0

VI E GOSTEI

532320_845929812099652_1779853595959135231_nSer ou ter? Esta é a questão proposta por Flávio Marcus da Silva, professor, historiador, escritor, cronista e contista, no seu texto “O Cínico” que marca a estréia dele no teatro. Fui ver a peça dirigida e interpretada pelo experiente Rony Morais, bem coadjuvado por dois jovens atores amadores, Gleysson Dias e Gustavo Coelho, ainda adolescentes, que deram conta do recado e ebanjaram talento.
Pois então, o autor recua no tempo, quatrocentos anos antes de Cristo, para mostrar o filósofo Diógenes com sua lanterna, na busca incansável por um homem digno, que prezasse mais o ser do que o ter. Inutilmente, é óbvio. Num salto, vimos parar nos dias atuais, quando o ter ainda prevalece numa sociedade corrupta e corruptora, onde os políticos querem levar cada vez mais vantagem, desviando para os próprios bolsos e para os bolsos de alguns apaniguados, todo o dinheiro do erário. Mais atual impossível e o autor nem precisou fazer insinuações, por discretas que fossem, afinal, há décadas que a corrupção está enraizada na vida dos brasileiros, de qualquer metrópole ou lugarejo, de tal forma que o conselho de Fernando Pessoa “Queres ser universal, canta a tua aldeia”, ganha foro de verdade verdadeira, ou seja, o ser humano é igual em qualquer lugar do planeta, em suas misérias e emoções, nos erros e nos acertos.
A peça, de setenta e cinco minutos, é como um soco no estômago. O silencio da platéia nos momentos mais tensos, passa a impressão de que cada espectador está vestindo a carapuça que é jogada do palco pelo trio de intérpretes. E quando o personagem Pedro diz à platéia que não é difícil encontrar um cínico, sugere a cada espectador que basta olhar ao seu lado, agora, ali, na bucha. Confesso que vi muitos dos presentes, olhando assim meio de esguelha para a poltrona vizinha.
Finalmente, para aliviar a tensão, vem a entrevista da madame super-perua, falando um monte asnices a um programa de tevê, uma crítica bem humorada ao comportamento de enorme parte da burguesia endinheirada e fútil. Rony Morais arrasa no papel de perua levando o público a dar boas gargalhadas, antes do final surpreendente e macabro.
A trilha sonora, de Silvério Neto, executada por ele mesmo, numa espécie de violão, encaixou com os diálogos. Sílvério, que também é um grande humorista, é o primeiro a subir ao palco. Entra mudo e sai calado, mas a sua expressão facial ao final, quando o elenco se apresenta para receber os aplausos da platéia é alguma coisa excepcional. Uma mistura de “olhar 45” de alguém que aprecia a paisagem, fingindo-se de égua.

No mais, foi uma alegria ver o teatro municipal lotado numa tarde/noite de domingo (18 horas), com o espetáculo começando exatamente na hora marcada e um público exemplarmente bem educado. Assistir a peça ao lado dos meus amigos Ana Cláudia e Júlio Saldanha, só aumentou o meu prazer.

Acho que O Cínico, de Flávio Marcus, está pronto para ganhar a estrada.

Boa sorte a todos os envolvidos no projeto. E que encontrem montanhas de merda na turné, que virá em seguida.

Luiz David

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.