanhei de perto a Espanha. Tive a sorte de conversar com Vicente del Bosque. E perceber que sua importância era fundamental. Seu gênio conciliador conseguia unir ao máximo dois grupos rivais: os jogadores do Real Madrid e Barcelona. Essa rivalidade sabotou por décadas a seleção espanhola.

Mas os técnicos vencedores costumam cair na mesma armadilha. Ficam reféns dos seus atletas. Rejeitam o novo. Até porque estão vencendo. A Espanha ganhou as últimas três competições representativas no mundo. Duas Eurocopas e uma Copa do Mundo. Isso deixava Del Bosque tranquilo. A Copa das Confederações perdida não teve tanto impacto. Os europeus vêem a competição como deve ser vista, de preparação para o Mundial. Uma exibição do país anfitrião de seus estádios.

Mas havia muito mais nos 3 a 0 impostos pelo Brasil. Felipão seguiu o caminho mostrado por Jupp Heynckes. Só que detalhes foram desprezados. Entre eles o inevitável envelhecimento do time. E de peças fundamentais ao time. Xavi, 34 anos, Xabi Alonso, 32, Iniesta, 30, Casillas, 33m David Villa, 33. O time estava envelhecido, mas Vicente del Bosque acreditou que daria para disputar essa última Copa.

Reforçou o time com o brasileiro Diego Costa, atacante muito mais efetivo do que o atual Fernando Torres. Seria a referência. A equipe teria alguém forte, alto para abrir espaço nas defesas adversárias. E no mais, o time conseguiria se impor. Passaria por cima da equipes que tentassem imitar o Bayern. A Espanha sabia que seus oponentes usariam a mesma tática bávara.

Os espanhóis não tinham saída. Outra geração não foi preparada para assumir no lugar desta. A conquista da Eurocopa de 2012 era o principal argumento. A revolução poderia esperar até depois da Copa do Brasil.

Só que tudo conspirou contra. A Espanha teve pela frente Van Gaal e Sampaioli. Holanda e Chile não só decoraram como anular o jogo espanhol. As indefectíveis duas linhas de quatro no meio de campo. Como os dois treinadores sabiam da deficiência física da campeã do mundo. Exploraram a força física de seus times. Os holandeses por ter mais talento golearam. Mas os chilenos também superaram os espanhóis, ganharam com méritos o confronto.ão

Alívio também para Felipão. Não corre o risco de ter Diego Costa contra o Brasil. Atacante que desprezou e depois tentou reconquistar. Não há mais o fantasma de poder tomar gols dele no jogo pelas oitavas E agora nem no resto da Copa.

A Espanha segue a sina do Brasil em 1966. A França de 2002. E a Itália, de 2010. Campeões das últimas Copas e eliminados na seguinte. Dominar o mundo por seis anos anestesiou também a imprensa espanhola. Por isso ela desperta com tanta raiva. Os ataques são pesados demais com o time que fracassou no Brasil.

O projeto deu muito certo. Duas Eurocopas e uma Copa do Mundo. Os espanhóis ganharam um respeito no futebol que nunca tiveram. Eram vistos apenas como coadjuvantes. E muito mais do que isso. Revolucionaram o próprio jogo. Quantas equipes no mundo não seguem o que aprenderam com eles? O Corinthians campeão do mundo, o Atlético Mineiro, vencedor da Libertadores. Beberam na fonte de Guardiola, da seleção de Vicente del Bosque. Nas próprias palavras de Tite e Cuca.

3afp5 A eliminada Espanha de Vicente del Bosque não pode ser massacrada. Ela revolucionou o futebol mundial e fez seu país ser respeitado dentro do campo. Foi muito bom enquanto durou...

A Espanha fará do seu último jogo contra a Austrália um triste amistoso. E ir embora. Mas não de cabeça baixa, massacrada. Cumpriu de maneira primorosa seu papel na história do futebol. Seu erro foi não conseguir mudar uma equipe que há dois anos estava dando volta olímpica, conquistando a Europa pela segunda vez consecutiva. Como trocar um time que venceu os três torneios mais importantes nos últimos seis anos?

Xabi Alonso tentou definir a eliminação precoce da Copa ontem. “Não soubemos manter a fome.” Ele está errado. Na verdade, a fome continuou. Só que os espanhóis, envelhecidos, não perceberam. Viraram leões sem dentes. Fragilizados e com os mesmos truques. No futebol e na vida, o novo sempre vem.

Mas antes de a Espanha massacrar esse time e Vicente del Bosque, que tente lembrar o que era antes deles. E reconheça todo o mérito de um trabalho excelente. Deixou marcas eternas no futebol. Foi a geração mais vitoriosa que o país já teve. E foi muito bom enquanto durou…
1reuters5 A eliminada Espanha de Vicente del Bosque não pode ser massacrada. Ela revolucionou o futebol mundial e fez seu país ser respeitado dentro do campo. Foi muito bom enquanto durou...

Luiz David

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