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CRÔNICAS DA PESTE CHINESA (I)

Minha irmã Lúcia

CRÔNICAS DA PESTE CHINESA (1ª)

Hoje, 23 de março, minha querida irmã Lúcia Helena comemora o seu 76º aniversário de existência. No seio familiar ela é apenas “Lena”; irmãos, sobrinhos, primos, todos a chamamos assim. Para as dezenas de amigos que amealhou nestes 3/4 de século ela é a Lúcia; Lúcia David. É a terceira filha, veio depois de Luiza Helena e de Lúcio Flávio. Depois dela viemos eu e Lizaura. Assim, por alguns anos Lena ou Lúcia, foi a filha do meio: dois irmãos acima e dois abaixo dela. Só mais tarde nasceram Lílian e Lésio. Uma pessoa do bem esta minha irmã. Começou a trabalhar na fábrica de tecidos alguns dias depois de completar catorze anos e isto fez grande diferença na família, pois mais da metade de seu salário ela destinava ás despesas de casa, o que desafogou um pouco o ferreiro José Negrito, nosso pai. Nossa irmã mais velha casou antes dos 17 anos e foi viver em Belo Horizonte; a ferraria onde o irmão mais velho ajudava nosso pai oscilava; podia ter um bom faturamento num mês e passar três meses numa meia boca. Eu também trabalhava no comércio, ganhando meio salário mínimo. Dona Zinha nossa mãe, cuidava do lar e dos filhos menores: Lizaura, Lílian e Lésio. Assim, dinheiro garantido mesmo só o salário de Lena. Alguns anos depois, quando Lizaura completou 14 anos também foi trabalhar na fábrica de panos. E logo depois, antes de eu completar os 17 dei o pinote para conhecer o mundo o que demorou quatro anos. A situação econômica da família tinha se estabilizado com a renda da ferraria / serralheria e a contribuição de minhas irmãs. Como consequência os mais novinhos Lílian e Lésio puderam se dedicar aos estudos, sem precisarem ingressar no mercado de trabalho ao catorze anos. Entrariam, se não tivesse sido implantado na cidade o primeiro ginásio público: Ginásio Estadual Fernando Otávio, uma benção para os filhos de famílias proletárias que assim tiveram a oportunidade prosseguir os estudos. Mais tarde, eu, Lizaura e Lena voltaríamos aos bancos escolares de estabelecimentos privados.

Eu nunca consegui concluir o curso ginasial na Escola de Comércio, mas Lizaura rompeu a barreira e foi a primeira da família a conseguir um diploma de curso superior; tornou-se advogada pela Universidade de Itaúna e é considerada uma boa profissional dentre os que militam no foro de nossa comarca. Lesio tão logo concluiu o curso científico foi aprovado em concurso do Banco do Brasil, onde ficou nos 30 anos seguintes até aposentar-se. Lílian formou-se professora, casou-se formou uma bela família, aspirou pó de giz por vinte e cinco anos, aposentou-se e continuou na ativa. Mais tarde formou-se também em pedagogia. Com Lena foi diferente, começou a trabalhar muito cedo e cedo se aposentou, aos quarenta anos, pois a legislação permitia ás tecelãs aposentarem-se com vinte e cinco anos de trabalho. Então ela fez um curso supletivo e conquistou os diplomas do primeiro e do segundo graus. Foi á faculdade e conquistou um diploma superior. Voltou ao mercado de trabalho como servidora pública municipal, trabalhando na Biblioteca Pública e mais tarde numa creche, cuidando de bebês.

Por duas vezes foi demitida da prefeitura simplesmente por ser minha irmã. A primeira vez em 1989 pelo prefeito José Porfírio (o pai) e na segunda vez em 2001 pelo prefeito Inácio Franco. Mesmo involuntariamente eu sinto que contribuí pelas suas demissões, pois eu era adversário político dos dois citados e a demitiram pelo sobrenome. Lena pagou pelo que não fez. mas não se rendeu. Passou a fazer trabalho voluntário em biblioteca de associações, uma delas o “Restaurante da Criança” de dona Fia, onde ajudou a organizar a biblioteca. Nos tempos das animadas gincanas que eram organizadas na cidade, lá estava ela liderando uma das equipes. Foi campeã várias vezes nos torneios das gincanas. Passou a ocupar parte de seu tempo com o jogo de buraco, disputando e vencendo dezenas de campeonatos. Torcedora fanática do Cruzeiro, tipo torcedor que toca o hino e hasteia a bandeira do clube antes dos jogos. Costumava ir ao Mineirão ver o time jogar umas cinco ou seis vezes por ano. Certa vez formou um time de futebol na fábrica e foi para a beira do campo dirigir a equipe após perder a paciência com o técnico. Atualmente sai pouco de casa, vai ao supermercado, ao sacolão, á farmácia e pelo menos uma noite da semana amigos buscam-na em casa para umas partidas de buraco. Vê televisão e lê muito.Desde que faleceu nossa mãe em 2003, que ela administra a casa: o que comprar, etc. Impaciente desde sempre com as ‘empregadas’ resolveu assumir a cozinha e até se dá bem. Não se casou, ou melhor casou-se com a família, é aquela irmã que está lá sempre lá. Para os sobrinhos é a querida ‘Tia Lena’ , Neste ano em virtude da ‘peste chinesa’ a casa não vai se encher com os amigos e parentes que sempre se lembram de sua data natalícia e vão levar-lhe o fraternal abraço. É o Covid 19 incomodando todo o mundo. Hoje de manhã liguei para ela para felicitar-lhe e lhe disse que ela vai longe, como nossas tias avós Isabel e Ica David, que morreram centenárias. Ela apenas riu e respondeu: Deus é que sabe

Luiz David

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