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HÁBITOS ESQUECIDOS

ANTIGOS HÁBITOS

(Lúcio César de Faria)

 

Esperando voo no aeroporto de Brasília, com grande movimento de gringos por causa da Copa, para deleite do meu amigo Luiz David, passa por mim um deles mancando, com tênis em um dos pés e chinelo no outro, inchado.

Esse fato me fez lembrar de antigos hábitos perdidos no tempo, alguns por conta da prevalência da estética sobre a praticidade ou utilidade e outros pelo avanço natural da vida.

Conviver com pessoas mais jovens, no trabalho ou na turma do futebol, nos faz ficar ligados em novos tempos e hábitos, mas por outro lado nos faz parecer, algumas vezes, alguém do tempo das cavernas. Sinto-me assim ao ter que explicar o que era telex, ao comentar que certo caso era do tempo em que não havia celular e coisas assim.

Fico imaginando alguns jovens vendo hoje novelas antigas em que se discute paternidade de alguém, o que deve fazê-los inadvertidamente pensar: por que não fazem exame de DNA?

Bem, vamos lá, aos antigos hábitos.

Voltar das festas da cidade com o sapato nas mãos. Vendo no Facebook foto do meu precitado amigo Luiz David com as famosas gêmeas da minha querida terrinha Pará de Minas, lembro-me claramente, ainda menino, das duas voltando para casa com os sapatos na mão. Este hábito foi substituído, nas festas de casamento e similares, pelo fornecimento de personalizados pares de sandálias.

Galocha. Nos dias de chuva, meu pai calçava a galocha sobre os sapatos, para preservar o couro e manter os pés secos. Feia, mas prática, a galocha foi um dos objetos úteis que caiu em desuso. Como explicar para a moçada o que era a galocha? Um sapato de borracha que envolvia o sapato de couro? Uma camisinha pra sapato. Pronto.

Chapéu. Naqueles tempos em que não havia protetor solar e nem sombra, pois as cidades ainda não tinham perdido a visão do céu para os prédios, o chapéu fazia a função do Sundown Facial, com a vantagem de ser bem mais barato.  O boné é o substituto moderno, pelo menos para a praia e caminhadas, e já o vemos em horário de almoço no trajeto entre o trabalho e o restaurante.

Guarda-sol. Também em tempos de sol aberto, era comum os homens abrirem seus guarda- chuvas como proteção e mais ainda as mulheres, com seus guarda-sóis.

Para-barro em carros. Tempos de quase nenhum asfalto e pouco calçamento, para evitar que os pneus espalhassem barro pelas laterais do carro, usava-se o para-barro. Confesso que certa vez, ao comprar de um colega um Passat TS 80, o melhor carro que já tive, apesar de sua cor verde abacate, a minha primeira medida, antes de chegar em casa para o almoço, foi passar num lanterneiro e solicitar a retirada dos pára-barros.

Amarrar chuteira passando o cadarço pelo solado, entre as travas. Esse era um hábito que nem deveria ter existido. Nunca entendi, mas até o famoso Kichute já vi amarrarem assim. E já houve chuteira cujas travas eram tiras circulares de couro, uma em cima da outra, com um prego de baixo pra cima, com a ponta entortada entre o solado e a palmilha. Em compensação, as chuteiras naquele tempo já eram patrocinadas: pela tortura!

Véu para comunhão.  Ainda deve ser usado, mas não tanto quanto antigamente. Hoje não é incomum presenciar decotes com um crucifixo no meio dos seios, lembrando Jesus entre o bom e o mau ladrão.

Por falar em comunhão, há muito não acompanho uma procissão, mais difícil nas grandes cidades. Lembro-me daquelas de 6ª Sexta-feira da Paixão, com as lanternas feitas de bambu para suporte da vela e papel celofane para revestimento, o que não evitava o chamuscar de alguns cabelos à frente. O Zé da Vargem tocando a matraca e os membros da Lira Santa Cecília – que um amigo brincava chamando de “The Lira” – tocando com a partitura colada nas costas dos companheiros à frente, com destaque para a tristeza do som da tuba.

Matraca, lira, tuba? Que é isso, tio? Não vou facilitar a vida, moçada, entrem aí num dicionário eletrônico gratuito, no Google ou na Wikipédia!

Sexta-feira da Paixão era um dia extremamente sagrado nos meus tempos de menino: não se ligava rádio, o comércio não funcionava. Lembro-me que em um desses dias o meu irmão Magela caiu de bicicleta – talvez um castigo divino pela diversão, sei lá – e cortou o lábio e, como não havia geladeira em casa para fornecer gelo para estancar o sangramento, eu fui incumbido de tentar comprar um picolé do João Miranda, no que tive enorme sucesso ao bater em sua casa. Por falar nisso, o Picolé Delícia foi um sucesso de vendas e de folclore na minha terra, com o famoso Severino e sua geladeirinha de isopor, recarregada não sei quantas vezes por dia e levada a todos os cantos da cidade: Aeeeiiii o piiiicolé Delíiiiciaaaa!”

Sim meninos, é isso mesmo: já houve um tempo em que as casas não tinham televisão e nem geladeira. E, acreditem, nem telefone e nem mesmo computador! Sobrevivemos, pelo menos até aqui, pois hoje, quando falta energia elétrica, resta rezar para o santo protetor das baterias – que não faço a mínima ideia de quem seja – para acesso ao notebook ou celular ou,  então … conversar pessoalmente, o que se fazia naqueles tempos. Aliás, hábito que também está se perdendo. Ah, como era útil um rádio a pilhas naqueles momentos! O que também caiu em desuso, substituído pelo celular.

E então, o que estaremos comentando daqui a alguns anos? Eu não estarei aqui para presenciar, mas até lá a tecnologia já terá inventado a mão dupla da psicografia, com mensagens daqui pra lá, onde quer que seja. Isso, claro, se eu entender o português cibernético, cada vez mais assustador quanto à má qualidade!

O tempo passa para todos, mas o presente e o futuro são pra quem quer ou até quando Deus quiser.  Dependendo só de mim, tô dentro, sem pressa.

Luiz David

One Comment

  1. Luiz Viana, por acaso estou agora lendo esta preciosidade de texto que você postou, bom para a alma, deveria ser este o titulo do texto em questão, pois nos lembra de tempos mágicos das nossas Minas Gerais, vou te seguir, mas no momento só tenho tempo de parabenizar você por esta pérola, logo mais tentarei entrar em contato, pois você acabou de ganhar um admirador, Deus te abençoe. Um abraço..

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