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Ser Paraense de Minas (como é)

SER PARAENSE DE MINAS (Como é)

Somos uma raça em extinção; nós os paraenses nascidos antes dos anos 1980 estamos acabando. Mais algumas poucas décadas e deixaremos de existir. É verdade que desde sempre muitos de nós se referiram aos nascidos nesse território mesopotâmico, posto que situado entre dois rios (Paraopeba e Pará), como pará-minenses, paraminenses, ou como eu prefiro, paraenses de Minas. Até mesmo nos chamamos patafufenses, só para irrritar os itaunenses, aqueles siriricas que fundaram seu povoado em torno de uma enorme pedra escura, que resultou em cântico de torcedores nos campos de futebol: “ita pedra, una preta” repetido à exaustão, que tinha como resposta um uníssono “patafufo, patafufo” que era para ser um desaforo, mas nós assumimos a patafufice, muito pela simpatia do vocábulo, deveras fofo, como é moda agora quando queremos elogiar algo ou alguém. Fofo, fofinho, fofura, fofice… Pato Fofo; quem entre nós com mais de quarenta anos não gosta de ser chamado assim, principalmente se o for pela pessoa amada? É como dizia aquele personagem do Chico Anysio: -Sou, mas quem não é? É verdade que o gentílico “paraminense” foi utilizado desde que o arraial do Patafufo passou a se chamar ‘Vila do Pará’ quando da emancipação. Em seu livro “História Antiga de Pará de Minas” o autor Theóphilo de Almeida usa o termo com tranquilidade. Mas foi só a partir do lançamento do jornal “Gazeta Paraminense” em 1984 que fomos deixando de ser paraenses para nos tornarmos paraminenses. Embora nos anos 1960 tenha surgido um time de futebol com o nome “Paraminense”, mais para fazer a diferença com o poderoso Paraense E.C. o decano das nossas agremiações desportivas. Pode ser que o jornalista Bié Barbosa vá odiar o que vou escrever: mas em 1984 quando nasceu a Gazeta ,o time de futebol vivia a sua fase áurea, dentro e fora dos campos, pois o popularíssimo prefeito naqueles anos 1980 tinha se transformado em político das entranhas do time de futebol, que ajudara a fundar. Talvez o jornalista tenha apenas seguido uma tendência que se mostraria esmagadora de chamar paraminense tudo o que se referisse à cidade. O fato é que o jornal do Bié sobreviveu e vai seguindo a sua vitoriosa jornada com o nome “Paraminense”. Desde aquela primeira edição já se passaram trinta e sete anos, o que torna o hebdomadário o jornal mais longevo de nossa municipal história, fato que por si só, já faz do seu fundador e proprietário, Francisco Gabriel Barbosa, merecedor dos mais laudatórios encômios. Afinal de contas, são nada menos do que 1.920 semanas que a GP circula sem falhar umazinha sequer. Para quem faz jornal no interior é como matar um leão por semana. Como Bié tem suas origens na Onça (de Pitangui) ele tem usado de sua astúcia felina para matar esse leão a cada sete dias. E vai em frente.

O lendário mineiro Benjamim Ferreira Guimarães, talvez o maior filantropo já nascido em Minas Gerais, sempre que lhe perguntavam sobre as suas origens respondia garbosamente: -sou paraense, pois nasci em Pará de Minas, no distrito de Santo Antonio do Rio São João Acima, atual Igaratinga. E assim ajudava a propagar a fama do município como berço de homens ilustres e probos. Outros conterrâneos que se destacaram no estado e até mesmo nacionalmente, nos animavam a declararmos a nossa “nacionalidade” como paraenses. Éramos paraenses como Luis Vinicius Menezes, impetuoso centro-avante do Botafogo do Rio, pelo qual marcou dezenas de gols até que se transferiu para o futebol italiano, tornando-se um dos maiores artilheiros estrangeiros, com recordes ainda não quebrados. Ou como o médico Rubens Guimarães, que de tão bom profissional, teve o seu nome perpetuado no hospital do Pronto Socorro de Belo Horizonte. Éramos paraenses como o Paraense E,C., dono do estádio que tinha o melhor gramado do Brasil, talvez do mundo, como afirmaram os craques do Atlético Mineiro depois da vitoriosa excursão do time pela Europa, logo depois de retornarem ao país. Antes de viajar ao velho mundo o Atlético jogara no novíssimo estádio, daí a inevitável comparação feita pelo lendário Zé do Monte e seus companheiros. Depois nos tornamos conterrâneos do governador Benedito Valadares, o político por excelência, que por mais tempo ocupou o Palácio da Liberdade, que graduou-se na arte política ocupando por oito anos uma cadeira em nossa câmara municipal. Sempre fomos conterrâneos do coronel Torquato de Almeida, o desenvolvimentista, admirado Brasil afora por seu dinamismo. Da mesma forma era paraense da gema o coronel João Alves Ferreira da Silva, empresário de grande calibre, que ao perceber que a cidade estava ficando pequena para a sua genialidade partiu para empreender na Capital e em Juiz de Fora, jamais negando a sua origem patafufense, ou paraense.

