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A VIAGEM QUE ACABA NUM FAROESTE PORNÔ

VIAGEM QUE TERMINA COM UM FAROESTE PORNÔ

Há exatos cinquenta e dois anos, num 16 de fevereiro como hoje,eu dava baixa do Exército Brasileiro, após treze meses meses e alguns dias de serviços prestados à Pátria, no 12º Regimento de Infantaria, sediado em Belo Horizonte, no bairro Barro Preto. Eu tinha dezenove anos, dinheiro equivalente a um salário mínimo e meio (o soldo) e um passe-livre para Santos, via São Paulo, de trem de ferro da extinta Central do Brasil.

Não sei se é assim ainda hoje, mas naquele tempo o Exército fornecia uma passagem de trem ao soldado baixado, para onde ele quisesse. Como eu nunca tinha visto o mar indiquei Santos como meu destino, assim podia matar minha vontade de pegar um bronze na areia e rever o time do Santos com Pelé & companhia, pois ainda não tinha digerido a derrota de alguns meses antes para o Cruzeiro, um 6 a 2 categórico. Naquela noite eu e muitos outros colegas de farda fomos ao Mineirão para ver Pelé e acabamos por ver Tostão e Dirceu Lopes. Na saída do estádio, como já narrei anteriormente, em virtude da algazarra que provocamos, eu e meus colegas fomos recolhidos pela Patrulha Mista formada por sargentos de todas as forças: Exército, Aeronáutica, PM, Bombeiros, Guarda Civil, Guarda de Trânsito. O comandante era o inesquecível sargento Rodrigues, o Rodrigão, um metro e noventa de altura por cem quilos de maus bofes que nos levou direto ao xadrez do 12º Regimento, onde ficamos três dias a pão e água.

O passe-livre na verdade eram dois: um até a capital São Paulo pela Central e outro pela extinta E.F. Santos a Jundiaí até a cidade do maior time do mundo. Na viagem tive a companhia de um colega de pelotão de nome Waldir, também atleticano, que morava na rua Esmaltina, perto do estádio Independência. Waldir estava indo para ficar, tinha uma irmã recém-casada que morava no bairro de Santana, não muito longe do centro da cidade e conseguindo trabalho ficaria arranchado por algum tempo na casa da irmã.. A viagem até São Paulo atrasou, com o trem ficando retido em Volta Redonda por muitas horas, em virtude de uma cheia do Rio Paraíba do Sul que provocou um deslizamento de terra que afetou os trilhos. Então nos aboletamos no bar da estação e ficamos bebendo cerveja e algumas biritas esperando o apito do trem . No restante da viagem dormimos naqueles bancos de madeira da segunda-classe. O Exército jamais daria um passe- livre em carro de primeira para qualquer lugar do Brasil, a ex-conscritos em sua maioria mal intencionados em desvio de rota, como era o meu caso. Um soldado pediu um passe para Recife e outro, mais cara de pau, para a divisa do Brasil com Argentina, onde pegaria um trem para Buenos Aires. O que foi para o Nordeste anos depois apareceu no Mineirão envergando a camisa tricolor do Santa Cruz.

Enfim chegamos na paulicéia, que estava começando a se desvairar. Fomos recebidos entusiasticamente pela irmã de Waldir e com comedida alegria pelo cunhadão. Dormimos por muitas horas e à noite saímos para beber “um chopss e comer alguns pastel” caprichando no sotaque, numa tentativa besta de esconder nossa mineiridade. Fomos parar na Boate La Ronde, na “Boca do Lixo” paulistana, que pertencia a um conterrâneo de Pará de Minas, de nome Osmar, onde trabalhavam dois amigos meus. A boate La Ronde não era tão grande como eu a imaginava, mas era famosa e naquela semana estava se apresentando lá o cantor Cauby Peixoto, que começava a ser desbancado no coração das moçoilas pelo Rei da Jovem Guarda, Roberto Carlos. Chegamos cedo e ficamos no balcão, bebendo campari; se sentássemos teríamos de pagar uma taxa de consumação que levaria a metade da “fortuna” que havia nos nossos bolsos. Ficamos por ali, a casa encheu, mesmo sendo uma quinta-feira, Cauby muito simpático cantou seus sucessos de sempre: Conceição, Babalu, algumas músicas em inglês e antes de terminar a apresentação eu e Waldir saímos, pois o cunhado tinha fixado o horário de nos apresentarmos no quartel, isto é, na casa dele: duas da manhã. Meus amigos da La Ronde, que ao chegarmos mal mal me cumprimentaram de longe, receosos talvez de que eu estivesse em busca de guarida. Se estivesse, certamente não precisava contar com eles, afinal eu já conhecia a frase ” Mineiro só é solidário no câncer ” do escritor e dramaturgo Nelson Rodrigues que a atribuiu ao escritor mineiro Otto |Lara Rezende. Eu não tinha câncer, mas aos olhos dos meus amigos e conterrâneos eu devo ter parecido um leproso, então dei um tiauzinho também de longe aos dois e #partimos Santana, que os ponteiros do relógio já pareciam as pernas do Carlitos Charles Chaplin, 10 p/ duas.

Choveu muito em Sampa naquele fevereiro de 1967 então eu não fui a Santos. Fiquei mais uns quatro dias e voltei a BH, onde empreguei-me na Fábrica de Massas Orion, no bairro Bonfim. Fui morar numa pensão no bairro da Floresta, cujos donos seu Félix e dona Zenaide, dois nordestinos que cuidavam dos hóspedes, todos jovens, como se fossem filhos seus. Eu trabalhava a noite e dormia durante o dia, entre sete da manhã e três horas da tarde. Entrava no trabalho às dez da noite, então, pelo menos três vezes por semana pegava uma tela nos cinemas Floresta ( a dois passos da pensão) ou no Odeon, perto do viaduto, os dois na avenida do Contorno.

O passe-livre da Estrada de Ferro Santos a Jundiaí, nunca utilizado, eu o guardei, deve estar por aí, misturado aos meus teréns. Vou procurá-lo.

Muitos anos depois Osmar, dono ou sócio da boate La Ronde, eu nunca soube direito, retornou ao Pará, quando o conheci pessoalmente e ficamos bons amigos. Ele tocou um boteco na Rua Direita, perto da Caixa Econômica e depois passou a um bar próximo à Escola Fernando Otávio. Depois da La Ronde ele se tornou produtor de cinema, na época de ouro das pornô-chanchadas, numa parceria com o ator e diretor Tony Vieira (nome artístico) que nasceu em Dores do Indaiá. Os dois já morreram. Osmar há muitos anos,de forma quase que repentina. Juntos, Osmar e Tony Vieira fizeram um filme “Seduzidas pelo desejo”, um faroeste/pornô, que foi rodado em Pará de Minas com a participação de dezenas de figurantes da cidade. A cena do João Pindóia tomando um tiro e levando uma semana para cair no chão é digna de um “Oscar”. Cópias deste filme ainda existem por aí.
Poucos dias antes de morrer o Osmar, eu tinha combinado com ele uma entrevista para a Folha de Pará de Minas (que também é morta), onde ele contaria toda a sua aventura em São Paulo.
Não houve tempo.

Luiz David

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