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FINADOS & VIVENTES

FINADOS & VIVENTES

Em tempos mais remotos, Todos os Santos e Finados eram feriados religiosos, “dia santo de guarda”, dizia minha mãe, uma novembrina do dia 14. Assim, o aniversário dela sempre caiu na véspera de um feriado nacional, quando os brasileiros celebram a Proclamação da República. A casa ficava festiva pelo “níver” de dona Zinha. meus irmãos casados costumavam aparecer trazendo os netos da aniversariante; as tias, alguns primos, amigos e muitos vizinhos. Geralmente a comemoração constava de muita prosa, refrigerantes, salgadinhos, cerveja, mas o fechamento era sempre com uma exibição da dupla “QZ”, ou seja, Quinha e Zinha; minha mãe e a irmã mais próxima dela. Uma com o banjo e a outra ao bandolim, e tome valsas. Coisa mais linda e terna, que provoca em mim uma saudade danada das duas: Tia Quinha madrinha, dona Zinha, mãe com todos os atributos que uma mãe precisa ter. Pense cada um na maior virtude de sua mãe: minha mãe era virtuosa o dobro; em segundo lugar, coladinha nela, minha tia Quinha. Se existem pai e mãe corujas, eu fui um filho e afilhado coruja. Fui não; sou. Mas quem não é? E tenho a certeza que o café que minha mãe coava no coador de pano era muito mais gostoso do que este que sua mãe faz ainda hoje. Também o feijão com arroz, angu, chuchu e carne moída que minha mãe fazia era mais saboroso que todos os outros que comi depois que ela se foi.

No feriado de Finados a regra era clara: respeito absoluto à memória dos falecidos, dia de missa obrigatória, que podia ser uma das celebradas no cemitério e de muito silêncio. Acho que deste feriado foi que surgiu a expressão “silêncio sepulcral”. Finados só perdia para a Sexta-feira da Paixão no quesito meditação. Com o tempo o dois de novembro foi perdendo prestigio, até que um daqueles generais que se auto-elegeram presidentes da república, decidiu passar a tesoura nos feriados religiosos e lá se foi o bem-bom da fartura de dias-santos: São José, São Pedro, Nossa Senhora, Santa Luzia não foram poupados, nem os Finados. Um país que se esforçava para crescer economicamente não podia guardar tantos dias para o Senhor, que afinal de contas já é dono do ano inteiro. Com o tempo São José acabou se acomodando no 1º de Maio, quando se comemora o “Da Internacional do Trabalho”; Nossa Senhora ganhou o 12 de outubro, mas para não ferir suscetibilidades dizem que é quando se comemora o o Dia das Crianças. A emenda ficou pior do que o soneto, pois metade do país pára por uma semana em outubro a pretexto. Ah! Outubro, no final do mês pouca gente sabe quando é feriado ou não. Comemora-se o “Dia do Funcionário Público”, mas dependendo de qual dia da semana caem Finados e Servidor Público, como agora, o país já para na quarta-feira. Fazendo as contas, outubro, um mês com trinta e um dias, depois de apurados os dias úteis = menos sábados, domingos e feriados/pontos facultativos, restaram quinze dias. Verdade que as indústrias não param nunca; mas o comércio… O comércio que anda fraquinho, cai em tibieza. Para desespero dos patrões e alegria dos trabalhadores, que perigam receber em novembro o salário embrulhado num bilhete azul.

E não me surpreenderei se daqui a pouco o novo governo decidir cortar mais feriados religiosos e acabar com o tal ponto facultativo. Para alegria dos patrões, que em muitos casos, se preocupam mais com Mamon; e tristeza geral de empregados evangélicos, católicos, budistas, umbandistas, etc. que apreciam os dias de “dolce far niente” para altas reflexões seja no lar, no bar, na praia, ou nos estádios de futebol, que ninguém é de ferro.

Luiz David

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