Enquanto isso, nós que aqui permanecemos fomos criando esse jeito para (min)ense de ser, que vai sucumbindo aos poucos, só percebidos por quem tem mais quarenta primaveras na cacunda, de nascimento ou de adesão. Se alguém diz “eu fui lá na fábrica do sitio a pé” os mais mais antigos acham normal, pois são do tempo em que os operários da extinta Cia. de Fiação e Tecelagem Pará de Minas, a tal fábrica do sitio, iam a pé para o trabalho. Os mais jovens ou os ‘oriundi’ sempre vão dizer que : “fui ao bairro de Fátima, na fábrica da Coopertêxtil. Hoje (2021) os novatos, digamos assim, dizem que vão ao bairro Dom Bosco; nós, os veteranos dizemos: vou ao escritório da CEMIG lá no Azambeque e todos os contemporâneos sabem onde é. Os antigos dizem: vou à Várzea da Posse; os novatos afirmam que vão “lá perto da FAPAM”, ou ao bairro São Geraldo . Meus contemporâneos se convidam para beber cerveja no Bar do Dininho lá na Tabatinga; os novinhos mantêm o nome do bar mas chamam o lugar de Coração de Jesus. Também ainda chamamos a Rua Major Major Manoel Antonio de Rua da Tabatinga; enquanto a rapaziada chama a via de “Rua da (Rádio) Espacial. Os remanescentes tratam a atual Rua Major Fidelis por Rua do Sabuco. Nenhum de nós vai ao alto do bairro Nossa Senhora das Graças; mas todos vamos à Porteira do Campo, ou ao alto do Cruzeiro. Os mais velhos tratam por “Arraial Novo” tudo que fica à direita da Avenida Presidente Vargas (sentido bairros) entre a Ponte Grande e a igreja de São Francisco. E só nós, macróbios, sabemos que entre a mesma Ponte Grande até a Praça de Esportes o lugar se chamava “Vargem da Cruz” uma doce lembrança do outrora caudaloso Córrego Água Limpa, que nos períodos de chuva transformava todo os atuais bairro Raquel e Dona Tunica num enorme brejo, onde a mencionada dona Tunica mantinha um exuberante arrozal. Logo depois do Arraial Novo fica o Serro, como era conhecida a parte baixa do Bairro Santo Antonio. Restou a Rua do Serro, que faz a ligação entre o novíssimo Bairro São Luiz, que eu vou morrer chamando de “fazenda dos Henriques” (dos irmãos Luiz “oleiro de profissão” e do Geraldo “dentista” ambos “em memória”). O Bairro São Luiz, planejado pelo engenheiro Cabeto do Felipe Turco (Carlos Alberto Melo Franco Santos) tem uma peculiaridade: quanto mais no alto estiver o lote, mais caro será o seu metro quadrado. Parte do bairro até recebeu o nome de “Alta Vista”, daqueles píncaros (epa!!) a paisagem é realmente soberba e quem por lá já habita, costuma dizer que valeu a pena cada centavo investido.

Nos anos 1960 (e antes) os paraenses iam caçar perdizes e codornas no alto da Maniçoba; em 2021 se for caçar em qualquer lugar a pessoa pode ser presa, muito menos nas imediações do Bairros João Paulo II, novo nome da antiga Maniçoba, lugar onde moça moça direita e de família era proibida até de mencionar. Pelo sim pelo não, acho que até em forma de homenagem no lugar atualmente existem dois motéis. Então o que mudou? Tecnicamente nada; apenas que ninguém mais precisa “furunfar” no meio do mato. Perto dali, subindo a antiga estrada Pará / BH, à direita de quem sobe, fica o lugar chamado “Cana do Reino” nome de uma fazenda. É onde nasce o córrego Água Limpa (nome de outra fazenda), por enquanto é uma região que vem se mantendo livre da especulação imobiliária, mas duvido que consiga se manter assim por muito mais tempo. E o Córrego Água Limpa, logo após a sua nascente deixa de merecer esse nome poético, tantas são as imundícies que o animal HOMEM despeja em seu leito.

Se alguém lhe disser que vai “lá no Alto comprar carne no açougue do Boró” cem por cento de chances desse alguém ser um velhote da minha idade. Alguém mais jovem certamente dirá: -vou ao Bairro de Lourdes comprar carne no açougue do Doroteu (um abraço ao Boró, que completou 80 anos semana passada). O Alto de minha infância e juventude, o Alto das barraquinhas na Gruta, virou Bairro de Lourdes, cuja área é toda aquela que vai da Praça da Gruta (Praça Francisco Valadares) até o muro do cemitério; da Rua João Pinheiro até a Rua Alferes Réo. No sentido oposto, o quadrilátero formado pelas ruas João Pinheiro, Melo Guimarães, Diamantina e os muros da Fábrica do Sitio (atual Coopertêxtil), tudo se chama Bairro de Fátima, porém, por algumas décadas o lugar era conhecido por “Pasto do Lito” (Júlio de Melo, fazendeiro, em memória). Quando meus amigos Ré (Raimundo Nogueira) e Nilma Menezes se casaram, fixaram residência na Rua Uberlândia; nós, companheiros do Ré na “turma do Continental” comentamos entre nós: nuuu, o Ré se casou e foi morar lá no ‘pasto do Lito’. Pasto que se transformou em lindo e tranquilo lugar para se viver. Onde um dia foi um pasto, agora é um bairro moderno, planejado, ruas largas e calçadas (ou asfaltadas) idem; tem escola, creche, quadra poliesportiva, comércio pujante e o Bar do Queijinho; sabem aqueles bares típicos de um lugar? Pois então, como costuma dizer Jeanne Menezes, filha dos citados Ré Nogueira e Nilma Menezes: ‘Litlle’s Cheese Bar’. E mais. é mesmo um pulo a distância do bairro ao centro é a mesma de quem vai buscar fogo se a pessoa passar pela Ruas Maravilhas e “Secret Street” (Rua do Segredo na versão de Terezinha Santos).

E assim vamos nós forjando nosso jeito paraense, ou paraminense de ser. O tema é abrangente e instigante e não cabe numa única crônica, assim pretendo voltar a ele. Mas cobrem de mim, pois tenho andado muito relapso, preguiçoso mesmo. Deve ser pelo frio que anda fazendo. (LUIZ VIANA DAVID)

Luiz David

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