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UM GÊNIO CHAMADO REINALDO

Crônica de  publicada no blog do Luis Nassif e compartilhada por Estamos Assim

Futebol é arte, não é esporte, o esporte, a competição, é a vestimenta que essa arte teve que assumir, mas nunca vi o povo no Maracanã vibrar por demonstrações atléticas de jogadores fisicamente perfeitos……

O seu maior ídolo ela um simplório, com alma de passarinho, Garrincha, as pernas tão tortas, que não se sabe como podia ser tão feiticeiro em campo…

Poderia falar de tantos outros, mas prefiro hoje, homenagear o maior deles, da geração que me fez apaixonar completamente pelo futebol: Reinaldo, do Atlético Mineiro, o famoso “Galo de Minas”, que teve embates históricos com meu Flamengo, no fim da década de 70 e início de 80…

Era o Flamengo de Zico (e outras feras, como Leandro, Júnior, Adílio…..) contra o Atlético de Reinaldo (E Cerezo, e outros cracaços de bola, era uma festa, um privilégio….)

Lembro do respeito, o medo mesmo, no português claro, que tínhamos daquele baixinho danado, um gênio, um insano em suas arrancadas geniais de curta distância, rumo ao gol adversário, os dribles que entortavam os zagueiros, um oportunismo quase infalível, o único centro-avante que vi na vida, melhor do que Romário e o Ronaldo Fenômeno. Prá mim, Reinaldo “engolia” os dois, e eu, que amava Zico como ídolo maior, quando o Atlético vinha ao Rio, já pensava e sentia assim: “tenho que ir ao Maracanã…. Ver Reinaldo jogar….”

Porque quem ama o futebol, nunca detesta o gênio, seja ele adversário ou não… Nessa arte, a gente apenas finge que detesta, o que no fundo, venera…

Então, narro aqui dois lances do gênio: no primeiro, um lançamento longo, rasteiro, Reinaldo se lança feito uma bala humana, e os dois zagueiros, um de cada lado, correm de encontro à bola. O Maracanã em silêncio absoluto, porque era uma corrida de vida ou morte, quem chegaria primeiro, Reinaldo ou os zagueiros do Fla? Então, vinha um zagueiro pela esquerda, o outro pela direita, e Reinaldo na direção do gol, a bola deslizando sobre a grama…

Chega Reinaldo, um décimo de segundo antes, e tive o prazer de ver, essa ninguém me contou… o lance mais genial de minha vida, num campo de futebol!

Prende a bola com um pé, o gênio, mas lança o tórax para a frente, como se quisesse passar por entre os zagueiros, que vinham como touros em cima do toureiro. Cheguei a torcer meu corpo nas arquibancadas, pensando o que todos ali pensaram naquele exato instante: “os zagueiros vão fazer paçoca dele, agora…”

Não se é extraordinário sem motivos… – rs – Pois Reinaldo, com aquela intuição que só o gênio tem, na mesma fração de segundo em que pisa na bola, e atira seu corpo à frente, como se fosse seguir adiante, puxa o corpo para trás, junto com a bola, num movimento de articulação corporal, de tempo e espaço, absurda, tamanha a rapidez, tamanha a malícia da jogada…

O resultado? Os dois zagueiros do Flamengo se chocam, batem braços, peitos, cabeças, um contra o outro, onde deveria ter ali o corpo do endiabrado Reinaldo.

Por um desses milagres, ou injustiças como queiram, o lance não terminou em gol. Não precisava, não fez falta o gol naquela ocasião…

A torcida do Flamengo, riu, como poucas vezes eu vi uma torcida rir tão intensamente, e juntos com os atleticanos, todos nos levantamos e aplaudimos aquele craque realmente fenomenal.

O artista genial, tem esse dom: mais cedo ou mais tarde, ele arranca aplausos da torcida adversária, vira mito, acima da cor da camisa que veste…

O segundo lance que vi no Maracanã dessa fera, foi um gol histórico que podia ter decidido o campeonato brasileiro de 1980, que o Flamengo ganhou por 3X2.

Reinaldo fazia número em campo, se arrastando, contundido, e o Flamengo ganhava por 2X1, o empate era do Galo, e o jogo parecia tranquilo, com o gênio machucado.

Claro que a torcida do Flamengo, e o medo explica isso mais do que a raiva, o provocava, os gritos de cem mil pessoas: “Bichado!, bichado!…”

Não se provoca um super-craque impunemente…

Um lançamento de uns quarenta metros, um bando de gente na área, e aquela criatura se arrastando, praticamente numa perna só, a outra inútil, o músculo da coxa estourado, prevê, intui, o centímetro quadrado onde a bola iria cair…

Num lance de simplicidade absurda, apenas estica a perna, como um bailarino, no meio das pernas dos zagueiros, aquele meio-homem em campo, tão intuitivo em sua arte, se antecipa aos zagueiros inteiros, que todos juntos, não valiam um meio craque…

Pois com aquele toque tão simples, mas genial por tudo o que o antecedeu, a distância longa do lançamento, o arrastar-se para alcançar a bola, o driblar os zagueiros e chegar antes na bola, o prever com exatidão absoluta onde a bola ia cair, fez daquele toque, vencendo também o goleiro do Flamengo, um gol heróico, épico, que eu nunca esqueci…

Minha homenagem, a esse adversário que me fazia ter medo sempre, que me fazia admirá-lo sempre, que me fazia amar mais o futebol, e enxergá-lo como arte, sempre…

Ao lado de Zico, Adílio, Leandro e Júnior, o maior craque que vi pisar nos campos de futebol.

Obrigado por tanta alegria, tanta arte, Reinaldo.

Luiz David

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