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POR QUE HOJE É DOMINGO

Nós, brasileiros, apreciamos bastante destacar a garra e a união de outros povos que passam ou  passaram por duras provas de sobrevivência nacional. São alvos de nossos elogios os japoneses, cujo país foi destruído durante a 2ª Guerra Mundial, com direito a sofrer o impacto de duas bombas atômicas; e mais recentemente outra vez destruído, desta vez pela natureza enfurecida, na forma de um tsunami. E os alemães? Que reergueram o país em menos de dez anos, depois da tragédia nazista? A Rússia, vítima desses nazistas… Por aí afora, são muito os exemplos de patriotismo e de defesa da nacionalidade. Povos que se mantêm mais unidos, quanto maior for a desgraça que lhes sombreia.  Nós brasileiros, sentimentais por natureza, vamos às lágrimas quando vemos esses exemplos de tenacidade.

Não por acaso, quando no grupo escolar que agora chamam de ensino fundamental, as crianças soluçam de emoção quando leem ou ouvem a história do alferes Joaquim José da Silva Tiradentes, que teria dito a belíssima frase para justificar sua participação na Inconfidência Mineira “Dez vidas eu tivesse; dez vidas eu daria, para livrar meu país da opressão portuguesa”. Eu mesmo fiquei várias vezes com um nó na garganta, quando lia essa passagem nos compêndios de história. Agora não mais, penso mesmo que o alferes, se lhe fosse dada a oportunidade, fugiria para longe, e disfarçado de padre ou de marinheiro, iria cuidar de preservar sua única vida. Mas que a frase heroica é linda e sugestiva, isso não nego.

Também não acredito muito naquele general que no auge de uma batalha sangrenta da Guerra contra o Paraguai, teria dito “Quem for brasileiro que me siga!”  Há  outra versão que garante  que o velho militar arrependeu-se de ter dito essa bobagem, ao olhar para trás e ver seus comandados parados, ou indo em direção oposta ao sugerido pelo seu enunciado.  O brasileiro geralmente ama o seu país, mas daí a dar a vida pela pátria, vai uma grande distância. Somos espertos, ou metidos a sê-lo. Para nós, prevalece sempre a velha máxima: “farinha pouca, meu pirão primeiro”. Se o momento for de tragédia ou comoção, preferimos gritar “agora é a lei de murici, cada um trate de si”. Só lembrando aos fanáticos por futebol, que o “murici” mencionado, não é o rabugento treinador do São Paulo, adepto de outro dito popular: “Eu ganhei, nós empatamos, os jogadores perderam”, quando chamado a comentar resultados de seu time.

Somos assim e pronto. Chorões; por qualquer motivo chamamos pela mamãe. Na falta dela e de alguém que lhe equivalha no círculo familiar, chamamos a polícia, o síndico, o padre… Um famoso escritor, Otto Lara Rezende, escreveu que “o mineiro só é solidário no câncer” e pelo visto só errou no diagnóstico por não ter escrito que essa é uma característica dos nascidos no Brasil. Pode ser um desafeto mortal, mas contraiu a doença que muitos não ousam nem dizer o nome, e logo nós o perdoamos de todos os males que tenha nos causado, batendo na testa do canceroso o carimbo de COITADINHO. E ficamos aguardando ansiosos a noticia do desenlace. Se ocorre uma cura, considerada milagrosa, mal conseguimos disfarçar a decepção.  Somos assim, com raríssimas exceções.

Há quem diga que no futuro seremos um povo bravo e decidido, solidário como alemães, russos, japoneses e esquimós.  Somos uma nação jovem, que só nasceu em 1822, dizem os otimistas. Mais uns quinhentos anos e teremos forjado aqui, o povo que guiará a humanidade pelos milênios vindouros garantem os mais otimistas. Será? Pode ser. Duvidar, quem há de?

Na desgraça e nas dificuldades é que se conhece o amigo e eu acrescento que nessas condições pode se descobrir também a índole de um povo. Se é solidário ou não. Falo por mim e por meus conterrâneos de Pará de Minas: não somos solidários. A cidade vive a maior crise de sua história de mais de cento e cinquenta anos. Crise de falta de água; para beber, cozinhar, lavar roupa, mangueirar o carro, aguar a horta e o jardim. Ao primeiro alarme qual foi nossa reação? Corremos a comprar enormes caixas para armazenar o cada vez mais difícil e precioso líquido (farinha pouca, meu pirão primeiro), complicando a vida da vizinhança logo acima (lei de murici, cada um trate de si).  Com calma, solidariedade e bom senso, o problema continuaria muito grave, mas as consequências seriam menores.

Como não dá para chamar a mamãe, nem o síndico, nem a policia, nem o padre, pois todos estão a seco também, numa solidariedade forçada; procuramos o culpado pela tragédia e todos os dedos apontam para uma classe, a dos políticos. E esses passam a se apontar mutuamente. O prefeito atual diz que a culpa é do seu antecessor que aponta para quem o antecedeu e assim retroativamente até 1862, quando a cidade mal tinha completado três anos de emancipação e o alcaide da época já pedia ao governador que trouxesse para cá as água do Paraopeba. Outros culpam São Pedro pela seca, mas o velho pescador se pudesse diria que seu negócio  há muito tempo é a portaria do céu; que deixou de se preocupar com chuvas, desde que saiu do ramo da pesca, há mais ou menos dois mil anos.

Melhor disse o cineasta Federico Fellini, “E la nave vá”.  No nosso caso a nave não vai, por absoluta falta de água.

A situação está tão grave que os bares nem servem mais bebidas com gelo. Agora é tudo no melhor estilo faroeste.

Luiz David

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